Na outra ponta temos a figura feminina dirigindo o mais popular time de futebol do Rio de Janeiro, onde também chegou por mérito próprio depois de atravessar uma brilhante carreira de atleta.
Os dois exemplos servem para mostrar que estamos vencendo a tradição histórica de manter o poder, seja político, seja esportivo, em mãos masculinas, quebrando-se assim o paradigma do machismo perverso, que nos dominou por tanto tempo.
Se alegres estamos pelas conquistas, verificamos uma realidade que entristece as mulheres, os movimentos feministas e a nação como um todo, fazendo-nos refletir sobre a necessidade de prosseguirmos com as ações positivas em favor da mulher, porque a desigualdade ainda é uma realidade brasileira. Vejo esta semana manchete de jornal: "Crime em São Paulo", com a notícia de que as "mulheres são cada vez mais vítimas e crescem as mortes dentro de casa".
Segundo a polícia, ainda não há explicação para o aumento de mortes em residência, que pulou em dez anos de 10 para 20%, mas uma certeza temos: as relações familiares, recheadas de emoções muitas vezes provocadas pelas drogas, não estão bem e vem à tona uma saga secular que, camuflada pelas conquistas femininas, quase fica no esquecimento: o comportamento submisso da mulher, consentida, senão aplaudida, por uma sociedade que cresceu à sobra do poder masculino.
A constatação nos alerta para a necessidade de um enfrentamento direcionado ao combate da violência contra a mulher.
É imprescindível fortalecer o poder com políticas públicas direcionadas, cujo ponto de partida está no combate às manifestações de diferenças de gênero. Afinal, gênero diz respeito a comportamento, valores e expectativas de ambos os sexos.
Neste contexto é de absoluta importância o papel do Poder Judiciário, a quem foi delegada pela Constituição a tarefa de levar a paz à sociedade, até mesmo de forma autoritativa.
É de imperativo institucional bem escolher os magistrados que têm atuação nas varas de família, de grande complexidade funcional, seja pela exigência de profissionais de outras áreas, em apoio ao juiz (assistente social, psicólogo, pedagogo, etc.), seja pelo nível de sensibilidade que se espera de um juiz que está a mexer com o âmago das relações sociais, a família.
Os conflitos de família estão a exigir mais do que uma solução autoritativa, outorgada por uma decisão judicial tradicional e técnica, forma mais moderna e efetiva de solução de conflito, as chamadas soluções alternativas, via conciliação e mediação. Entretanto, a agressão física, diferentemente, não pode ser tolerada. Exige reparação por parte do agressor. Daí a pertinência da Lei Maria da Penha, concebida sob a égide da tolerância zero contra a agressão física.
Não podemos ser pessimistas, temos motivos para comemorar o dia 8 de março, mas também temos de estar alerta para uma voz de comando: a luta pela igualdade ainda não acabou.
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*Eliana Calmon é ministra do STJ e corregedora nacional de Justiça.
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Eliana Calmon