Migalhas de Peso

Impeachment da Justiça

Quando se alcança o coração da corrupção dos poderes econômico e político, uma inóspita avalanche se cria para criticar e menosprezar o papel da Justiça.

27/4/2016
Carlos Henrique Abrão e Ovídio Rocha Barros Sandoval

Os predicados da autonomia, soberania e independência do Judiciário, verdadeiras cláusulas pétreas, parecem estar cada vez mais distantes da realidade brasileira.

Quando se alcança o coração da corrupção dos poderes econômico e político, uma inóspita avalanche se cria para criticar e menosprezar o papel da Justiça.

Barack Obama, se referindo às escutas e grampos no Brasil, disse ser este o único país do mundo no qual se caçam juízes e não bandidos, expressão essa autêntica e que deve despertar na sociedade civil o momento delicado entre os poderes.

É nítido que o Parlamento se cerca de projetos de leis para impedir ou reduzir a delação e dissipar as prisões provisórias e temporárias, ao passo que o Executivo se utiliza de indultos, de técnicas persuasórias para minar a investigação e ter sobre o seu controle a completa face da moeda da polícia e do próprio Ministério Público.

Sempre a Justiça do Brasil fora criticada, e até internacionalmente, por não conseguir dar conta do seu recado, são mais de cem milhões de processos, cuja tendência, com o novo CPC, não é de melhora, mas sim de um período de adaptação para que colhamos, mais à frente, os resultados.

No entanto, quando é menor a lentidão e maior é a eficiência e, diretamente proporcional, a efetividade, aqueles componentes dos poderes se sentem intranquilos e inseguros e começam a bradar contra a criminalização da política.

Emblemática e paradigmaticamente, não há se cogitar de qualquer criminalização, mas sim de extirpar da representatividade aqueles que não preenchem ao preceito da ficha limpa e se valem do foro privilegiado a fim de obter imunidade e, no mais das vezes, impunidade.

O rasgo com o sistema se opera por meio de condutas reformadoras e, ao mesmo tempo, transformadoras, bastando, para isso, constatar o grande retorno de dinheiro público surrupiado.

A grita geral e a briga entre os Poderes representam um grave retrocesso ao qual a sociedade assiste atônita, inclusive com ameaças e impropérios desferidos se as decisões não agradam ou atingem em cheio aos que integram as hostes dos poderes econômico e político.

Em relação aos grandes empresários que foram alvo das operações, presos e condenados, inconteste uma rebeldia e o dever da delação premiada como fórmula de se afastar do encarceramento e do regime fechado.

No tocante aos políticos, a coisa é bem mais séria, saíram da zona de conforto, do comodismo que sempre revelaram em razão dos cargos ocupados, deixando os holofotes das manchetes para as notícias policiais, a causar espanto e estarrecimento.

Simbolicamente, poucos, ou quase ninguém, estariam a salvo da captura, quando se ouvem as delações, as denúncias e os fortes indícios colhidos no Brasil e, acima de tudo, no exterior.

Uma força-tarefa fora montada fora do Brasil justamente para alimentar a fonte e proceder à varredura em torno dos desvios e dinheiro não comprovado depositado para a propina e pagamentos ilícitos.

Esse enfrentamento entre os Poderes não é saudável, salutar ou amadurece a democracia, mas serve como retrocesso e apequenamento, isso porque o Judiciário deixou o seu papel de pequenas causas e passou para o protagonismo da história.

Não acontece uma ditadura dentro da Justiça, mas sim um padrão de qualidade, de transparência e, fortemente, da responsabilidade de trazer ao conhecimento da sociedade civil o que há de mais inimaginável nas penumbras do poder governante.

E fiquem todos atentos e vivamente despertos para o malabarismo lançado especificamente contra a atividade desempenhada pela Justiça do Paraná, quando muitas vozes se levantam justamente para interromper o trabalho e praticar um extermínio daqueles preocupados na dinâmica de uma Justiça que nunca se efetivou no Brasil, não em desfavor de ricos e poderosos, mas sim em prol da higienização deletéria e sistêmica da corrupção e os bilhões que sangram no exterior desviados dos serviços públicos não prestados à população.

A nossa arrecadação tributária é uma das mais altas do planeta, em torno de metade ou um pouco mais do produto interno bruto, mas o retorno é singularmente o pior de todos, haja vista que o cidadão, desde um simples atendimento, até a questão básica de segurança, em tudo depende da iniciativa privada e despesas pessoais.

Atingimos um ponto sem volta na história do Judiciário, que pretendem seus inimigos o impeachment para o silêncio, calar a boca e não se repetir, com a força e vigor do peso da Lei, condenações contra poderosos e aqueles que tripudiam da sociedade mediante acordos e propinas que se eternizam hoje e sempre.

O brado de alerta está dado, pois o projeto de abortar o ganho patrimonial feito pela Justiça representa a mais desastrosa atividade que fere a separação entre os Poderes, desrespeita a autonomia, independência e poderá provocar a morte da democracia e solapamento das instituições do Brasil.

__________________

*Carlos Henrique Abrão, desembargador do TJ/SP, doutor pela USP com especialização em Paris, professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg, autor de obras e artigos.

**Ovídio Rocha Barros Sandoval, advogado do escritório Saulo Ramos Rocha Barros Sandoval Advogados, magistrado aposentado, autor de obras e artigos jurídicos, atualizador de obras clássicas do Direito brasileiro.


Carlos Henrique Abrão

Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Ovídio Rocha Barros Sandoval

Advogado do escritório Saulo Ramos Rocha Barros Sandoval Advogados.

Veja a versão completa