Migalhas de Responsabilidade Civil

Mediação no Direito de Família: Um caminho mais humano para a responsabilidade civil

A coluna aborda como a mediação no Direito de Família oferece solução mais humana, promovendo diálogo, restauração de vínculos e pacificação emocional entre as partes.

30/9/2025

O aumento da judicialização dos conflitos familiares tem trazido à tona uma questão crucial: até que ponto as soluções tradicionais da responsabilidade civil - especialmente a indenização financeira - são adequadas para lidar com danos de natureza subjetiva e relacional? Embora o processo judicial forneça respostas técnicas, nem sempre alcança a pacificação social e emocional necessária.

No âmbito do Direito de Família, não raras vezes, a sentença judicial, ainda que tecnicamente correta, não promove a pacificação, mas perpetua ressentimentos. A dor é reconhecida juridicamente, mas não é acolhida em sua integralidade. Ela é narrada nos autos, mas não escutada por quem realmente precisa ouvir.

Diante disso, esta reflexão busca analisar os limites da judicialização e apresentar a mediação como caminho eficaz e humanizador para a resolução de conflitos familiares, em consonância com os princípios da afetividade e da solidariedade familiar.

É preciso lembrar que o processo judicial está estruturado em uma lógica binária: ganhar ou perder. Essa lógica, adequada em diversas áreas do Direito, mostra-se frágil quando aplicada às relações familiares, onde estão em jogo laços afetivos, vínculos parentais e a própria organização da vida em comum de uma família.

Assim, pode-se afirmar que a judicialização encerra o processo formal, mas não necessariamente resolve o conflito. No processo formal, a imposição estatal dificilmente restaura vínculos ou promove a compreensão das reais necessidades das partes. No processo judicial, em regra, não se conseguem identificar plenamente os interesses subjetivos dos envolvidos, as razões que motivaram condutas passadas nem suas intenções futuras. Esses aspectos, entretanto, são justamente aqueles tratados em uma sessão de mediação e revelam-se de extrema importância para que se alcance uma pacificação autêntica e uma reestruturação saudável da família.

O Superior Tribunal de Justiça, em diversas oportunidades, já ressaltou que os princípios da afetividade e da solidariedade familiar devem orientar a interpretação do Direito de Família. Contudo, esse reconhecimento, ainda que louvável, nem sempre se traduz em medidas práticas capazes de possibilitar a restauração de vínculos. Nas demandas familiares - sobretudo naquelas que envolvem genitores e filhos - o objetivo primordial deve ser a preservação e o fortalecimento das relações, e a tentativa de reaproximação precisa anteceder a disputa judicial, sob pena de se perder a chance de promover a verdadeira pacificação. Assim sendo, simplesmente invocar o princípio da afetividade não protege o afeto. O que protege o afeto é a tentativa real da restauração daquele vínculo.

A responsabilidade civil, tradicionalmente voltada à reparação e à compensação dos danos, mostra-se limitada quando aplicada às relações familiares. Se, por um lado, busco a reparação, percebo que não é possível devolver a experiência afetiva perdida nem reconstruir vínculos rompidos; se, por outro, busco a compensação, constato que não há montante suficiente capaz de compensar uma dor que, por sua natureza, é incomensurável.

A dificuldade de reparar e compensar danos de natureza moral é um dos maiores desafios da responsabilidade civil, que frequentemente se vê diante da necessidade de atribuir valores a sofrimentos por essência incomensuráveis. Se essa realidade se manifesta de forma recorrente na própria lógica da responsabilidade civil, porque essa mesma lógica não deveria ser usada para danos familiares? Isso porque a lógica indenizatória, quando aplicada ao âmbito familiar, pode gerar uma consequência especialmente nociva: cristalizar a ruptura de vínculos que, idealmente, deveriam ser preservados e continuados.

