Família e Sucessões

Abertura, registro, confirmação e cumprimento extrajudicial dos testamentos na reforma do CC

A coluna aborda a proposta do PL 4/25 para desjudicializar e simplificar abertura e cumprimento de testamentos.

24/9/2025

No que diz respeito ao testamento e ao PL 4/25 -, como temos estudado nesta série de textos, existem propostas de redução de suas burocracias e de extrajudicialização, o que se aplica à abertura, ao registro, à confirmação e ao cumprimento dos testamentos ordinários, quais sejam o público, o cerrado e o particular, assunto deste artigo.

De início, a respeito da abertura e cumprimento do testamento público, o CPC de 2015 traz regras instrumentais, tendo insistido na abertura e no cumprimento judiciais, perdendo a chance de dar um passo adiante e determinante para a desjudicialização, pois seria interessante que tivesse admitido pelo menos que a abertura fosse processada perante o Tabelionato de Notas.

Ocorrendo o falecimento do testador, enunciava o art. 1.128 do CPC/1973 que, quando o testamento fosse público, qualquer interessado, exibindo-lhe o traslado ou certidão, poderia requerer ao juiz que ordenasse o seu cumprimento. No CPC/15 o seu correspondente é o art. 736, segundo o qual “qualquer interessado, exibindo o traslado ou a certidão de testamento público, poderá requerer ao juiz que ordene o seu cumprimento, observando-se, no que couber, o disposto nos parágrafos do art. 735”. A menção ao art. 735 diz respeito ao processamento conforme o testamento cerrado, o que já estava previsto no sistema anterior. Aqui, não houve qualquer alteração de relevo na confrontação das duas normas processuais.

Todavia, dispunha o art. 1.129 do CPC/1973 que o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer interessado, ordenaria ao detentor de testamento que o exibisse em juízo para os fins legais, se ele, após a morte do testador, não tivesse se antecipado em fazê-lo. Em complemento, não sendo cumprida a ordem, caberia uma ação de busca e apreensão do testamento público.

Esse último comando não tem correspondente na legislação instrumental vigente de 2015, e, em uma primeira análise, pode-se afirmar que tais medidas não são mais cabíveis, o que inclui a citada ação de busca e apreensão. Entendeu-se que esses drásticos instrumentos não se coadunariam com o caráter particular ou privado do testamento, mesmo que pela forma pública. Ademais, como o testamento público tem, via de regra, uma via arquivada no Cartório, não se justificaria a citada demanda de busca e apreensão na grande maioria dos casos concretos.

Como se verá mais à frente, o PL traz o tratamento de procedimentos extrajudiciais a respeito de todas as modalidades de testamento para o locus adequado, que é a lei material, dando o passo adiante que faltou ao legislador do CPC de 2015.

A respeito da abertura e cumprimento judiciais do testamento cerrado, vejamos, mais uma vez, um estudo confrontado entre o CPC/215 e o CPC/1973. Repise-se que tais procedimentos também se aplicam para o testamento público e que o Estatuto Processual emergente perdeu novamente a oportunidade de trazer um procedimento desjudicializado para tanto, outro dilema que a reforma do CC pretende resolver de forma definitiva.

De início, preceituava o art. 1.125 do CPC/1973 que, ao receber o testamento cerrado, o juiz, após verificar se estaria intacto, o abriria e mandaria que o escrivão o lesse em presença de quem o entregou. Lavrar-se-ia, em seguida, o ato de abertura, que, rubricado pelo juiz e assinado pelo apresentante, mencionaria: a) a data e o lugar em que o testamento foi aberto; b) o nome do apresentante e como houve ele o testamento; c) a data e o lugar do falecimento do testador; e d) qualquer circunstância digna de nota, encontrada no invólucro ou no interior do testamento.

No CPC de 2015, em seu art. 735, algumas modificações merecem ser destacadas. Conforme o seu caput, recebendo o testamento cerrado, o juiz, se não achar vício externo que o torne suspeito de nulidade ou falsidade, o abrirá e mandará que o escrivão o leia em presença do apresentante. Como se observa, não há menção apenas à sua integralidade, conforme a lei anterior, mas a qualquer vício externo que possa causar a nulidade ou a falsidade do ato.

Do termo de abertura constarão o nome do apresentante e como ele obteve o testamento, a data e o lugar do falecimento do testador, com as respectivas provas, e qualquer circunstância digna de nota. Esse é o § 1.º do art. 735 do CPC/15, que praticamente repetiu o parágrafo único do art. 1.125 do CPC/1973. Pontue-se, todavia, que o sistema passou a exigir provas desses requisitos. Além disso, as circunstâncias dignas de nota não são apenas as que estão no invólucro ou no interior do testamento. Assim, por exemplo, o juiz pode fazer constar do termo de abertura eventual motivo de ineficácia ou invalidade do ato testamentário.

Depois de ouvido o Ministério Público, não havendo dúvidas a serem esclarecidas, o juiz mandará registrar, arquivar e cumprir o testamento (art. 735, § 2.º, do CPC/15). A oitiva do Ministério Público já constava do art. 1.126 do CPC/1973, especialmente para os casos de sua nulidade ou falsidade. Em tempos atuais, fica até mesmo em xeque a necessidade dessa oitiva em processo judicial, pelo fato de o testamento, inclusive o cerrado, envolver interesse particular ou privado, como há pouco se expôs.

Consigne-se que esse mesmo art. 1.126 do CPC/1973 prescrevia, em seu parágrafo único, que o testamento seria registrado e arquivado no Cartório a que tocasse, dele remetendo o escrivão uma cópia, no prazo de oito dias, à repartição fiscal. Essa norma não tem correspondente na novel legislação processual, e, sendo assim, parece que tal procedimento não é mais cabível, pois ausente previsão legal.

Voltando-se à legislação processual em vigor, feito o registro, será intimado o testamenteiro para assinar o termo da testamentaria (art. 735, § 3.º, do CPC/15). Eventualmente, se não houver testamenteiro nomeado ou se ele estiver ausente ou não aceitar o encargo, o juiz nomeará testamenteiro dativo, observando-se a preferência legal (art. 735, § 3.º, do CPC/15). Com pequenas alterações de redação, tais regras já eram retiradas do caput do art. 1.127 do CPC/1973.

Constata-se que também não foi reproduzido o parágrafo único do art. 1.127 do CPC/1973, in verbis: “assinado o termo de aceitação da testamentaria, o escrivão extrairá cópia autêntica do testamento para ser juntada aos autos de inventário ou de arrecadação da herança”. Essa omissão demonstra que tal procedimento também passa a ser dispensado.

Por outro turno, incluiu-se um § 5.º no art. 735 do CPC/15, prevendo que o testamenteiro deverá cumprir as disposições testamentárias e prestar contas em juízo do que recebeu e despendeu, observando-se o disposto em lei.

Fica em dúvidas também a necessidade dessa última regra, naturalmente retirada do encargo da testamentaria, especialmente do art. 1.980 do CC, com a seguinte redação: “o testamenteiro é obrigado a cumprir as disposições testamentárias, no prazo marcado pelo testador, e a dar contas do que recebeu e despendeu, subsistindo sua responsabilidade enquanto durar a execução do testamento”. A verdade é que as regras procedimentais em estudo são excessivamente burocráticas, e não mais se justificam na atualidade.

No que concerne ao procedimento de confirmação do testamento particular, expressava o art. 1.130 do CPC/1973 que o herdeiro, o legatário ou o testamenteiro poderia requerer, depois da morte do testador, a publicação em juízo do testamento particular, inquirindo-se as testemunhas que lhe ouviram a leitura e, depois disso, o assinaram. A petição inicial seria instruída com a cédula do testamento particular, com o intuito dessa confirmação.

O CPC/15 concentra essa regulamentação da publicação e confirmação do testamento particular no art. 737. Nos termos do seu caput, a publicação do testamento particular poderá ser requerida, depois da morte do testador, pelo herdeiro, pelo legatário ou pelo testamenteiro, bem como pelo terceiro detentor do testamento, se impossibilitado de entregá-lo a algum dos outros legitimados para requerê-la. Essa menção ao terceiro foi considerada inovação festejada, pois, de fato, o portador do testamento pode ser alguém de confiança do autor da herança e que não seja beneficiado pelo ato.

Previa o art. 1.131 do CPC/1973, ainda, sobre o processo de confirmação judicial do testamento particular, que seriam intimados para a inquirição: a) aqueles a quem caberia a sucessão legítima; b) o testamenteiro, os herdeiros e os legatários que não tivessem requerido a publicação; e c) o Ministério Público. Em todos os casos, as pessoas que não fossem encontradas na Comarca seriam intimadas por edital (parágrafo único do então art. 1.131).

Em sentido próximo, determina o § 1.º do art. 737 do CPC/15 que serão intimados os herdeiros que não tiverem requerido a publicação do testamento, o que corresponde aos incisos I e II do dispositivo anterior. Não há mais alusão ao Ministério Público para essa inquirição inicial, mais uma vez porque o interesse, no caso, é privado. Todavia, como se verá a seguir, o Ministério Público continua sendo ouvido para a confirmação final da disposição de última vontade. Também se retirou a menção à intimação por edital das pessoas não encontradas na Comarca, procedimento que não é mais cabível.

Seguindo-se com os estudos dos procedimentos judiciais relativos ao testamento particular, não se reproduziu o antigo art. 1.132 do CPC/1973, segundo o qual, se inquiridas as testemunhas, poderiam os interessados, no prazo comum de cinco dias, manifestar-se sobre o testamento. Mais uma vez, não cabe tal procedimento, em uma análise preliminar do Estatuto Processual emergente.

