Migalhas Infância e Juventude

35 anos do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente: Entre avanços e desafios

A coluna aborda avanços do ECA e leis complementares, destacando desafios persistentes na efetivação da proteção integral de crianças e adolescentes.

11/7/2025

O direito da criança e do adolescente, quando devidamente assegurado no art. 227, da Constituição Federal de 1988, inaugurou uma nova era no que tange ao reconhecimento da criança e do adolescente, todos eles, sem quaisquer distinções, como sujeito de direitos e como tal, dignos de proteção integral.

Todavia, foi necessário a instituição e sanção de uma lei federal para enfim, romper com o paradigma da Situação Irregular e estabelecer a Doutrina da Proteção Integral, e a partir deste documento, o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecer princípios e diretrizes que garantissem direitos humanos e fundamentais a toda população de 0 a 18 anos incompletos.

Ao passar dos anos, e por ser a infância uma fase que muda conforme a sociedade vai evoluindo, foram necessárias algumas complementações aos direitos assegurados em 1990. E, por ser o Estatuto, uma das leis mais avançadas em termos de proteção e garantia de direitos do mundo, o firmamento destas alterações legislativas, vieram a contribuir de maneira eficaz para a persecução de tais direitos.

Neste sentido, numa perspectiva cronológica, quando pensamos nos avanços ao longo destes 35 anos, desde sua concepção, podemos primeiramente citar a criação do CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, através da lei 8.242, de 1991. O CONANDA é responsável pela formulação e acompanhamento das políticas públicas voltadas à infância e adolescência e, sem dúvidas, sua criação teve um impacto significativo, haja vista ter institucionalizado a participação social na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Outras mudanças foram deveras essenciais, e desta feita, podemos aqui mencionar a lei da aprendizagem (lei 10.097/00), que regulamentou a contratação de aprendizes por empresas de médio e grande porte no Brasil, propiciando aos adolescentes, maiores de 14 anos, a possibilidade de ter formação técnico-profissional, garantindo a eles que continuassem o ensino regular enquanto adquirissem experiencia pratica no mercado de trabalho.

Não podemos deixar de mencionar a sanção do Novo CC através da lei 10.406, de 2002, que promoveu significativas alterações no ECA no que diz respeito aos dispositivos de guarda, tutela, adoção e administração patrimonial, enfatizando o principio do superior interesse da criança e do adolescente. A fim de somar às estas mudanças, foi promulgada em 2009, a lei 12.010 - lei da adoção, que estabeleceu parâmetros com vistas a melhorar o processo de adoção no Brasil, unificando e facilitando o acesso às informações sobre crianças e adolescentes à espera de adoção e de seus pretendentes habilitados.

Infelizmente, há ainda situações no Brasil, que após sua ocorrência fatídica, geram respostas legislativas a fim de coibi-las. Foi assim que houve a sanção da lei 13.010, de 2014, que ficou conhecida como lei Menino Bernardo, que proibiu o uso de castigos físicos ou tratamento cruel ou degradante na educação de crianças e adolescentes. Esta lei representa um avanço significativo no que diz respeito à proteção dos direitos infanto-juvenis e visa garantir um ambiente familiar e educacional livre de violência física e psicológica.

A fim de assegurar e fortalecer os princípios da proteção integral e prioridade absoluta, bem como a garantia  dos direitos previstos nos arts. 53 a 59 do ECA, em 2014, através da lei 13.005, foi instituído o Plano Nacional de Educação, que definiu metas e estratégias para a educação no Brasil por um período de dez anos, incluindo a universalização do ensino, a melhoria da qualidade da educação e a redução das desigualdades educacionais.

Nesta orbita de inovações, em 2016, foi promulgada a lei 13.257, também chamada de Marco Legal da Primeira Infância, que estabeleceu políticas públicas voltadas para a primeira infância (publico de 0 a 6 anos de idade), enfatizando a proteção e o desenvolvimento integral das crianças nestas faixas etárias.

Nos anos seguintes, e não menos importante, foram instituídas a lei da escuta especializada - lei 13.431, de 2017, voltada à escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, visando evitar a ré vitimização durante processos judiciais e administrativos. Esta lei, estabeleceu também, dentre outras garantias, um atendimento humanizado e adaptado às necessidades especificas de crianças e adolescentes nestas situações, e a lei Henry Borel - lei 14.344/22, que reforçou medidas protetivas para crianças e adolescentes vitimas de violência domestica e familiar. Esta legislação ampliou medidas preventivas e punitivas, bem como, estabeleceu diretrizes para serviços especializados, campanhas educativas e acoes preventivas, reforçando a responsabilização dos agressores.

