Insolvência em foco

Falência eficiente: Os desincentivos do PL 3/24 e 10 sugestões que poderiam contribuir para melhorar o sistema

Fabiana Solano analisa o PL 3/24, destacando falhas no diagnóstico da falência e sugerindo melhorias para otimizar a recuperação de ativos e créditos.

7/5/2025

Países com economias sólidas e desenvolvidas têm uma legislação eficiente para lidar com a crise financeira e a insolvência das empresas. Estudos comprovam que quanto mais eficiente o endereçamento da crise, melhor a recuperação para os credores, a preservação dos ativos em jogo e a sua reinserção no mercado. 

No Brasil, caminhamos relativamente bem com o sistema de recuperação de empresas que, conquanto tenha falhas importantes, vem permitindo um alinhamento entre stakeholders para adoção de soluções criativas para a crise. Entretanto, um dos grandes problemas que persiste no sistema legal da insolvência brasileiro é a falência, que não funciona. 

A falência é importante porque trata da situação irreversível de crise econômica e financeira da empresa devedora. Seu objetivo é a liquidação compulsória da empresa, com a venda dos seus bens e a distribuição dos recursos obtidos aos credores, que serão pagos segundo uma ordem de preferencias legal. Fundamental, portanto, o papel da falência tanto para encerrar o capítulo da empresa malsucedida, quanto para permitir a recuperação possível e otimizada dos créditos e a reinserção de ativos na economia.

Há poucos anos, pesquisa do Observatório da Insolvência, desenvolvida pela Associação Brasileira de Jurimetria, apurou que a falência demora em média 16 anos para ser encerrada. Apenas 12,1% dos ativos do devedor são recuperados para venda. A taxa de recuperação média dos credores é de 6,1%.

Com o intuito de corrigir os problemas que levam a essa ineficiência tamanha, no início de 2024 o Poder Executivo apresentou o PL 3/24 à Câmara dos Deputados. O projeto foi analisado e aprovado em regime de urgência pela casa, onde sofreu profundas alterações, e segue hoje aguardando votação no Senado. 

Ocorre que o texto final que seguiu para o Senado naufraga já no ponto de partida, ao errar o diagnóstico dos problemas da falência. A pergunta essencial – por quais razões a falência não funciona? Ou, dito de outra forma, quais são os gargalos da falência? – não foi respondida pelo legislador. Estudos empíricos são necessários para ser ter um diagnóstico exato, e tem-se notícia de que a academia brasileira está se encarregando disso.  

Enquanto isso, procurando contribuir ao debate com a liberdade e a prosa que a profissão nos confere, penso que o grande problema do PL é que ele não só não enfrenta e remove os gargalos da lei atual para processamento da falência, como também burocratiza ainda mais o processo, gerando grande potencial de litígios entre parte envolvidas.   

Adiante seguem 10 pontos sensíveis incluídos no PL 3/24, que se fossem melhor direcionados poderiam gerar um impacto positivo à falência (e também à recuperação judicial, como se verá no item 10, na medida em que o projeto também promoveu alterações importantes ao instituto). 

1. Linhas gerais: Nem tanto o céu, nem tanto a terra

Em linhas gerais, o PL 3/24 busca conceder maior poder de influência aos credores no processo falimentar, adotando a premissa real de que numa empresa em situação falimentar, que tem seu patrimônio líquido negativo, os seus ativos já pertencem aos credores. Nada mais coerente, portanto, do que dar a eles maior poder de ditar os rumos desse processo com vistas a maximizar o recebimento dos seus quinhões. 

Nesse sentido, o PL propõe mudanças importantes, embora muitas delas não tenham o potencial de atingir os objetivos que se propõem. 

O problema inicial que se coloca é que o processo de falência é coletivo em sua essência, e o seu objetivo é proporcionar a liquidação dos ativos de forma organizada, permitindo uma distribuição melhor entre os credores e uma socialização maior das suas perdas. Não é à toa, portanto, que exista uma ordem legal de prioridades de pagamento a credores. Nesse sistema elaborado num equilíbrio frágil, mas potente, credores divididos em diferentes classes, administrador judicial e Ministério Público têm seus direitos de voz no processo, sendo que o juiz o poder-dever de decidir, fazendo o controle de legalidade dos atos praticados seguindo as normas e os princípios da lei. 