O art. 1.133 do CPC/1973 foi alterado substancialmente pelo art. 737, § 2.º, do CPC/2015. Consoante a regra anterior, “se pelo menos três testemunhas contestes reconhecerem que é autêntico o testamento, o juiz, ouvido o órgão do Ministério Público, o confirmará, observando-se quanto ao mais o disposto nos arts. 1.126 e 1.127”. O art. 737, § 2.º, do CPC/15 se resumiu a dizer que, verificando a presença dos requisitos da lei, ouvido o Ministério Público, o juiz confirmará o testamento.

De toda sorte, continua tendo aplicação o art. 1.878 do CC, que traz um sentido muito próximo ao art. 1.133 do anterior CPC. Conforme a norma material, “se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado. Parágrafo único. Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade”.

Como se nota, não há menção ao Ministério Público na norma privada. Porém, a sua oitiva parece ser necessária, pela previsão do dispositivo instrumental. Na minha opinião, o CPC/15 não deveria fazer tal referência, pois o interesse do testamento - ainda mais no caso de testamento particular - é puramente privado.

Pois bem, fica em séria dúvida a necessidade de procedimentos judiciais para se abrir, confirmar e cumprir todas as formas de testamento. Se o vigente Estatuto Processual foi guiado pela desjudicialização em vários de seus artigos, não seria mais interessante estabelecer a abertura perante o Tabelionato de Notas? Entendo que sim, como é proposto pelo PL do CC, que pretende trazer para a lei geral privada todos os procedimentos de extrajudicialização do Direito Privado Brasileiro, retomando-se o protagonismo da codificação material privada, perdido nos últimos anos.

Nesse contexto, no atual PL 4/25 inclui-se a possibilidade de todos os testamentos serem abertos ou cumpridos extrajudicialmente, conforme o seu novo art. 1.990-A, o que passará a ser uma faculdade das partes, se assim o quiserem. Essa faculdade não afasta a via judicial, para os que assim o quiserem, não se propondo a revogação dos dispositivos do CPC aqui citados.

Nos termos da proposição material, se todos os herdeiros e legatários concordarem, a abertura do testamento cerrado ou a apresentação dos testamentos público e particular, bem como o seu registro e cumprimento, a nomeação de testamenteiro e a prestação de contas poderão ser feitos por escritura pública, cuja eficácia dependerá de anuência do Ministério Público (caput do novo art. 1.990-A do CC). Chegamos a debater a necessidade de atuação do MP, que acabou permanecendo nos procedimentos, por voto da maioria dos membros da Comissão de Juristas.

A proposta traz três parágrafos a respeito dos procedimentos extrajudiciais para tanto, que poderão ser eletrônicos ou digitais, o que vem em boa hora, concretizando os motes da extrajudicialização e da digitalização, que orientaram os trabalhos da Comissão de Juristas.

Nesse contexto, a abertura do testamento cerrado ou a apresentação do testamento público deverá ocorrer perante o tabelião de notas, na forma física ou virtual, que lavrará escritura pública específica, atestando os fatos e indicando se há, ou não, vício externo que torne o testamento eivado de nulidade ou suspeito de falsidade; havendo qualquer vício, o tabelião não lavrará a escritura pública (art. 1.990-A, § 1.º, do CC). A menção ao impedimento da lavratura perante o Tabelionato de Notas vem em boa hora, visando a impedir a confirmação de atos nulos ou anuláveis.

Não havendo qualquer vício, o tabelião de notas submeterá a cédula à anuência do Ministério Público. Se houver discordância do último, o tabelião não lavrará a escritura (§§ 2.º e 3.º do art. 1.990-A do CC). Como se pode notar, apesar do saudável e necessário caminho da extrajudicialização, há um duplo controle de validade do ato testamentário, pelo tabelião e pelo membro do Ministério Público, conforme prevaleceu na Comissão de Juristas.

A aprovação das propostas representa um pleito antigo, sobretudo da doutrina especializada do Direito das Sucessões Brasileiro, sendo imperiosa a sua aprovação pelo Parlamento brasileiro.

Como constou da exposição de motivos elaborada pela subcomissão de Direito das Sucessões - formada pelos professores Mario Luiz Delgado, Giselda Hironaka e Gustavo Tepedino, e também pelo ministro Asfor Rocha, que estão entre os maiores sucessionistas da atualidade -, almeja-se com o projeto a "simplificação e desjudicialização dos procedimentos" do inventário, estando entre eles justamente a "desjudicialização do procedimento de abertura, registro e cumprimento do testamento". Aguardemos, portanto, a sua necessária e até mesmo urgente aprovação no âmbito do nosso Poder Legislativo.

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Colunista

Flávio Tartuce é pós-doutor e doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador do curso de mestrado e dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Patrono regente da pós-graduação lato sensu em Advocacia do Direito Negocial e Imobiliário da EBRADI. Diretor-Geral da ESA da OABSP. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAMSP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.