CPC na prática

Produção antecipada de provas e incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Professor André Pagani de Souza escreve sobre ação de produção antecipada de provas e IDPJ.

17/4/2025

Com o recente entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 13.02.2025, no julgamento do Recurso Especial 2.072.206/SP no sentido de que cabe, sim, condenação de verbas de sucumbência no Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), disciplinado pelos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil (CPC), aqueles que pretendem requerer a instauração do IDPJ devem fazê-lo com cautela redobrada. Isso porque, se for indeferido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica no bojo do referido incidente, caberá condenação do requerente ao pagamento de honorários advocatícios para o os patronos da parte vencedora no IDPJ.

Nesse cenário, a “ação de produção antecipada de provas”, disciplinada pelos arts. 381 a 383, do CPC, surge como um instrumento importante para ser utilizado antes do ajuizamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que o art. 134, § 4º, do mesmo diploma legal, dispõe que “o requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica”.

Assim, afigura-se cabível a produção antecipada da prova para verificar se estariam preenchidos os requisitos para desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade em um caso concreto. Por exemplo, se a hipótese for de incidência do art. 50, do Código Civil, caberia a produção antecipada de prova para verificar se a personalidade jurídica da sociedade foi utilizada para um desvio de finalidade ou uma confusão patrimonial.

Cabe destacar que o manejo da “ação de produção antecipada de provas”, nesse caso, estaria enquadrada nas hipóteses previstas nos incisos II e III do art. 381, do CPC, a saber: “I – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; II – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de uma ação”.

Nesse contexto, o interessado em pedir a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade no curso de um processo, pode ter interesse em propor a “ação de produção antecipada de provas” para, se encontrar provas de que houve desvio de finalidade ou confusão patrimonial, propor um acordo com o sócio que terá o seu patrimônio atingido caso o pedido de desconsideração da personalidade jurídica seja deferido (CPC, art. 381, II). De igual modo, o prévio conhecimento de um desvio de finalidade ou de uma confusão patrimonial pode servir para justificar o requerimento de instauração do IDPJ (CPC, art. 381, III).

Apesar da evidente utilidade da “ação de produção antecipada de provas” para justificar ou evitar o ajuizamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou até para celebrar um acordo, há julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em sentido contrário, conforme se pode depreender da ementa abaixo:

APELAÇÃO – PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. Pleito de apresentação de extratos bancários para fundamentar incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Indeferimento da petição inicial. Extinção devida. Art. 381, do Código de Processo Civil. Produção antecipada de provas que não se presta como procedimento investigatório. Medida que poderia ter sido pleiteada nos autos do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Sentença mantida. Recurso de apelação improvido. (TJSP; Apelação Cível 1026591-42.2023.8.26.0562; Relator (a): Nuncio Theophilo Neto; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/09/2024; Data de Registro: 10/10/24)

 Com o devido respeito, a “ação de produção antecipada de prova” é importante instrumento para viabilizar a autocomposição ou justificar a propositura de uma demanda. O próprio ato de produzir provas não pode ser dissociado da ideia de investigar. Afirmar que produzir provas não é um procedimento investigatório parece algo, no mínimo, contraditório. Quem produz provas quer investigar, sim, e está tudo bem. Não há nada de errado com isso. Tanto melhor se a investigação for para se chegar à conclusão de que não há prova suficiente para se requer a instauração de um incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Nesse sentido é a lição de Tatiana Tiberio Luz ao afirmar o seguinte:

“Essa medida também é um importante instrumento para que as partes não só avaliem as suas chances em uma ação que vise ao acertamento da lide, mas que fundamentem a sua pretensão melhor e de maneira mais completa e responsável. Com efeito, no processo civil brasileiro, há a estabilização da demanda já na fase postulatória, ou seja, antes da fase instrutória, nos termos do art. 329 do Código de Processo Civil, e o resultado da prova pode ter o condão de tornar os argumentos apresentados pelas partes insuficientes ou mesmo prejudicados, não sendo possível que essas aditem os fatos e a causa de pedir da demanda após a instrução e, ainda, sofram os riscos de pagamento de sucumbência ante uma pretensão ou defesa mal formulada. A ação de produção antecipada de provas, nesse sentido, dá maior segurança às partes não só em relação ao direito decorrente do fato provado, como às sua alegações na demanda que tenha por finalidade a resolução da lide, sendo importante ferramenta para identificar e delimitar os elementos subjetivos (partes) e objetivos (pedidos e causa de pedir) da lide, bem como para fundamentar de maneira mais segura a defesa” (Ação de produção antecipada de provas, São Paulo: Revista dos Tribunais/Thomson Reuters, 2024. p. 123, grifos nossos).

Portanto, merece aplausos o julgado abaixo ementado, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, no qual se admite o cabimento da “ação de produção antecipada de provas”, com base no art. 381, II e III, do CPC, para investigar o preenchimento dos pressupostos necessários para se requerer a desconsideração da personalidade jurídica. Confira-se:

“APELAÇÃO. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. REFORMA. INTERESSE DE AGIR PRESENTE. ADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA. HIPÓTESE QUE SE ENQUADRA NA PREVISÃO DO ART. 381, II E III, DO CPC. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO A QUO. DISCUSSÃO PRINCIPAL AFETA À FALÊNCIA. VIS ATRACTIVA DO JUÍZO FALIMENTAR. SEGREDO DE JUSTIÇA. LEVANTAMENTO MANTIDO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ação de produção antecipada de prova. Indeferimento da inicial. Extinção do processo, sem resolução do mérito. Reforma. Interesse de agir presente. Adequação da via processual eleita. Atividade probatória pretendida pelas recorrentes que visa possibilitar a autocomposição das partes ou a desconsideração da personalidade jurídica de massa falida. Hipótese que se enquadra na previsão do art. 381, II e III, do CPC. Competência. Ação a ser distribuída perante o juízo competente para o julgamento da matéria a ser discutida futuramente. Jurisprudência. Incompetência absoluta do Juízo a quo. Questão principal afeta à falência. Vis atractiva do juízo falimentar. Levantamento do segredo de justiça. Manutenção. Decretação do segredo de justiça excepcional. Ausência de interesse público ou social a exigir preservação da intimidade das partes. Aplicação do art. 5º, LX, da CF, e do art. 189 do CPC. Recurso parcialmente provido.  (TJSP; Apelação Cível 1084535-35.2020.8.26.0100; Relator (a): J.B. Paula Lima; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 42ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/02/2024; Data de Registro: 21/02/2024, grifos nossos)

Diante disso, é de se esperar que prevaleça o entendimento exarado acima pelo acórdão do Des. J.B. Paula Lima, proferido em harmonia com a melhor doutrina, que visa tornar o direito processual mais eficiente, evitando-se demandas inúteis e promovendo a solução consensual dos conflitos, sempre que possível. Além disso, o manejo da “ação de produção antecipada de provas” pode evitar que seja instaurado IDPJ com pouco embasamento e o pedido seja julgado improcedente, gerando a condenação do requerente ao pagamento de verbas de sucumbência.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).