Jurisprudência do CPC

Art. 372 do CPC - Prova emprestada

A prova emprestada é válida no processo civil quando respeitado o contraditório. O STJ reafirma essa admissibilidade, priorizando a economia processual.

11/3/2025

O atual Código de Processo Civil completa 10 anos de vigência e já conta com grande acervo decisório, a propósito dos mais variados temas que sofreram mudança após sua edição.

A presente coletânea de jurisprudência, elaborada por Mirna Cianci - e destinada a dar base ao "Curso de Direito Processual Civil Aplicado", escrito por Antonio Carlos Marcato, Mirna Cianci e Nelton Agnaldo Moraes dos Santos -, resulta de pesquisa efetuada junto ao TJ/SP e STJ, tendo por objeto a análise de decisões proferidas dentro do decênio de vigência do CPC.

Foram aqui destacados os dispositivos que sofreram modificação em relação ao diploma revogado e verificado se havia, a respeito deles, decisões jurisprudenciais, trazendo uma ilustração representativa no período de 2016 a 2025.

No primeiro quinquênio, pela falta de jurisprudência suficiente no STJ, vali-me dos julgados do TJ/SP, em complementação. A partir de 2020, a jurisprudência selecionada passou a ser exclusivamente do STJ, exceção feita aos casos em que a recente legislação modificadora de alguns dispositivos do CPC tenha sido examinada somente no âmbito estadual, caso em que foi destacada a jurisprudência do Tribunal paulista.

A partir de agora tem o migalheiro acesso à jurisprudência relativa a todas as modificações sofridas pelo CPC em 2015.

Espero que este repertório lhes seja útil!

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O art. 372 do novo CPC inaugurou a prova emprestada, já vivenciada na praxe forense, que sempre exigiu o exercício do contraditório como requisito de validade. A jurisprudência confirma essa tendência já antes verificada.

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PROVA PERICIAL PRODUZIDA EM AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. IDENTIDADE PARCIAL DE PARTES. UTILIZAÇÃO A TÍTULO DE PROVA EMPRESTADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA. OPORTUNIDADE DE INSURGÊNCIA E INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO.
1. Ação de reintegração de posse ajuizada em 9/11/04, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 14/12/22 e concluso ao gabinete em 23/8/23.
2. O propósito recursal consiste em definir se houve negativa de prestação jurisdicional e se a admissão de prova pericial a título de prova emprestada configurou cerceamento de defesa.
3. A admissão de prova produzida em outro processo prestigia os princípios da celeridade e da economia processual e tem como objetivo precípuo otimizar a prestação jurisdicional. Evita-se a repetição desnecessária da produção de prova de idêntico conteúdo, a qual tende a ser lenta e dispendiosa, notadamente em se tratando de provas periciais na realidade do Poder Judiciário brasileiro. Há, também, incremento de eficiência, à medida em que proporciona a obtenção do mesmo resultado útil em menor tempo.
4. O art. 372 do CPC admite a utilização de prova emprestada e impõe, como única exigência, a observância do contraditório.
Conforme precedente da Corte Especial, em vista das reconhecidas vantagens da prova emprestada no processo civil, ela não se restringe a processos em que figurem partes idênticas, desde que se mantenha hígida a garantia do contraditório (EREsp 617.428/SP).
5. Na espécie, embora o Tribunal de origem tenha indeferido a produção da prova pericial requerida por Rovilio para contrapor a perícia juntada aos autos a título de prova emprestada, não se constata a ocorrência de cerceamento de defesa. Isso porque uma das recorridas participou da ação na qual foi produzida a perícia e exerceu o direito ao contraditório; o recorrido teve a oportunidade de contraditar a prova por outros meios, considerando que ela foi juntada aos autos há mais de 20 anos; a anulação de atos processuais exige a demonstração de prejuízo, o qual não ocorreu na hipótese, tendo em vista que a prova pericial foi apenas um dos elementos probatórios utilizados pelo juiz para formação do seu convencimento. Além dela, foram valorados os documentos apresentados pelas partes, as fotografias anexadas aos autos e a prova testemunhal, do que se extrai que, mesmo com a supressão da prova pericial, a conclusão do julgador permaneceria a mesma.
6. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 2.123.052/MT, relatora min. Nancy Andrighi, Terceira turma, julgado em 14/5/24, DJe de 17/5/24.)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS. CONTA-CORRENTE. ABERTURA DE CRÉDITO FIXO. DECISÃO SURPRESA. NÃO OCORRÊNCIA. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO. ÔNUS PROBATÓRIO. REEXAME. SÚMULA 7/STJ.
1. A vedação à decisão surpresa não significa que o julgador deve consultar as partes antes da cada solução dada às controvérsias apresentadas, especialmente quando já lhes foi dada oportunidade para apresentar manifestação, tendo se estabelecido o contraditório.
Precedentes.
2. Na hipótese, rever a conclusão do tribunal local no sentido de que foram garantidos o contraditório e ampla defesa na espécie demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, procedimento inviável em recurso especial ante a natureza excepcional da via eleita, consoante disposto na súmula 7/STJ.
3. O Superior Tribunal de origem entende que é válida a prova emprestada quando observados o contraditório e a ampla defesa.
5. Agravo interno não provido.
6. (AgInt no AREsp 2.506.696/PR, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira turma, julgado em 16/9/24, DJe de 18/9/24.)