Em muitos trechos do PL, no entanto, sob o mote de dar maior protagonismo aos credores, tem-se a impressão de que aqueles com maior peso passam a ter maior poder de ditar os rumos da falência. Isso, por si só, também não é de todo ruim, e faz parte da regra do jogo: se eu tenho mais a perder, ou a recuperar, eu tenho maior interesse em influenciar a forma com que receberei. Mas daí vem a necessidade de se garantir o equilíbrio maior entre credores nesse processo. 

Credores mais poderosos não podem interferir e subverter a ordem predeterminada de prioridades na falência. Por exemplo, como veremos adiante, o PL dispõe que credores poderão votar um “plano detalhado para o pagamento dos passivos”. Há ainda diversas disposições, como o sistema de credit bidding, a possibilidade de votação e implementação de planos detalhados de pagamento de passivo, dentre outros temas que versam sobre a distribuição efetiva dos ativos, que deverão necessariamente respeitar a ordem de prioridades de pagamento na falência, sob qualquer circunstância. O ponto é evitar que uma minoria acabe subvertendo a ordem legal de prioridades, podendo interferir no processo de forma perversa. 

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Colunistas

Alberto Camiña Moreira é mestre e doutor pela PUC/SP. Advogado.

Alexandre Demetrius Pereira é mestre e doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo. Pós-graduado (especialização) em Higiene Ocupacional pela Escola Politécnica da USP e em Gestão de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas. Graduado em Ciências Contábeis pela FEA-USP. Foi professor de Direito Empresarial na Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, professor de pós-graduação no curso de Engenharia de Segurança do Trabalho do Programa de Educação Continuada (PECE) da Escola Politécnica da USP e professor de pós-graduação de matemática financeira, contabilidade e análise de demonstrações no Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa.

Daniel Carnio Costa é juiz titular da 1ª vara de Falências e Recuperações Judiciais de SP. Graduado em Direito pela USP, mestre pela FADISP e doutor pela PUC/SP. Mestre em Direito Comparado pela Samford University/EUA. Pós-doutorando pela Universidade de Paris 1 - Panthéon/Sorbonne. Professor de Direito Empresarial da PUC/SP. Professor convidado da California Western School of Law. Membro do Grupo de Trabalho do Ministério da Fazenda para reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências. Membro titular de cadeira da Academia Paulista de Magistrados e da Academia Paulista de Direito. Membro da INSOL International e do International Insolvency Institute. Autor de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.

Fabiana Solano é formada pela PUC/SP e tem LLM pela faculdade de Direito de Stanford - EUA. É sócia do Felsberg Advogados desde 2011. Foi foreign associate na área de insolvência do White & Case em Miami, onde atuou em processos de insolvência norte-americanos (Chapter 15) envolvendo empresas brasileiras. Atua na representação de devedores, credores e investidores em reestruturações privadas de dívidas e em processos de recuperação judicial, extrajudicial e falências. Em mais de 20 anos de atuação, participou dos casos mais relevantes de insolvência do país desde a entrada em vigor da lei 11.101/05, alguns deles vencedores ou finalistas do prêmio Deal of the Year da publicação Latin Lawyer.

João de Oliveira Rodrigues Filho é juiz de Direito da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da capital de São Paulo. Especialista em Direito Empresarial pela EPM. Professor do curso de pós-graduação em Falências e Recuperação Judicial da FADISP. Palestrante e conferencista.

Marcelo Sacramone é doutor e mestre em Direito Comercial pela USP. Professor de Direito Empresarial da PUC/SP. Juiz de Direito em exercício na 2ª vara de Falência e Recuperação Judicial de SP.

Márcio Souza Guimarães é professor doutor Visitante da Université Paris-Panthéon-Assas. Doutorado pela Université Toulouse 1 Capitole. Max Schmidheiny professor da Universidade de Saint Gallen. Foi membro do MP/RJ por 19 anos. Sócio de Márcio Guimarães/TWK Advogados, Árbitro e parecerista.

Otávio Joaquim Rodrigues Filho é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Membro do IBR. Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo

Paulo Penalva Santos advogado no Rio de Janeiro e São Paulo. Procurador aposentado do Estado do Rio de Janeiro.