Política, Direito & Economia NA REAL

Uma lição de ego e duas de poder no cenário internacional

Trump exalta poder americano em discurso. Entre realismo e arrogância, especialistas alertam: Equilíbrio e alianças são essenciais.

22/1/2025

Eles precisam de nós, mais do que precisamos deles"

Donald J. Trump

A declaração de ontem, 21/1/25, de Donald Trump — “Eles precisam de nós, mais do que precisamos deles. Nós não precisamos deles, eles precisam da gente. Todo mundo precisa da gente” — é provocativa, não é? Quase uma aula de como inflar o próprio ego nacional em tempo real a partir de uma pergunta quase que ingênua da jornalista brasileira.

Por trás dessa bravata, existem questões sérias sobre poder, dependência e a dinâmica entre nações. Vejamos duas lições de dois arquitetos das relações internacionais nos EUA durante o século XX.

Hans Morgenthau, mestre do realismo clássico, enxergava o mundo como um tabuleiro de xadrez movido pela busca incessante de poder. Em Politics Among Nations: The Struggle for Power and Peace (1948), ele não tinha ilusões sobre altruísmo: Os Estados não são bons samaritanos; eles perseguem o que é melhor para si mesmos. E aqui Trump não deixa de estar alinhado: "Eles precisam de nós" soa como a quintessência do realismo morgenthauiano.

Para Morgenthau, a hegemonia dos EUA sobre o Brasil é um exemplo de como o poder é distribuído no sistema internacional. Os americanos têm o capital, a tecnologia, o mercado — o poder duro e o poder brando (soft power), tudo isso embalado no pacote "Made in America". Em In Defense of the National Interest (1951), ele reforça que a política externa deve ser pragmática, não um desfile de virtudes morais, como é comum verificarmos na elaboração de certos diplomatas latino-americanos. Então, quando Trump diz que "nós não precisamos deles", Morgenthau provavelmente sorriria com um toque de ceticismo e concordaria. Mas nem tudo é tapa nas costas de Trump! Em The Purpose of American Politics (1960), Morgenthau alerta contra o excesso de confiança. Sim, ser poderoso é bom, mas achar que você pode fazer tudo sozinho? Perigoso. Porque, surpresa, alianças importam, mesmo para o maior jogador do tabuleiro. Essa visão a América já teve e pouco a pouco foi perdendo ao longo da segunda metade do século XX.

George Kennan, o arquiteto da política de contenção, traz uma abordagem mais cautelosa e pragmática. Em seu famoso artigo "The Sources of Soviet Conduct" (1947), ele sugere que os EUA deveriam ser seletivos em suas batalhas. E sabe do que mais? Ele provavelmente diria que o Brasil não está no topo da lista. Desculpa, mas Kennan era prático assim. Quando Trump diz que "todo mundo precisa da gente", Kennan poderia balançar a cabeça e murmurar: "Cuidado com o hubris." Em American Diplomacy, 1900–1950 (1951), ele critica os EUA por se meterem onde não são chamados – este é o caso de Trump, não é mesmo? Claro, o Brasil é relevante — mas apenas quando isso afeta os verdadeiros interesses americanos: Segurança, economia e talvez, ocasionalmente, política regional. Kennan também era avesso à retórica inflamada. Em The Cloud of Danger (1978), ele aponta como exagerar ameaças externas ou subestimar parceiros pode sair pela culatra. Portanto, aquela ideia de que "não precisamos de ninguém" é um belo convite para problemas futuros, se você perguntasse ao velho George.

Agora, e o Brasil? Vamos encarar: Para Morgenthau, o Brasil é uma peça menor no tabuleiro. Dependente, sim. Afinal, acesso a mercados, tecnologia e capital dos EUA são indispensáveis para o crescimento do país. Morgenthau provavelmente diria: "Isso é como o mundo funciona. Aproveite enquanto você pode." Kennan, por outro lado, talvez não se desse ao trabalho. Não porque o Brasil não importe, mas porque ele preferia pensar em grandes estratégias globais — e o Brasil, com todo respeito, não é exatamente a URSS. Mas ele reconheceria que a estabilidade regional é importante, especialmente para manter os chineses longe do quintal americano. Há mais: A questão climática na qual o Brasil é parte essencial de qualquer solução e pode se comportar como uma “potência ambiental”. (A contradição, a título de ilustração, é furar a Margem Equatorial obrigatoriamente, como quer boa parte do governo atual, ou as queimadas na linda Amazônia).

Então, o que aprendemos com Trump, Morgenthau e Kennan? Que as palavras de Trump refletem uma mistura de realismo puro e, vamos ser honestos, um toque de exagero retórico que reflete a gênese do que será o atual governo norte-americano nos próximos anos, quiçá além de Trump. Morgenthau ficaria satisfeito com a reafirmação do poder americano, mas alertaria contra o isolamento. Kennan provavelmente reviraria os olhos, lembrando que arrogância nunca é um bom conselheiro. No fim das contas, a relação Brasil-EUA é uma dança complicada. Para Morgenthau, trata-se de poder. Para Kennan, é pragmatismo. Para Trump, é, bem... show de um eterno aprendiz.

Se quisermos entender o que realmente importa, talvez devamos ouvir os dois teóricos: Balancear força com sabedoria e não esquecer que, no grande esquema das coisas, nenhum país é uma ilha — nem mesmo os Estados Unidos. Resta saber o que o Brasil e os brasileiros realmente desejam nesse contexto no qual estamos a ingressar.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.