CPC na prática

Fixação de honorários advocatícios em mandado de segurança

Decisão do STJ reforça vedação à condenação de honorários em mandado de segurança, fortalecendo a democratização e o uso desse remédio constitucional.

16/1/2025

Como é de conhecimento geral, o art. 25 da lei 12.016, de 7/8/09 (“Lei do Mandado de Segurança”) estabelece que: “Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé”.

Apesar de a Lei do Mandado de Segurança (“LMS”) ser bastante clara no que diz respeito ao não cabimento de arbitramento de honorários advocatícios em favor do vencedor no rito do mandado de segurança, foram interpostos vários recursos de decisões que deixaram de fixar tais verbas de sucumbência.

Com efeito, três recursos especiais foram afetados para serem julgados pela sistemática de julgamento dos recursos repetitivos no STJ. Trata-se do REsp 2053306/MG, do REsp 2053311/MG e do REsp 2053352/MG, todos da relatoria do min. Sérgio Kukina, julgados pela 1ª seção do STJ em 27/11/24 e com acórdãos publicados em 4/12/24.

Na ocasião, a questão submetida a julgamento foi a seguinte: “Possibilidade de fixação de honorários advocatícios em cumprimento de sentença decorrente de decisão proferida em mandado de segurança individual, com efeitos patrimoniais”.

Em outras palavras, a questão era saber se, mesmo nos casos dos mandados de segurança cujas sentenças tenham efeitos patrimoniais, incide o art. 25, da LMS, que dispõe não caber condenação ao pagamento de honorários advocatícios.

Por exemplo, no caso do REsp 2053306/MG, ele foi interposto pelo Instituto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais contra acórdão do Tribunal de Justiça do referido Estado, que indeferiu o pedido de arbitramento de honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença de mandado de segurança individual.

Nesse caso, em primeira instância, o contribuinte impetrante, servidor militar aposentado, teve denegada a ordem que visava à declaração de inconstitucionalidade de desconto previdenciário, com base no Tema 160/STF, revogando-se liminar antes concedida em seu favor, ensejando a que o Instituto de Previdência, nos mesmos autos, postulasse o recebimento de valores que o inativo deixou de recolher enquanto amparado por aquela mesma liminar. Havia, portanto, efeitos patrimoniais decorrentes da sentença proferida no mandado de segurança, que deveriam ser saldados nos mesmos autos, em razão de valores de tributos não recolhidos durante a vigência da liminar concedida anteriormente e revogada depois.

Vale esclarecer que o juiz deferiu o pedido de cumprimento de sentença, mas indeferiu o arbitramento de honorários advocatícios reivindicado pelo órgão previdenciário, sendo que tal decisão foi mantida pelo TJ/MG. Como fundamento legal, foi invocado o art. 25, da Lei do Mandado de Segurança, bem como os entendimentos consolidados nas súmulas 512 do STF e 105 do STJ1.

Pois bem, em 4/12/24, a 1ª seção do STJ, ao julgar a questão, firmou a seguinte tese: “Nos termos do art. 25 da lei 12.016/09, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos”.

Vale observar que a decisão da 1ª seção do STJ, que fixou o Tema Repetitivo 1.232, acima transcrito, ainda não transitou em julgado, tendo sido o MPF e a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais intimados em 18/12/242.

De todo modo, é importante transcrever a ementa do julgado sob análise para melhor compreender o seu alcance:

“TRIBUTÁRIO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA N. 1.232/STJ. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO.

I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto pelo Instituto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais contra acórdão do Tribunal de Justiça de referido Estado, que indeferiu o pedido de arbitramento de honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença de mandado de segurança individual.

2. Fato relevante: O contribuinte impetrante, servidor militar aposentado, teve denegada a ordem que visava à declaração de inconstitucionalidade de desconto previdenciário, com base no Tema 160/STF, revogando-se liminar antes concedida em seu favor, ensejando a que o Instituto de Previdência, nos mesmos autos, postulasse o recebimento de valores que o inativo deixou de recolher enquanto amparado por aquela mesma liminar.

3. As decisões anteriores: o juiz estadual deferiu o pedido de cumprimento de sentença, mas indeferiu o arbitramento de honorários advocatícios reivindicado pelo órgão previdenciário, decisão mantida pelo TJ/MG.

II. Questão em discussão 4. O tema em debate consiste em saber se é cabível a fixação de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença decorrente de mandado de segurança individual.

III. Razões de decidir 5. A legislação especial do mandado de segurança, conforme o art. 25 da lei 12.016/09, veda a condenação em honorários advocatícios, aplicando-se também à fase de cumprimento de sentença.

6. A jurisprudência consolidada do STJ e do STF, incluindo as súmulas 105/STJ e 512/STF, reforça o entendimento de que não cabe a fixação de honorários advocatícios em mandado de segurança.

7. A natureza constitucional e especialíssima do mandado de segurança justifica a ausência de condenação em honorários, visando a não desestimular o uso desse remédio constitucional.

IV. Dispositivo e tese 8. Tese de julgamento: "Nos termos do art. 25 da lei 12.016/09, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos".

9. Caso concreto: Recurso não provido.

10. Dispositivos relevantes citados: Lei 12.016/09, art. 25; CPC, arts. 85, § 1º, e 523, § 1º.

11. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 2.097.947/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda turma, DJe de 14/3/24; AgInt no REsp 2.077.950/MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda turma, DJe de 21/9/23; AgInt no REsp 1.994.560/MG, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira turma, DJe de 22/6/23; AgInt no AgInt no AREsp 2.127.997/MG, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda turma, DJe de 26/5/23; AgInt no REsp 2.010.538/MG, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira turma, DJe de 30/11/22; e AgInt no REsp 1.968.010/DF, relator Ministro Manoel Erhardt, Desembargador Convocado do TRF5, Primeira turma, DJe de 11/5/22; STF, ADIn 4.296, rel. Ministro Marco Aurélio, rel. p/ acórdão: Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 9/6/21.

(REsp 2.053.311/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, 1ª seção, julgado em 27/11/24, DJe de 4/12/24.)

Como se pode perceber, o entendimento de que não cabe condenação ao pagamento de honorários advocatícios em mandado de segurança nunca foi imune a controvérsias, considerando o teor e a necessidade de se consolidar o entendimento nas súmulas 512 do STF, 105 do STJ e agora no Tema Repetitivo 1.232 do STJ, a despeito da clareza solar do quanto disposto no art. 25 da LMS.

Assim, a decisão da 1ª seção do STJ merece aplausos, pois visa, como bem salientado no corpo do acórdão acima ementado, “a não desestimular o uso desse remédio constitucional”. Vivemos em um país sabidamente em processo de democratização, mas de um passado recente inegavelmente autoritário.

Portanto, não desestimular o uso de instrumentos importantes, como o mandado de segurança, para o combate contra atos abusivos e ilegais praticados pelas autoridades é imprescindível para alcançarmos a tão sonhada democracia em seu estado mais puro. Que ela não seja apenas um sonho e que se torne cada vez mais a nossa realidade.


1 STF, Súmula 512: “Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança.”; STJ, Súmula 105: “Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios”.

2 Vide andamento processual: Disponível aqui.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).