Como consequência dessa lógica indenizatória, muitas vezes a relação entre pais e filho fica impossibilitada de se restabelecer, seja no presente, seja no futuro. “A condenação do pai à indenização leva a uma ruptura definitiva e é este o resultado real da demanda.”1. Nas palavras do ministro Fernando Gonçalves, relator do Resp. 757.411/MG: “Quem sabe admitindo a indenização por abandono moral não estaremos enterrando em definitivo a possibilidade de um pai, seja no presente, seja perto da velhice, buscar o amparo e amor dos filhos (...).” Nessas situações, exige-se a abertura a mecanismos dialógicos e restaurativos, capazes de tratar as feridas de forma mais específica.

É justamente aqui que a mediação se mostra essencial. Ela oferece um espaço de diálogo, escuta e reconhecimento, em que a dor pode ser nomeada, os danos reconhecidos e a reparação ocorrer também no plano simbólico, relacional e afetivo. Nesse ambiente, as pessoas podem expor não apenas suas demandas jurídicas, mas também suas necessidades emocionais. A dor, quando narrada e escutada por todos os participantes, gera empatia, conexão e compreensão da perspectiva do outro. Esses elementos, juntos, transformam o conflito em oportunidade de diálogo, fortalecem vínculos e abrem caminhos para uma pacificação duradoura.

Ao acolher a complexidade da vida em família, a mediação permite não apenas lidar com o passado, mas também transformar o futuro. Julgar pode encerrar o processo, mas mediar tem o potencial de reconstruir relações - e esse é o objetivo maior de quem se dedica à prática da mediação.

Não se pode esquecer, ainda, que o advogado é um dos primeiros filtros por onde passa o conflito. Por isso, deve ele estar atento não apenas à defesa técnica, mas também às estratégias de solução que atendam aos interesses de longo prazo do cliente. O CPC/15, em seu art. 3º, §3º, determina que todos os operadores do Direito devem estimular a solução consensual dos conflitos.

Esse dever impõe aos advogados o desenvolvimento de soft skills como escuta ativa, empatia e comunicação não-violenta - habilidades essenciais à advocacia colaborativa. Cabe a eles, ainda, orientar os clientes para caminhos mais adequados à sua realidade, como mediação e conciliação, capazes de preservar relações e construir soluções mais sustentáveis.

O Direito de Família mostra, assim, que a aplicação rígida da responsabilidade civil, muitas vezes, não é suficiente para atender às necessidades humanas em jogo. A mediação surge como um instrumento não apenas jurídico, mas também social e ético, capaz de produzir soluções mais adequadas, pacificadoras e transformadoras.

Optar pela mediação não significa abdicar da técnica jurídica, mas complementá-la com humanidade. Afinal, se o julgamento pode encerrar o processo, a mediação tem o poder de transformar o futuro.

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1 MATZENBACHER, Solange Regina Santos. Reflexão acerca da responsabilidade civil no Direito de Família: Filho-dano moral x Pai-abandono afetivo. E a família? Direito Justiça, Porto Alegre, v. 35, n.1, jan./jun., 2009, p. 67.

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Colunistas

Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho é professor titular e ex-coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UERJ (mestrado e doutorado). Doutor em Direito Civil e mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Presidente do Fórum Permanente de Direito Civil da Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (ESAP/PGE). Vice-presidente do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos da Responsabilidade Civil). Autor de livros e artigos científicos. Advogado, parecerista e consultor em temas de Direito Privado.

Fernanda Schaefer é pós-doutora pelo Programa de pós-graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR. Doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade de Deusto (Espanha). Professora do UniCuritiba. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC-PR. Assessora Jurídica do CAOP Saúde MPPR.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Paulo Roque Khouri é doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público — IDP. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB (1992) e em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (1987); mestrado em Direito Privado pela Universidade de Lisboa (2006). Atualmente é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), sócio do escritório de advocacia Roque Khouri & Pinheiro Advogados Associados S/C.