Marizalhas

Tóxico: Nada há para fazer?

Entre violência, contradições e silêncio estatal, o texto revela como a guerra às drogas fracassa e por quê é urgente discutir alternativas mais sensatas, humanas e alinhadas ao Direito.

4/12/2025

Há alguns temas de evidente relevância que não são postos à luz do dia para discussão. Joga-se para debaixo dos tapetes e deixa-se tudo ao seu redor tal como sempre esteve. Nenhuma contestação, nenhuma proposta de alteração na forma de serem tratados, há apenas a aceitação do seu curso mesmo que ele esteja se dando em detrimento dos interesses da sociedade e do Estado.

Quero me referir especificamente à repressão ao tráfico de drogas. Toda a atividade estatal ligada ao combate ao uso e à comercialização dos entorpecentes historicamente vem se dando por meio do emprego das forças policiais, por vezes, com a utilização das Forças Armadas.

Nem sequer são considerados outros meios e métodos de atuação, em uma tentativa de dissuadir os usuários a permanecer na trilha do vício.

O exemplo do tabaco poderia ter sido seguido. Um número incontável de fumantes no mundo deixou o vício persuadidos que foram por uma bem elaborada campanha que realçou os males do fumo para a saúde. Não se recorreu à lei penal. Fumar não é crime.

Uma campanha bem elaborada, direcionada à prevenção da saúde, mostrando os malefícios do tabagismo retirou milhares de fumantes do vício e trouxe significativa parte da opinião pública a colaborar efetivamente com a campanha. O comércio em geral, em especial os bares e restaurantes, primeiro separaram os fumantes, para depois proibirem o fumo em seus estabelecimentos. Repito, não se recorreu ao Direito Criminal, pois fumar não constitui delito e o número de fumantes diminuiu sobremodo.

O chamado combate ao tráfico de entorpecentes, por meio da repressão e do confronto por vezes letal, indiscutivelmente tem causado muito mais danos à sociedade do que o seu próprio uso e comércio.

Quando é desencadeada uma operação policial contra o tráfico são vitimadas pessoas absolutamente alheias ao crime. Crianças, idosos, vítimas de balas perdidas, policiais, trabalhadores, enfim morrem aqueles que deveriam estar protegidos do crime, mas por ele são vitimados.

O Estado literalmente tornou-se algoz do cidadão, em nome da proteção de um valor que não é identificado sequer por quem diz protegê-lo.

Com efeito, qual é o bem, o direito, o valor que o Estado diz amparar e proteger, ao reprimir o uso do tóxico. Repressão como se viu violenta e não raras vezes cruentas.

Poder-se-á dizer que o Estado ampara o usuário. Pergunto, contra si mesmo? O lesado no uso do entorpecente é o próprio viciado. Trata-se de um típico exemplo de autolesão. O nosso ordenamento jurídico não pune aquele que provoca um dano a si. Exemplo nós encontramos na automutilação e na tentativa de suicídio, figuras estranhas ao Direito Penal. A indagação a ser feita se refere à legitimidade do Estado para punir aquele que atenta contra a própria integridade física.

Esse singelo escrito tem por objetivo convidar a uma reflexão sobre uma conduta estatal que apenas tem conduzido à violência, à letalidade, e à prática de outros crimes, como homicídio, corrupção, corrupção de menores, tráfico de armas, sem conduzir à diminuição da criminalidade.

A criminalização do uso e do tráfico de entorpecentes ao lado de se mostrar inócua como instrumento de contenção do crime, tem gerado maiores males à sociedade e, ademais, atenta contra o princípio da não punição a autolesão. Assim sendo, parece-me ter chegado a hora da sociedade sair da inércia para refletir e discutir a respeito de novas formas para dissuadir o uso e o tráfico dos tóxicos.

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Colunista

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado.