Jurisprudência do CPC

Art. 303 do CPC – Tutela antecipada em caráter antecedente

A tutela antecipada antecedente no CPC/15 exige aditamento da inicial após intimação específica, e a oposição do réu impede sua estabilização.

18/2/2025

O atual Código de Processo Civil completa 10 anos de vigência e já conta com grande acervo decisório, a propósito dos mais variados temas que sofreram mudança após sua edição.

A presente coletânea de jurisprudência, elaborada por Mirna Cianci - e destinada a dar base ao "Curso de Direito Processual Civil Aplicado", escrito por Antonio Carlos Marcato, Mirna Cianci e Nelton Agnaldo Moraes dos Santos -, resulta de pesquisa efetuada junto ao TJ/SP e STJ, tendo por objeto a análise de decisões proferidas dentro do decênio de vigência do CPC.

Foram aqui destacados os dispositivos que sofreram modificação em relação ao diploma revogado e verificado se havia, a respeito deles, decisões jurisprudenciais, trazendo uma ilustração representativa no período de 2016 a 2025.

No primeiro quinquênio, pela falta de jurisprudência suficiente no STJ, vali-me dos julgados do TJ/SP, em complementação. A partir de 2020, a jurisprudência selecionada passou a ser exclusivamente do STJ, exceção feita aos casos em que a recente legislação modificadora de alguns dispositivos do CPC tenha sido examinada somente no âmbito estadual, caso em que foi destacada a jurisprudência do Tribunal paulista.

A partir de agora tem o migalheiro acesso à jurisprudência relativa a todas as modificações sofridas pelo CPC em 2015.

Espero que este repertório lhes seja útil!

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A tutela antecipada antecedente foi a grande novidade no capítulo da tutela de urgência do novo CPC (art. 303 e ss) e seus requisitos, seu cabimento e seu procedimento vêm melhor explorados pela jurisprudência, como forma de melhor acomodação no sistema. A jurisprudência traz a oportunidade de tomar conhecimento do tratamento que vem sendo dado à matéria nos tribunais e de aferir a condição para estabilização da tutela antecipada.

RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OPOSIÇÃO À TUTELA POR MEIO DA CONTESTAÇÃO. TUTELA NÃO ESTABILIZADA. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO ESPECÍFICA DO AUTOR PARA ADITAR A INICIAL.
1. A ausência de recurso contra a decisão concessiva da tutela antecipada não acarreta sua estabilização se a parte se opôs a ela mediante apresentação de contestação. Precedente.
2. A passagem do "procedimento provisório da tutela antecedente" - cujo rumo pode eventualmente levar à extinção do processo, a depender da atitude do réu de opor-se, ou não, à antecipação da tutela satisfativa - para a fase da tutela definitiva exige intimação específica para o autor a propósito da necessidade de aditar a inicial. Aplicação analógica do art. 321, caput, do CPC/15.
Precedente da Terceira turma no REsp. 1.766.376/TO, relatora ministra Nancy Andrighi.
3. Recurso especial a que se dá parcial provimento.
(REsp 1.938.645/CE, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta turma, julgado em 4/6/24, DJe de 6/9/24.)
Informações complementares à ementa 
(VOTO VISTA) (MIN. MARCO BUZZI)
"[...] a impugnação do réu ao deferimento da tutela antecedente não necessariamente deverá ser mediante recurso, podendo também ser entendida quando, por qualquer outro meio, o réu manifesta seu inconformismo, sendo tal ato suficiente para afastar a estabilização prevista no art. 304 do CPC, desde que realizado tempestivamente, ou seja, no prazo recursal.
Nessa perspectiva, a melhor hermenêutica dos arts. 303 e 304 do CPC leva ao entendimento de que, havendo manifestação do réu contra a medida, não há estabilização dos efeitos da tutela, devendo o processo prosseguir até a prolação de sentença de manutenção ou revogação da medida".
"[...] inviável a estabilização parcial da tutela antecedente quando apenas parcialmente deferida a medida, pois não faz sentido o juiz deixar de fazer uma cognição exauriente e deliberar, no mérito, a questão que tenha sido objeto da tutela antecipada. Tampouco é possível falar em desnecessidade da parte autora aditar a inicial, afinal, para a análise da tutela definitiva é imprescindível a complementação da argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, nos termos do art. 303, § 1º, I do CPC".
Em se tratando de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, o prazo para o aditamento à inicial não corre concomitantemente com o prazo de citação e intimação do réu da concessão da medida, sob pena de se exigir tomada de providência incompatível com eventual estabilização.