“(..) No processo civil a prova emprestada vem sendo aceita pela jurisprudência do STJ, mesmo quando não figurem partes idênticas (EREsp 617.428-SP, Corte Especial, relatora min. Nancy Andrighi, DJe 17/6/14). Esse posicionamento, consonante com a economia processual e com o devido processo legal, foi encampado pelo art. 372 do CPC em vigência.
No entanto, trata-se de situação de exceção, somente se justificando em caso de motivada impossibilidade de produção de prova pessoal.
Essa hipótese não ocorreu no caso, e, portanto, não podem ser aproveitados os laudos técnicos produzidos em processos judiciais trabalhistas de partes diversas (Evento 1 - Anexos 11 e 12 dos autos originários).
Com efeito, o recorrente trouxe aos autos Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) de sua titularidade, com informações da sua vida laborativa junto à empresa ARCELORMITTAL S/A (Evento 1 - Anexo 10 dos autos originários). No referido PPP, para o período não reconhecido como especial pelo juízo (1/4/97 a 7/1/09), não houve comprovação da exposição ao agente nocivo alegado (vibração).
No que se refere à produção de prova pericial requerida pelo autor, deve ser ressaltado que o juízo não entendeu necessária em vista de outras provas produzidas nos autos, conforme está previsto no art. 464, § 1º, II do CPC.
De acordo com os arts. 370 e 371 do CPC, o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determina as provas necessárias ao julgamento do mérito e as aprecia formando seu livre convencimento. No caso, o juízo considerou que o conjunto probatório presente nos autos se mostrou suficiente para análise do pleito, não tendo existindo cerceamento de defesa que enseje a nulidade da sentença.” (REsp 2.166.009, min. Benedito Gonçalves, DJe de 11/12/24.) 

“(..) a leitura do acórdão, nota-se que a alegação de que houve ilicitude na utilização de prova emprestada foi rechaçada, tendo a instância precedente reafirmado que houve autorização judicial para a medida e observância ao contraditório e ampla defesa, ressaltando que "as provas emprestadas foram juntadas aos autos durante a fase de instrução probatória, sendo certo que a Defesa teve amplo acesso a elas".
Destaque-se que a utilização de prova emprestada está fundamentada nos princípios constitucionais da economia processual e da unidade de jurisdição, e, prevista expressamente no art. 372 do CPC - Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao processo penal, o qual exige que a prova seja produzida em outro processo e seja submetida ao crivo do contraditório. Confira-se:
"Art. 372. O Juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório."
Desse modo, verifica-se que foi assegurado ao paciente o contraditório e a ampla defesa, em observância à jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, segundo a qual é admitida a prova emprestada, desde que assegurado o exercício efetivo do contraditório e da ampla defesa.” (HC 886.559, min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 11/11/24.)

PROCESSUAL CIVIL E DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ALEGAÇÃO DE QUESTÕES COM MAIS DE UMA ALTERNATIVA CORRETA E EM DESACORDO COM O CONTEÚDO DO EDITAL DO CERTAME. REQUERIMENTO DE PROVA PERICIAL OU UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. INDEFERIMENTO. PODER JUDICIÁRIO NÃO PODE SUBSTITUIR A BANCA EXAMINADORA. SALVO FLAGRANTE ILEGALIDADE. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL DETERMINANDO A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL OU UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. PROVA PERICIAL IMPRESCINDÍVEL PARA COMPROVAR OU NÃO AS TESES DA PARTE AUTORA.
(..) 9. O CPC - Código de Processo Civil trata, em seu art. 372, da possibilidade de o magistrado validar o empréstimo, dispondo que "o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório".
10. Não se pode ignorar o fato de que a prova emprestada tem como fundamento os princípios da economia processual, da eficiência e da celeridade, tendo em vista que se evita a repetição desnecessária da produção de prova de idêntico conteúdo, a qual tende a ser demasiado lenta e dispendiosa, notadamente em se tratando de provas periciais na realidade do Poder Judiciário brasileiro. Ademais, a medida garante a obtenção do mesmo resultado útil, em menor período de tempo, em consonância com a garantia constitucional da duração razoável do processo.
11. Nos EREsp 617.428, julgado pela Corte Especial, firmou-se o entendimento de que a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto (EREsp 617.428/SP, rel. min. Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe de 17/6/14).
12. No caso em apreço, somente a prova pericial poderá comprovar a alegação da recorrida, uma vez que, se efetivamente comprovado que havia questões com mais de uma resposta correta e matérias que não estavam previstas no edital, estaremos diante de caso de ilegalidade, o que permitiria a análise pelo Poder Judiciário.
13. Ressalta-se, mais uma vez, que a jurisprudência nesta Corte Superior é no sentido de que as regras editalícias, consideradas em conjunto como verdadeira lei interna do certame, vinculam tanto a administração como os candidatos participantes. Desse modo, o concurso público deverá respeitar o princípio da vinculação ao edital. Tal orientação tem como objetivo garantir que haja segurança jurídica nas relações e respeito a boa-fé objetiva.
14. Desse modo, imprescindível a realização da prova pericial para comprovar ou não as teses apresentadas pela parte agravada.
15. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1.827.11/RJ, rel. min. Og Fernandes, Segunda turma, julgado em 29/11/21, DJe de 13/12/21.)

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Colunista

Mirna Cianci Procuradora do Estado de São Paulo. Doutora e mestre em Direito Processual Civil. Professora. Sócia no escritório Cianci Quartieri Advogados.