ABC do CDC

Os defeitos do produtos e dos serviços - 6ª parte

A coluna aborda como a responsabilidade civil pelo fato do produto é objetiva e só não há obrigação de indenizar se houver culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

20/11/2025

Hoje continuo a análise dos defeitos que geram acidentes de consumo ou como diz o CDC (lei 8.078/1990), o fato do produto e do serviço.

Lembremos a redação do art. 12 do CDC:

“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi colocado em circulação.

§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Desconstituição do nexo de causalidade

Como a sistemática adotada é a da responsabilidade objetiva, demonstrado pelo consumidor o dano, o nexo de causalidade entre o dano e o produto com a indicação do responsável, pode este, caso queira - e possa -, desconstituir sua obrigação de indenizar nas hipóteses previstas no § 3º do art. 12.

Contudo, antes de ingressarmos nessa avaliação, necessário se faz que comentemos um aspecto relevante da prova do nexo de causalidade. A pergunta que se faz é: o consumidor tem a obrigação de provar o dano, o nexo de causalidade existente entre o dano e o produto, e apontar o responsável pela elaboração deste?

A prova do dano e do nexo de causalidade

O inciso VIII do art. 6º do CDC permite a inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Trata-se de norma processual que se espalha por todas as situações em que, eventualmente, o consumidor tenha de produzir alguma prova. Assim aqui também, na prova do dano e do nexo de causalidade.

Voltando à questão: é ao consumidor, naturalmente, a quem incumbe a prova do dano, do nexo de causalidade entre o dano e o produto, com a indicação do responsável pela fabricação do produto. Todavia, o ônus de produzir essa prova pode ser invertido nas hipóteses do inciso VIII do art. 6º.

Concluída essa fase pelo consumidor, da prova do dano, do nexo de causalidade entre o dano sofrido e o produto, com a indicação do responsável pelo produto, deve este último pura e simplesmente pagar o valor da indenização que for apurada, sem praticamente possibilidade de defesa (Poderá, claro, questionar o quantum debeatur, mas não o an debeatur). Suas únicas alternativas de contestação são as previstas no § 3º do art. 12.

Excludentes do nexo de causalidade

Então, para comentar esse § 3º, começo repetindo algo que já tive oportunidade de afirmar: a responsabilidade civil objetiva estabelecida no CDC é a do risco integral. Com a leitura e interpretação do § 3º do art. 12, ter-se-á a confirmação dessa afirmativa.

Diga-se, então, que não se trata de excludente de responsabilidade, como se tem dito, mas sim de excludente do nexo de causalidade. O que pode o fornecedor fazer é buscar desconectar a relação acidentária consigo, isto é, tentar excluir o nexo de causalidade existente entre ele - fornecedor - e o dano/defeito.

Iniciemos pelas três constatações mais contundentes: a) o uso do advérbio “só”; b) a inexistência das tradicionais excludentes “caso fortuito” e “força maior”; e c) a do inciso III: culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

O advérbio “só”

A utilização do advérbio “só” não deixa margem a dúvidas. Somente valem as excludentes expressamente previstas no § 3º, e que são taxativas. Nenhuma outra que não esteja ali tratada desobriga o responsável pelo produto defeituoso.

Caso fortuito e força maior

Isso nos leva à segunda constatação. O risco do fornecedor é mesmo integral, tanto que a lei não prevê como excludente do dever de indenizar o caso fortuito e a força maior. E, como a norma não estabelece, não pode o agente responsável alegar em sua defesa essas duas excludentes.

O que acontece é que o CDC, dando continuidade, de forma coerente, à normatização do princípio da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, preferiu que toda a carga econômica advinda do defeito recaísse sobre o agente produtor. Se a hipótese é de caso fortuito ou de força maior e em função disso o consumidor sofre acidente de consumo, o mal há de ser remediado pelo agente produtor. Na verdade, o fundamento dessa ampla responsabilização é, em primeiro lugar, o princípio garantido na Carta Magna da liberdade de empreendimento, que acarreta direito legítimo ao lucro e responsabilidade integral pelo risco assumido. E a lei 8.078, em decorrência desse princípio, estabeleceu o sistema de responsabilidade civil objetiva. Portanto, trata-se apenas de questão de risco do empreendimento. Aquele que exerce a livre atividade econômica assume esse risco integral.

Além disso, lembre-se que caso fortuito e força maior são excludentes da responsabilidade advinda da conduta do agente que nos moldes do CC tenha agido com culpa ou dolo. Na responsabilidade civil objetiva pelo fato do produto ou do serviço não há que se falar em conduta, uma vez que ela não é considerada para avaliação da hipótese de defeito.

Caso fortuito interno e externo

É importante salientar a discussão existente sobre a responsabilidade civil objetiva na ocorrência do chamado caso fortuito externo, isto é, aquele impossível de ser previsto no cálculo do risco e que ao mesmo tempo é inevitável, e também do caso fortuito interno, que, apesar de inevitável e imprevisível, faz parte do risco da atividade.

O fortuito externo exclue a responsabilidade. O interno, não. Voltaremos à esse assunto.

Culpa exclusiva do consumidor

A terceira constatação é o do inciso III. Na primeira parte desse inciso, a norma dispõe que o fabricante, produtor etc. não responde se provar culpa “exclusiva” do consumidor. Ressalte-se: culpa exclusiva. Se for caso de culpa concorrente do consumidor (por exemplo, as informações do produto são insuficientes e também o consumidor agiu com culpa), ainda assim a responsabilidade do agente produtor permanece integral. Apenas se provar que o acidente de consumo se deu por culpa exclusiva do consumidor é que ele não responde. “Se provar” significa que o ônus de produzir essa prova é do fornecedor responsável pelo produto.

Culpa exclusiva de terceiro

Pela segunda parte do mesmo inciso, a irresponsabilização ocorrerá se o agente provar que o acidente se deu por culpa de terceiro. É preciso que seja terceiro mesmo, isto é, pessoa estranha à relação existente entre o consumidor e o agente produtor, relação essa estabelecida por força da aquisição do produto.

Se a pessoa que causou o dano pertencer ao ciclo de produção comandado pelo agente, tal como seu empregado, seu preposto ou seu representante autônomo, ele continua respondendo. Essa hipótese, a par de passível de ser estabelecida por interpretação do sistema de responsabilidade estatuída, tem correspondência na regra do art. 34 (“O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos”), bem como naquela já apontada do parágrafo único do art. 7º (“Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.”).

Assim, repita-se, o agente produtor só não responde se o acidente for causado por terceiro autêntico. Por exemplo, foi um terceiro que causou a colisão do veículo, e não o problema no sistema de freio.

De qualquer maneira, também aqui o ônus da prova da culpa do terceiro é do fabricante, produtor, construtor ou importador.

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Continua na próxima semana.

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.