RECURSO ESPECIAL. CAUTELAR INOMINADA COM TUTELA PROVISÓRIA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CPC/15. TUTELA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECIPADO. AUSÊNCIA DE RECURSO. OFERECIMENTO DE CONTESTAÇÃO OBSTA À ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA. ADITAMENTO DA INICIAL APÓS INTIMAÇÃO ESPECÍFICA NÃO REALIZADO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A ausência de recurso contra a decisão concessiva da tutela antecipada não acarreta sua estabilização se a parte se opôs a ela mediante apresentação de contestação. Precedente.
2. Na hipótese, o réu impugnou a pretensão do autor apresentando contestação em primeiro grau e o autor foi inerte quanto ao necessário aditamento da inicial, apesar de ter havido intimação específica, assinando o prazo de 15 dias para tal finalidade.
Logo, a conclusão que se impõe é a extinção do processo sem resolução do mérito, e sem a estabilização dos efeitos da tutela.
3. Recurso especial provido.
(REsp 2.025.626/RS, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta turma, julgado em 4/6/24, DJe de 5/9/24.)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE. ADITAMENTO DA INICIAL. PRAZOS SUSEQUENTES. INTIMAÇÃO ESPECÍFICA COM INDICAÇÃO PRECISA. NECESSIDADE.
1. No procedimento denominado tutela antecipada antecedente, o autor faz apenas a indicação do pedido de tutela final. Assim, necessária a complementação da argumentação, com a confirmação do pedido de tutela final, no prazo de 15 dias ou outro maior fixado pelo juiz.
2. Os prazos do requerido, para recorrer, e do autor, para aditar a inicial são subsequentes. A concomitância dos prazos representaria afronta aos princípios da economia processual e da primazia do julgamento de mérito.
3. A intimação do autor para o aditamento da inicial e o termo inicial da contagem do prazo de 15 dias, previstos no art. 303, § 1º, I, do CPC, devem estar especificados com indicação precisa da emenda necessária.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1.910.272/PR, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira turma, julgado em 26/8/24, DJe de 29/8/24.)

AGRAVO INTERNO NO HABEAS CORPUS. DIREITO DE ACOMPANHAR CLIENTE EM REUNIÃO REALIZADA EM CLUBE PRIVADO. AUSÊNCIA DE OFENSA À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Segundo a jurisprudência do STJ, "o habeas corpus constitui-se em remédio constitucional posto à disposição de quem esteja sofrendo ou ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, em razão de ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, LXVIII, da CF/88)" (STJ, AgInt no HC 612.851/RJ, rel. ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 26/2/21).
2. Embora o direito de acompanhar cliente em reunião administrativa, perante a qual ele deva comparecer, em clube privado, tenha amparo expresso no art. 7º, inciso VI da lei 8.906/94, a ilegal restrição à atuação profissional deve ser impugnada por outra via, no âmbito cível, podendo ser prontamente corrigida por meio da tutela antecipada requerida em caráter antecedente (CPC, art. 303), entre outros instrumentos processuais cabíveis, não servindo o habeas corpus para tal finalidade.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no HC 869.754/SP, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta turma, julgado em 29/4/24, DJe de 2/5/24.) 

