Migalhas de Responsabilidade Civil

“Adolescência” (Netflix): A necessária proteção quadripartite e as nuances da responsabilidade civil

A partir da série Adolescência, da Netflix, os autores Daniel Marinho Corrêa, Daniela Braga Paiano e Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador traçam uma análise crítica sobre as falhas do sistema de proteção infantojuvenil e os desafios enfrentados por famílias, escolas e o Estado.

22/4/2025

Introdução

A recente minissérie britânica Adolescência, disponibilizada pela Netflix, tem chamado a atenção não apenas pelo enredo instigante, mas pela abordagem sensível e realista das complexas interações entre juventude, sistema de justiça e sociedade. A trama acompanha Jamie Miller, um menino de 13 anos preso sob acusação de assassinar uma colega de classe. O episódio inicial apresenta uma cena impactante: agentes policiais invadem sua residência em uma cidade inglesa, ordenam que seus familiares se deitem no chão e vasculham o local até encontrá-lo – um garoto franzino, deitado na cama, segurando um ursinho de pelúcia. Com armas apontadas diretamente para si, Jamie é detido sob o olhar atônito e desesperado de seus pais e irmã.

Embora ambientada no Reino Unido, a série revela similaridades estruturais com o sistema de justiça infantojuvenil brasileiro. O choque inicial não decorre apenas da brutalidade da cena, mas da vulnerabilidade exposta: um adolescente sendo confrontado, de forma abrupta, com um aparato repressivo projetado para adultos. A narrativa transcende a questão da culpabilidade de Jamie e se concentra no impacto psicológico e social que sua detenção provoca na família. Esse deslocamento do foco investigativo para as consequências emocionais e institucionais permite uma reflexão profunda sobre as fragilidades dos sistemas de proteção infantojuvenil e os desafios enfrentados quando um adolescente se vê imerso no sistema de justiça criminal.

A minissérie levanta questões essenciais sobre o papel da sociedade na tutela dos direitos de crianças e adolescentes. Qual deve ser a resposta estatal diante de um crime cometido por um adolescente? Como a sociedade pode atuar na prevenção da delinquência juvenil e na reabilitação de jovens infratores? Esses questionamentos dialogam diretamente com a doutrina da proteção integral, consagrada no art. 227 da CF/88 e regulamentada pelo ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. O ordenamento jurídico brasileiro reconhece que crianças e adolescentes encontram-se em peculiar condição de desenvolvimento, o que exige do Estado, da família e da sociedade uma atuação conjunta para garantir seus direitos fundamentais.

Além disso, a neurociência e a ciência do desenvolvimento humano demonstram que o cérebro adolescente ainda está em formação, tornando-o mais impulsivos e suscetíveis à influência do meio social, mas também altamente responsivos às medidas socioeducativas que priorizem a ressocialização. Adolescência explora esse processo ao evidenciar a influência do ambiente escolar, das redes sociais e da cultura digital na formação da identidade juvenil. O acesso irrestrito a conteúdos online e a exposição a dinâmicas sociais excludentes podem amplificar vulnerabilidades e impactar o comportamento dos jovens, tornando premente a necessidade de políticas públicas que abordem esses fatores de risco.

Para pais e responsáveis, a série se revela perturbadora, suscitando reflexões sobre as lacunas na rede de proteção infantojuvenil. A obra não apenas dramatiza uma situação extrema, mas problematiza a fragmentação das responsabilidades entre diversos atores na garantia da proteção integral de crianças e adolescentes. Nesse contexto, este artigo propõe uma análise crítica dos desafios enfrentados pelo sistema jurídico brasileiro na tutela da criança e do adolescente, investigando como falhas institucionais e a ausência de uma abordagem sistêmica podem agravar essa vulnerabilidade e comprometer a efetividade dos seus direitos fundamentais.

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Colunistas

Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho é professor titular e ex-coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UERJ (mestrado e doutorado). Doutor em Direito Civil e mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Presidente do Fórum Permanente de Direito Civil da Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (ESAP/PGE). Vice-presidente do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos da Responsabilidade Civil). Autor de livros e artigos científicos. Advogado, parecerista e consultor em temas de Direito Privado.

Fernanda Schaefer é pós-doutora pelo Programa de pós-graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR. Doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade de Deusto (Espanha). Professora do UniCuritiba. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC-PR. Assessora Jurídica do CAOP Saúde MPPR.

Igor de Lucena Mascarenhas é advogado e professor universitário nos cursos de Direito e Medicina (UFPB / UNIFIP). Doutorando em Direito pela UFBA e doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Paulo Roque Khouri é doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público — IDP. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB (1992) e em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (1987); mestrado em Direito Privado pela Universidade de Lisboa (2006). Atualmente é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), sócio do escritório de advocacia Roque Khouri & Pinheiro Advogados Associados S/C.