ABC do CDC

Os vícios dos produtos - Parte 2

Uma análise dos vícios dos produtos tratados pelo Código de Defesa do Consumidor.

3/7/2025

Continuo a análise dos vícios dos produtos tratados pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC - lei 8.078/90). 

As hipóteses aventadas no caput do art. 18 como determinantes do vício de qualidade são exemplificativas. Isso é decorrência da própria teleologia da norma, porém está expresso no inciso III do § 6º, que dispõe o que entende por impróprio ao uso e consumo1. Como está estabelecido que são impróprios “os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam”, salta aos olhos o caráter exemplificativo da norma. 

No caso do caput do art. 18 — ao contrário do caput do art. 12 — há referência ao aspecto da publicidade e da informação — que está posta com o termo “indicação”. De qualquer maneira, refira-se outra vez que sempre entram no rol das possibilidades de causar vício (ou defeito) a oferta e a apresentação, conforme previsão do art. 31 (e o art. 30 cuida da informação e da publicidade). Todas, enquanto elemento essencial do produto, podendo ser de per si causadoras do vício2. 

Temos, então, que, pela definição legal, o vício de qualidade é aquele que:

a) torne o produto impróprio ao consumo a que se destina;

b) torne o produto inadequado ao consumo a que se destina;

c) diminua o valor do produto;

d) esteja em desacordo com o contido:

d.1) no recipiente (lata, pote, garrafa etc.);

d.2) na embalagem (caixa, saco etc.);

d.3) no rótulo (estampado no recipiente ou embalagem);

d.4) na mensagem publicitária;

d.5) na apresentação (no balcão, na vitrine, na prateleira etc.);

d.6) na oferta e informação em geral (dada verbalmente por telefone, pessoalmente, no folheto, livreto etc.). 

Na sequência apresentaremos exemplos de cada uma das hipóteses de vícios. Note-se que os exemplos estão colocados apenas como casos principais no enquadramento legal previsto. Quase como tipos puros. Nada impede, todavia — aliás é algo bem comum —, que uma mesma situação de vício possa ser enquadrada em mais de uma hipótese. Por exemplo, um automóvel com problemas mecânicos é inadequado ao consumo a que se destina e tem simultaneamente seu valor diminuído. Um forno de micro-ondas que solte faísca sem aquecer corretamente o alimento, é inadequado e também impróprio ao consumo. Um produto que se estrague porque a embalagem não manda refrigerá-lo, mas devia fazê-lo, está em desacordo por falha na informação contida na embalagem e ao mesmo tempo é impróprio para o consumo. A partição nos exemplos, portanto, tem função didática. 

Vejamos, assim, exemplos de cada uma das hipóteses.

Exemplos relativos à letra "a"

São casos de vício que torna o produto impróprio para o consumo:

— enlatados cujo conteúdo esteja deteriorado — embolorado, com cheiro de podre etc. (e não foi ingerido);

— carnes com zonas (ou manchas) escurecidas ou com zonas ou pontos secos;

— aves com cor esverdeada, cheiro forte ou consistência não firme;

— peixes com corpo flácido ou escamas soltando; peixes secos, como o bacalhau, com manchas úmidas ou avermelhadas;

— os embalados (de salsichas, linguiças etc.) com líquidos dentro da embalagem ou manchas esverdeadas etc.

Exemplos relativos à letra "b"

— veículos com problema elétrico, mecânico etc.;

— eletrodomésticos em geral com avarias:

— televisão que não sintoniza algum canal, que tem chuvisco ou sombra etc.;

— geladeira que descongela sozinha, solta água, a porta não fecha etc.;

— fogão com queimador entupido, com o vidro do forno rachado, a porta do forno não fecha etc.;

— forno de micro-ondas que descongela ou cozinha só de um lado, que não marca o tempo, com prato giratório que não gira etc.;

— máquina de lavar roupas ou lavar louças que vaza enquanto funciona, ou que não aquece a água etc.

— eletroeletrônicos em geral com avarias:

— microcomputador que não salva programas, que não imprime etc.;

— aparelho de som/toca-fitas/CD player/toca-discos/rádio que não sintoniza estações, o CD pula, a fita enrosca etc.;

— videocassete que não volta ou não avança a fita, a fita enrosca, a imagem fica distorcida etc.

Exemplos relativos à letra "c"

São exemplos de vícios que diminuem o valor do produto:

— automóvel com amassados na lataria, com peças não fundamentais quebradas ou avariadas (estofado furado, teto rasgado etc.), com pintura manchada ou riscada, com pontos de ferrugem etc.;

— imóvel construído (apartamento/casa) ou casa pré-fabricada cujo material apresenta pequenas avarias.

Exemplos relativos à letra “d”

São exemplos de vícios de casos em que os produtos estão em desacordo com informações em geral:

— produto em cuja embalagem não constam as condições de acondicionamento ou em que as informações estejam incorretas;

— televisor moderno acoplado a vídeo cujo manual não explica como acionar os botões;

— imóvel construído (casa/apartamento) ou casa pré-fabricada cujo material é diverso e de pior qualidade daquele contido na publicidade e/ou folheto e/ou contrato e/ou informação fornecidos. 

Continua na próxima semana.

__________ 

1 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

        (...)

       III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;     

2 E, claro, também, dos aspectos da publicidade enganosa e abusiva (art. 37) e clandestina (art. 36).

Veja a versão completa

Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.