Outras inovações também merecem aqui destaque, como a SINASE - lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - lei 12.594/12, que regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes a quem se atribui a prática de ato infracional; lei 12.965/14, denominada Marco Civil da Internet, que incluiu alguns artigos que tratam da responsabilidade de provedores de internet em casos de exploração sexual de crianças e adolescentes, buscando proteger a infância e adolescência no ambiente virtual; lei da semana nacional de prevenção da gravidez na adolescência - lei 13.798/19; lei da política nacional de busca de pessoas desaparecidas - lei 13.812/19; lei 14.154/21, que alterou o art. 10 do ECA e definiu um rol mínimo de doenças a serem rastreadas pelo teste do pezinho; decreto do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência contra crianças e adolescentes - decreto 10.701/21, em alusão ao Maio Laranja, mês de combate ao abuso e à exploração sexual do público infanto-juvenil; lei 14.340/22, que alterou a lei de alienação parental, em que um dos responsáveis manipula a criança ou adolescente para afastá-lo do outro genitor, prejudicando a relação e a convivência entre eles; lei 14.548/23, que cria o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes desaparecidos; lei 14.811/24, que institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais; lei 14.826/24, que instituiu a parentalidade positiva e o direito ao brincar como estratégias de prevenção à violência contra crianças.

Mesmo com tantos esforços e avanços legislativos, a proteção integral e prioridade absoluta  aos direitos de crianças e adolescentes ainda não foi totalmente garantida. E os dados estatísticos dos últimos anos comprovam tal afirmação.

Em 2023, mais de 115 mil crianças e adolescentes foram vitimas de violência, aumento de 36,2% em relação a 20221. Ainda que com avanços no combate ao trabalho infantil, com a retirada de 6,3 mil crianças e adolescentes em situação de exploração, o problema ainda persiste e, dados da PNAD continua, aponta ainda cerca de 1,6 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos inseridos em situação de trabalho infantil, dentre as piores formas descritas pela OIT.

Em termos de educação, dados do IBGE apontam que mais de 1,4 milhão de crianças de 4 e 5 anos estavam fora da escola em 2024 e, não podemos esquecer de mencionar aquelas que tiveram seus estudos interrompidos por efeito da crise climática, que no Brasil correspondeu a um total de 1,17 milhão de meninos e meninas, como aponta o UNICEF2.

Não obstante, o Comitê dos Direitos da criança da ONU3 apontou áreas com graves violações de direitos no Brasil e recomendou medidas urgentes em relação à discriminação, violências, saúde mental e sexual de adolescentes, pobreza extrema, crise climática e desmatamento, e justiça juvenil.

Diante destas situações, que são apenas uma amostra dos desafios que persistem em nosso país no que diz respeito à proteção integral aos direitos de crianças e adolescentes, é ainda mais do que urgente e importante que o Estado brasileiro, junto aos atores do Sistema de Garantia de Direitos, através da interlocução com a sociedade civil promovam e efetivem políticas públicas que possam colaborar para as mudanças necessárias às quais os órgãos oficiais nos recomendam, cujas quais, futuramente, poderão transformar a vida de crianças e adolescentes e, quiça das gerações que delas sucederão.

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Fonte: Atlas da Violência 2025.

2 Disponível aqui.

Relatório ONU. Disponível aqui.

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Colunistas

Angélica Ramos de Frias Sigollo é promotora de Justiça em São Paulo. Mestre em Direito pela USP. Pós-graduada pela FGV Direito SP. Integrante do Proinfancia - Fórum Nacional dos membros do Ministério Público da Infância e Adolescência. Professora de Infância e Juventude no CERS - Centro Educacional Renato Saraiva. Professora colaboradora no Law in Action.

Elisa Cruz defensora pública no Rio de Janeiro. Doutora em Direito Civil pela UERJ. Professora na FGV Direito Rio.

Hugo Gomes Zaher é juiz de Direito na Paraíba. Mestre em Direito. 1° vice-presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ).

Marília Golfieri Angella é advogada atuante em Direito de Família e Social, com ênfase em Infância e Juventude. Professora Colaboradora do FGV Law. Mestranda em Processo Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões na Universidade Cândido Mendes/IBDFAM. Membro da Comissão de Infância e Juventude no IBDFAM e na OAB/SP.