Hoje continuo a análise dos vícios dos serviços regulados no CDC (lei 8.078/90).
Lembremos a redação do art. 20 do CDC:
“Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
§ 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.
§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.”
Consumir e usar
Indico agora outra falha do legislador por ausência de uso de vocábulos. Quando comentei o art. 18, especialmente o § 6º, tive oportunidade de apontar a indicação de dois verbos postos na ação do consumidor em relação aos produtos: “usar” e “consumir”. Na oportunidade, dissemos que, ao colocar no § 6º o vocábulo “uso”, o legislador corrigiu uma falha do caput, que apenas fala em “consumo”.
Aqui no art. 20, o legislador simplesmente omitiu o termo “uso”, preferindo manifestar-se apenas pelo verbo “consumir”. Conforme explicado nos comentários ao art. 18, mesmo que em nenhum ponto da norma consumerista se tivesse feito referência ao verbo “usar”, ainda assim seria possível extraí-lo de outro (“consumir”), porquanto dá para construir uma classificação colocando o uso como uma forma especial de consumo.
Contudo, como pelo menos no § 6º do art. 18 a lei faz a colocação dos dois conceitos, e como se deve interpretar a norma sistematicamente, tem-se de inserir o termo “uso” no sentido do caput do art. 20, mais uma vez pelo esforço interpretativo de extensão para suprimir a omissão do legislador.
Com efeito, consumo diz respeito aos serviços (e produtos) consumíveis, isto é, não duráveis. São aqueles que se extinguem na medida em que vão sendo utilizados: serviços de transporte, hospedagem, diversões públicas em geral, guarda de veículos em estacionamento etc. Uso diz respeito aos serviços (e produtos) que não se extinguem enquanto vão sendo utilizados. São os serviços duráveis: consertos de veículos e de eletroeletrônicos em geral, de instalações domésticas e serviços domésticos em geral (pintura, desentupimento, eletricidade etc.) etc. São, também, considerados duráveis os serviços que, apesar de, ao serem prestados, extinguirem-se, por estipulação contratual duram no tempo, em função de sistema de contraprestação instituído: a prestação de serviço das administradoras de cartões de crédito; a dos bancos aos seus correntistas; a das escolas; a das operadoras de planos de saúde etc.
Como reforço à necessidade de utilizar os dois verbos (“usar” e “consumir”), é de colocar que, ao tratar das garantias dos serviços (e dos produtos), a lei consumerista faz a distinção entre serviços (e produtos) duráveis (isto é, de uso) e não duráveis (de consumo.
Definição
Vê-se, portanto, que deve ser entendido no contexto da regra do caput do art. 20 que vício de qualidade é o que torne impróprio ou inadequado o serviço para o consumo e uso a que se destina, diminua seu valor ou esteja em desacordo com o contido na mensagem publicitária, apresentação, oferta, informação em geral e no contrato.
Vício aparente
Os vícios aparentes ou de fácil constatação, como o próprio nome diz, são os de fácil verificação, perceptíveis no consumo ordinário que se tem do serviço, de maneira que o consumidor logo os perceba, como no exemplo da pintura do veículo cujo capô ficou manchado. Eles aparecem indicados no caput no art. 26
Vício oculto
Os vícios ocultos são aqueles que não estão acessíveis ao consumidor no uso ordinário ou que só aparecem depois de algum ou muito tempo. Por exemplo, num serviço de instalação de carpete, a cola que é de má qualidade e faz com que o carpete colocado se solte depois de certo tempo de uso. O vício oculto aparece indicado no § 3º do art. 26.
Expectativa do consumidor
Como complemento ao exame do problema do vício de qualidade do serviço, é preciso concluir a interpretação do contido no § 2º do art. 20: “São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares da prestabilidade”.
O legislador volta a usar na norma do § 2º em comento um conceito que está estampado no caput do art. 8º. Lá está escrito: “Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde e segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição...”.
A norma, então, mais uma vez fala em expectativa do consumidor naquilo que seja o fim que razoavelmente possa o serviço ofertado concretizar.
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Continua na próxima semana.