ABC do CDC

Os defeitos do produtos e dos serviços - 2ª parte

A coluna aborda como defeitos em produtos ou informações enganosas podem gerar danos materiais e morais ao consumidor, exigindo reparação segundo o CDC.

23/10/2025

Hoje continuo a análise dos defeitos que geram acidentes de consumo ou como diz o CDC - lei 8.078/1990, o fato do produto e do serviço.

Lembremos a redação do art. 12 do CDC:

“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

        I - sua apresentação;

        II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

        III - a época em que foi colocado em circulação.

        § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

        I - que não colocou o produto no mercado;

        II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

        III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Oferta e publicidade causadoras do dano

A oferta e a publicidade, enquanto elemento de apresentação do produto, podem ser geradoras do dano. Por exemplo, um consumidor, digamos, José da Silva, procurando imóvel para comprar e morar, entra num prédio em construção. O corretor o recebe e lhe apresenta um apartamento-padrão, que está em exposição (como usualmente se faz em prédios de apartamentos em construção). A área do imóvel apresentada nos panfletos e na planta examinada pelo consumidor não é grande. Mas o consumidor entra no apartamento em exposição e fica maravilhado: tudo está no seu devido lugar; a decoração é perfeita; a cama tem do lado uma mesa de cabeceira; o armário acomodará bem as roupas; a cozinha é completa; na sala tudo se encaixa; até os quadros estão bem arranjados; os vasos, enfim, parece milagre. O consumidor pergunta como ficou tão bom. O espaço parecia pequeno. O corretor responde que é o desenho do apartamento: “Como ele é bem desenhado, o aproveitamento do espaço é perfeito. E veja que o preço é muito bom!”. O consumidor, encantado com a oferta, adquire, então, uma unidade.

Um ano e meio depois, José recebe as chaves e começa a pensar na decoração do apartamento, para que possa mudar. Descobre, então, constrangido e humilhado, que fora enganado pela oferta e pelo corretor. E observe-se que a oferta era o próprio produto em exposição!

O que ocorreu de fato?

Respondo: a área útil do apartamento era efetivamente muito pequena, como o era a área do apartamento em exposição. Acontece que, numa manobra maliciosa e sorrateira, a construtora decorou o apartamento com todos os móveis fora do padrão de mercado, de maneira que tudo se encaixava perfeitamente: a cama e o criado-mudo eram menores, proporcionalmente à pequenez do quarto; o armário tinha divisórias para todo o vestuário, mas eram todas menores que o usual para acomodarem-se as roupas; na cozinha a pia, a mesa e as cadeiras eram diminutas; os dois sofás da sala, que pareciam poder acomodar bem as pessoas, eram menores que o usual; até os quadros e os vasos eram proporcionalmente menores.

Aquele ambiente físico completamente modelado do apartamento em exposição fora capaz de iludir José quanto às possibilidades de mobiliá-lo. Agora, verificando que fora enganado, José estava em dificuldades para comprar a mobília: os modelos-padrão do mercado não cabiam no apartamento. (Nota: o exemplo seria ridículo se não fosse, infelizmente, verdadeiro. Enganações desse tipo já aconteceram!)

A solução de José é mandar fazer todo o mobiliário, o que lhe trará enorme prejuízo, pois pagará muito mais caro do que adquirindo os modelos-padrão que o mercado oferece. Isso além do fato de ter de morar apertado, com menos espaço do que acreditou que teria para viver. Note-se que até mesmo o colchão para colocar na cama terá de ser feito sob encomenda.

O prejuízo material é evidente: corresponde à diferença paga a maior pela fabricação dos móveis na comparação com o preço médio cobrado pelos mesmos móveis vendidos como padrão no mercado. Mantida, é claro, a mesma ou, pelo menos, similar qualidade do material e acabamento dos móveis a serem comprados.

Há, também, dano moral, não só pela humilhação de ter sido enganado mas, também, por ter José de morar de maneira menos confortável do que aquela à qual tinha direito segundo a oferta.

Informação causadora do dano

Outro aspecto de relevo a ser destacado é o relativo à informação. Já o dissemos, informação é elemento inerente ao produto (e ao serviço). Dessa maneira, o consumidor pode sofrer dano por defeito não necessariamente do produto, mas da informação inadequada ou insuficiente que o acompanhe ou, ainda, pela falta da informação. A lei não menciona esta última hipótese, mas ela é decorrente das outras duas. Se informação insuficiente pode causar dano, sua ausência total, por mais força de razão, também.

Assim, por exemplo, uma indústria que produz determinado alimento embalado em pote de vidro, digamos, uma geleia com baixas calorias, e insere no rótulo que vai colado ao vidro a insígnia de produto diet. Nesse mesmo rótulo, em vez de apresentar a composição do produto, apenas insere: “feito com morangos verdadeiros” e “só contém produtos naturais”. Coloca o prazo de validade adequadamente.

Um consumidor, por exemplo, João da Silva, é diabético e está sempre à procura de novos produtos para comprar, pois, em função de sua doença, sofre uma série de limitações. Encontra a tal geleia, examina a embalagem: nada consta quanto a açúcar, que João não pode ingerir. Mas, no rótulo, bem grande, está estampado Diet. Sem hesitar, adquire a geleia.

No dia seguinte, no café da manhã, come biscoitos com geleia. À tarde, no serviço, passa mal, tendo de ser levado para o pronto-socorro. Quase morre.

Posteriormente, descobre-se que o produto fora considerado diet pela indústria porque tinha baixa caloria, pois fora produzido com pouco açúcar. Mas tinha açúcar! Esse é o ponto: light nao é diet.

O consumidor João, atingido pelo defeito, tem direito a indenização pelos danos materiais e morais sofridos: o que gastou com hospitalização e medicamentos, o que deixou de ganhar e uma indenização pela dor, pelo dano moral sofrido. Lembre-se: foi a informação insuficiente e inadequada do produto que propriamente levou João a sofrer os danos.

Continua na próxima semana.

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.