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE. PLEITO DE DEFERIMENTO DO PEDIDO LIMINAR NO HC 861.549/SP. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. DESVIRTUAMENTO DO USO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Preconiza o art. 303 Código de Processo Civil que "nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo".
2. No caso, a defesa manejou pedido de tutela antecipada antecedente pleiteando o deferimento da liminar nos autos do HC 861.549/SP, para que fosse revogada a prisão preventiva do requerente.
3. Todavia, conforme se observa do andamento processual do HC 861.549/SP, ao habeas corpus não foi dado conhecimento por esta relatoria, em decisão monocrática publicada em 28/11/23, decisão essa devidamente impugnada naqueles autos mediante a interposição de agravo regimental, que se encontra atualmente concluso a este relator.
4. A pretensão de reverter a conclusão alcançada por este relator no julgamento do HC 861.549/SP demonstra o intento de desvirtuamento do uso da tutela antecipada antecedente, buscando-se dar a ela roupagem de substituto recursal, o que não se pode admitir.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg na TutAntAnt 158/SP, relator ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta turma, julgado em 15/4/24, DJe de 18/4/24.) 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. PROCEDIMENTO. ARTS. 303 E 304 DO CPC/15. ADITAMENTO DA INICIAL. INTIMAÇÃO ESPECÍFICA. PRINCÍPIOS DA PRIMAZIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO E DA ECONOMIA PROCESSUAL. ARTS. 4º, 139, IX, 321, CAPUT, 304, CAPUT E § 1º, e 1.003, § 5º, do CPC/15. PETIÇÃO. JUNTADA. CONTEÚDO. CONHECIMENTO INEQUÍVOCO. HIPÓTESE CONCRETA. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
1. Ação de tutela antecipada em caráter antecedente, na qual se pleiteia o cumprimento de contrato de prestação de serviços, fornecimento e instalação de sistemas de controle de acesso, provedor de internet, telefonia VOIP e de monitoramento digital de imagens.
2. Recurso especial interposto em 17/7/17 e concluso ao gabinete em 14/9/18. Julgamento: CPC/15.
3. O propósito recursal consiste em determinar se a juntada de petição pelo autor após a concessão da tutela antecipada antecedente é apta a: a) configurar a ciência inequívoca da parte a respeito de seu conteúdo e; b) demarcar o início do prazo de 15 dias para o aditamento da petição inicial previsto no art. 303, § 1º, I, do CPC/15.
4. Nosso direito processual civil é instrumental e adota o sistema da legalidade das formas, de modo que é preciso que seu rigorismo formal seja observado com vistas a se oferecer segurança jurídica e previsibilidade à atuação do juiz e das partes, sendo abrandado quando o ato atingir a finalidade que motiva sua vigência.
5. A intimação das partes acerca dos conteúdos decisórios é indispensável ao exercício da ampla defesa e do contraditório, pois somente o conhecimento dos atos e dos termos do processo permite a cada litigante encontrar os meios necessários e legítimos à proteção de seus interesses.
6. No processo eletrônico, a ciência pessoal de todo o conteúdo do processo é presumida, em regra, com a intimação formal. Precedente.
7. Excepciona-se essa regra na juntada superveniente de petição cujo conteúdo revele a indispensável ciência de todo o conteúdo decisório, isto é, o inequívoco conhecimento da decisão e a plena ciência da parte de que deve tomar alguma atitude processual.
Precedentes.
8. No CPC/15, a tutela provisória passa a ser uma técnica aplicada na relação processual de conhecimento ou de execução, mas que, na forma do art. 303, pode ser também requerida em caráter antecedente à própria formação da relação jurídica processual da tutela definitiva.
9. O propósito da previsão dos arts. 303 e 304 do CPC é, especificamente, proporcionar oportunidade à estabilização da medida provisória satisfativa, valorizando a economia processual por evitar o desenvolvimento de um processo de cognição plena e exauriente, quando as partes se contentarem com o provimento sumário para solucionar a lide.
10. O procedimento da tutela provisória é, portanto, eventualmente autônomo em relação à tutela definitiva, pois, para a superação dessa autonomia, é preciso que o requerido recorra da decisão que concede a antecipação da tutela, sob pena de a tutela estabilizar-se e o processo ser extinto.
11. Como, na inicial da tutela antecipada antecedente, o autor somente faz a indicação do pedido de tutela final, existe a previsão de que deve complementar sua argumentação, com a confirmação do pedido de tutela final, no prazo de 15 dias ou outro maior fixado pelo juiz.
12. Os prazos do requerido, para recorrer, e do autor, para aditar a inicial, não são concomitantes, mas subsequentes.
13. Solução diversa acarretaria vulnerar os princípios da economia processual e da primazia do julgamento de mérito, porquanto poderia resultar na extinção do processo a despeito da eventual ausência de contraposição por parte do adversário do autor, suficiente para solucionar a lide trazida a juízo.
14. Como a interposição do agravo de instrumento é eventual e representa o marco indispensável para a passagem do "procedimento provisório" para o da tutela definitiva, impõe-se a intimação específica do autor para que tome conhecimento desta circunstância, sendo indicada expressa e precisamente a necessidade de que complemente sua argumentação e pedidos.
15. Na hipótese dos autos, o conteúdo da petição juntada pelo autor, na qual requer a aplicação de multa em razão do descumprimento da tutela antecipada, não permite concluir por seu conhecimento inequívoco da determinação de aditar a inicial.
16. Além disso, a intimação do autor para o aditamento da inicial e o início do prazo de 15 dias para a prática desse ato, previstos no art. 303, § 1º, I, do CPC/15, exigem intimação específica com indicação precisa da emenda necessária, como realizado pelo juízo do primeiro grau de jurisdição.
17. Recurso especial desprovido.
(REsp 1766376/TO, rel. ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/8/20, DJe 28/8/20)

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Colunista

Mirna Cianci Procuradora do Estado de São Paulo. Doutora e mestre em Direito Processual Civil. Professora. Sócia no escritório Cianci Quartieri Advogados.