Jurisprudência do CPC

Art. 373 do CPC - Ônus da prova

O novo CPC consolidou a inversão do ônus da prova, antes restrita ao Direito Consumerista, definindo seus limites e hipóteses na jurisprudência.

12/3/2025

O atual Código de Processo Civil completa 10 anos de vigência e já conta com grande acervo decisório, a propósito dos mais variados temas que sofreram mudança após sua edição.

A presente coletânea de jurisprudência, elaborada por Mirna Cianci - e destinada a dar base ao "Curso de Direito Processual Civil Aplicado", escrito por Antonio Carlos Marcato, Mirna Cianci e Nelton Agnaldo Moraes dos Santos -, resulta de pesquisa efetuada junto ao TJ/SP e STJ, tendo por objeto a análise de decisões proferidas dentro do decênio de vigência do CPC.

Foram aqui destacados os dispositivos que sofreram modificação em relação ao diploma revogado e verificado se havia, a respeito deles, decisões jurisprudenciais, trazendo uma ilustração representativa no período de 2016 a 2025.

No primeiro quinquênio, pela falta de jurisprudência suficiente no STJ, vali-me dos julgados do TJ/SP, em complementação. A partir de 2020, a jurisprudência selecionada passou a ser exclusivamente do STJ, exceção feita aos casos em que a recente legislação modificadora de alguns dispositivos do CPC tenha sido examinada somente no âmbito estadual, caso em que foi destacada a jurisprudência do Tribunal paulista.

A partir de agora tem o migalheiro acesso à jurisprudência relativa a todas as modificações sofridas pelo CPC em 2015.

Espero que este repertório lhes seja útil!

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O novo CPC (art. 373) inaugurou a inversão do ônus da prova, antes contemplada no direito consumerista e essa teoria está, na jurisprudência, melhor delineada, de sorte a ter fixados seus limites e hipóteses, mediante analise da casuística. Temos aqui demonstrado, entre outros, o ônus financeiro da prova em caso de inversão, os requisitos e situações autorizadoras ou vedatórias da inversão.

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE AUTOMÁTICA. DESCABIMENTO. LEGALIDADE DO TERMO DE OCORRÊNCIA E INSPEÇÃO. ATO NORMATIVO INFRALEGAL. ANÁLISE. INVIABILIDADE. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 186, 187, 927 E 944 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. INCIDÊNCIA. PROVIMENTO NEGADO.
1. Verifica-se que inexiste a alegada violação dos arts. 489 e 1.022 do Código de Processo Civil, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, consoante se depreende da análise do acórdão recorrido. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o julgado de nenhum erro material, omissão, contradição ou obscuridade. Destaca-se que julgamento diverso do pretendido, como neste caso, não implica ofensa aos dispositivos de lei invocados.
2. A inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não é automática, depende da constatação, pelas instâncias ordinárias, da presença ou não da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência do consumidor.
Não havendo inversão do ônus da prova, aplica-se a regra geral estática disposta no art. 373, I e II, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que cabe à parte autora provar o fato constitutivo do direito, e à parte ré provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte adversa.
3. O Tribunal de origem concluiu que o termo de ocorrência e inspeção havia sido lavrado com base na resolução Aneel 414/10.
Registre-se que, consoante o entendimento desta Corte Superior, o conceito de tratado ou lei Federal inserto no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal deve ser considerado em seu sentido estrito, sendo inadmissível a análise de recurso especial contra decisão fundamentada em resolução.
(..) 5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 2.084.961/RJ, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira turma, julgado em 26/8/24, DJe de 2/9/24.) 

PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM IRDR - INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ART. 256-H DO RISTJ C/C O ART. 1.037 DO CPC/15. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. CONTRATOS BANCÁRIOS DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. DISTRIBUIÇÃO DE ÔNUS DA PROVA.
1. As questões controvertidas consistem em definir se:
1.1) Independentemente da inversão do ônus da prova - que deve ser decretada apenas nas hipóteses autorizadas pelo art. 6°, VIII, do CDC, segundo avaliação do magistrado no caso concreto -, cabe à instituição financeira/ré, enquanto fato impeditivo e modificativo do direito do consumidor/autor (CPC, art. 373, II), o ônus de provar que houve a contratação do empréstimo consignado, mediante a juntada do contrato ou de outro documento capaz de revelar a manifestação de vontade do consumidor no sentido de firmar o negócio jurídico;
1.2) o consumidor/autor, quando alegar que não recebeu o valor do empréstimo, tem o dever de colaborar com a Justiça (CPC, art. 6°) e fazer a juntada do seu extrato bancário, embora este não deva ser considerado, pelo juiz, como documento essencial para a propositura da ação;
1.3) Nas hipóteses em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante do contrato juntado ao processo, cabe à instituição financeira/ré o ônus de prova essa autenticidade (CPC, art. 429 II), por meio de perícia grafotécnica ou mediante os meios de prova legais ou moralmente legítimos (CPC, art. 369).
2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 CPC/15.
(ProAfR no REsp 1.846.649/MA, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda seção, julgado em 25/8/20, DJe de 8/9/20.) 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. RELAÇÃO CONSUMERISTA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. PROVIMENTO NEGADO.
1. É aplicável o enunciado da súmula 7/STJ quando não é possível, da análise dos fatos e das provas dos autos, vislumbrar a existência de nexo de causalidade, apto a legitimar a pretensão indenizatória.
2. A natureza consumerista da relação não exime o autor de comprovar minimamente as alegações deduzidas, não havendo violação ao art. 373, I, do CPC, quando a parte não o faça.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AgInt no AREsp 2.187.042/RJ, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira turma, julgado em 12/8/24, DJe de 19/8/24.) 

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. APLICAÇÃO DO CDC. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. SÚMULAS 7 E 297 DO STJ.
I - Na origem, trata-se de Ação de Obrigação de fazer 1010958-27.2023.8.11.0006, objetivando Indenização por danos materiais caracterizados por supostos saques indevidos e falta de correção dos valores depositados em conta PASEP. Na sentença o pedido foi julgado deferido, com inversão do ônus da prova. No Tribunal a quo, o recurso foi desprovido.
II - De início - e para a certeza das coisas - é esta a letra do acórdão recorrido, transcrito no que interessa à espécie (fls. 72-75): "Inicialmente, se faz constar que o ponto nodal da celeuma está na mister aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor na espécie. Dito isso, em que pese às alegações do agravante, o certo é que a súmula 297 do STJ é suficientemente clara ao dispor que "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". Nesta senda, é também indiscutível o cabimento da inversão do ônus da prova, pois, restaram obedecidos os critérios definidos pelo art. 6º, VIII, do CDC, in verbis: [...] Assim, o condutor do feito agiu com o costumeiro acerto na espécie ao deferir a aplicação do CDC e, via de consequência, a inversão do ônus da prova (id. 197889699). Isso porque, resta evidente, repiso, a presença das hipóteses de aplicação do CDC e os requisitos de seu art. 6º, inc. VIII, razão pela qual mostra-se perfeitamente possível a concessão da inversão do ônus da prova na forma pretendida pelo agravado". "[...] Igualmente, não se pode olvidar que a inversão do ônus da prova prevista no CDC está no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, e via de regra, fica subordinada ao critério do Juiz, quando for verossímil a alegação ou quando uma das partes for hipossuficiente, situação que se amolda à presente hipótese". "Importante ressaltar que a despeito das alegações do recorrente, a vulnerabilidade do consumidor, por vezes, não se limita à ausência de conhecimentos técnicos. Segundo leciona Claudia Lima Marques, vulnerabilidade representa "uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo.
Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção" (Claudia Lima Marques, Antônio Herman Benjamin e Leonardo Roscoe Bessa, Manual de direito do consumidor, 3ª Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010)". "Assim, desde que aplicável o CDC, sendo a parte hipossuficiente em relação ao adverso, e existindo verossimilhança em suas alegações, se procede a inversão do ônus da prova. Isso ocorre, como visto, porque a relação jurídica qualificada por ser "de consumo" é caracterizada pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor) e de um fornecedor de outro, porque é essência do código o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado, princípio-motor da política nacional das relações de consumo (art. 4º, inc. I, do CDC)". "Assim, estando caracterizada a relação de consumo perfeitamente possível a inversão. Portanto, por estes termos e estribado nessas razões, tenho que o decisum objurgado está bem posto, devendo ser mantido por seus próprios fundamentos".
III - Inicialmente, cumpre destacar que o provimento do Recurso Especial por contrariedade aos arts. 489, 1.022, II, e 1.025, do CPC/15 pressupõe que sejam demonstrados, fundamentadamente, os seguintes motivos: (a) que a questão supostamente omitida tenha sido invocada na Apelação, no Agravo ou nas contrarrazões a estes recursos, ou, ainda, que se cuide de matéria de ordem pública a ser examinada de ofício, a qualquer tempo, pelas instâncias ordinárias;
(b) a oposição de aclaratórios para indicar à Corte local a necessidade de sanar a omissão em relação ao ponto; (c) que a tese omitida seja fundamental à conclusão do julgado e, se examinada, poderá conduzir à sua anulação ou reforma; (d) a inexistência de outro fundamento autônomo, suficiente para manter o acórdão. Tais requisitos são cumulativos e devem ser abordados de maneira fundamentada na petição recursal, sob pena de não se conhecer da alegação por deficiência de fundamentação, dada a generalidade dos argumentos apresentados.
IV - Outrossim, configura-se negativa de prestação jurisdicional "a falta de resolução de ponto considerado relevante para o correto deslinde da controvérsia, assim como a adoção de solução judicial aparentemente contraditória." (AREsp 1362181/ES, rel. ministro Mauro Campbell Marques, Segunda turma, julgado em 7/12/21, DJe 14/12/21).
(..) VII - Conforme evidenciado, o Tribunal de origem determinou a inversão do ônus probatório com fundamento na verossimilhança dos fatos arguidos, bem como na vulnerabilidade da parte requerente em relação à parte requerida, principalmente quanto à produção das provas. A referida fundamentação, por si só, mantém o resultado do julgamento ocorrido na Corte de origem e torna inadmissível o recurso que não a impugnou. Incide ao caso, por analogia, a súmula 283/STF. Isso porque, ainda que afastada a aplicabilidade do CDC à hipótese, observa-se que em razão da reconhecida dificuldade da autora, ora recorrida, de obter os documentos comprobatórios de suas alegações em posse do Banco recorrente, seria possível aplicar ao caso a distribuição dinâmica do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, do CPC. Dessa forma, no caso, revela-se inviável rediscutir a inversão do ônus da prova, especialmente por meio da mera renovação de argumentos quanto à não incidência do código consumerista à espécie.
VIII - Nesse passo, tem-se, ainda, que a revisão da conclusão a que chegou a Corte local demandaria o revolvimento do mesmo acervo fático-probatório já analisado, providência impossível pela via estreita do recurso especial, ante o óbice do enunciado da súmula 7/STJ. Nesse sentido: AgInt no REsp 1670124/DF, rel. ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 2/10/18, DJe 9/10/18; AgInt nos EDcl no AREsp 993.270/AM, rel. ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 5/4/17; AgInt no AREsp 2.331.288/RJ, relatora ministra Nancy Andrighi, Terceira turma, julgado em 21/8/23, DJe de 23/8/23.)
IX - Ademais, segundo entendimento desta Corte, a inadmissão do recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, em razão da incidência de enunciado sumular, prejudica o exame do recurso no ponto em que suscita divergência jurisprudencial, se o dissídio alegado diz respeito ao mesmo dispositivo legal ou tese jurídica, o que ocorreu na hipótese. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.590.388/MG, rel. ministro Benedito Gonçalves, Primeira turma, DJe 24/3/17; AgInt no REsp 1.343.351/SP, rel. ministro Gurgel de Faria, Primeira turma, DJe 23/3/17.
X - Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 2.153.62/MT, relator ministro Francisco Falcão, Segunda turma, julgado em 27/11/24, DJe de 2/12/24.)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO PROFERIDA EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO ULTRA PETITA E SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INOCORRÊNCIA. CONTRADIÇÃO NÃO RECONHECIDA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 373, I, § 1º, DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Toda e qualquer decisão interlocutória proferida em sede de liquidação ou cumprimento de sentença e execução é impugnável por agravo de instrumento.
2. Não há julgamento extra, infra ou ultra petita quando o órgão julgador decide, a partir de uma interpretação lógico-sistemática dos pedidos, dentro dos limites objetivos da pretensão inicial, respeitando o princípio da congruência 3. A contradição remediável por embargos de declaração é a interna ao julgado embargado, devida à desarmonia entre a fundamentação e as conclusões da própria decisão.
4. A matéria pertinente ao art. 373, I, § 1º, DO CPC não foi objeto de debate prévio nas instâncias de origem, a despeito da oposição de embargos de declaração. Ausente, portanto, o devido prequestionamento nos termos da súmula 211 do STJ.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1.752.265/MG, relator ministro Moura Ribeiro, Terceira turma, julgado em 11/11/24, DJe de 13/11/24.)

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Colunista

Mirna Cianci Procuradora do Estado de São Paulo. Doutora e mestre em Direito Processual Civil. Professora. Sócia no escritório Cianci Quartieri Advogados.