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Quais os limites da iniciativa popular?

Não há qualquer óbice para que projetos de iniciativa popular sejam emendados pelos parlamentares, os quais também exercem a soberania popular, desde que as emendas se mantenham fiel ao assunto contemplado no projeto.

16/1/2017
Paulo de Bessa Antunes

A iniciativa popular de lei é um instrumento de soberania popular (CF artigo 14, III) expressamente previsto na CF cuja importância é cada vez mais evidente, conforme se pode contatar do debate político – jurídico brasileiro. A lei 9.709/98 definiu as linhas gerais do procedimento para propositura, processamento e votação.

Iniciativa popular é a apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Há um limite material no sentido de que a iniciativa popular "deverá circunscrever-se a um só assunto."

A lei estabelece que "o projeto de lei de iniciativa popular não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação." Quanto ao processamento, uma vez constado o "cumprimento das exigências", a Câmara dará seguimento à iniciativa popular, consoante às normas do Regimento Interno. Em tal documento, artigos 252, X estabelece "a Mesa designará Deputado para exercer, em relação ao PL de iniciativa popular, os poderes ou atribuições conferidas por este Regimento ao Autor de proposição, devendo a escolha recair sobre quem tenha sido, com a sua anuência, previamente indicado com essa finalidade pelo primeiro signatário do projeto."

Assim, parece óbvio que a tramitação de um PL originado de iniciativa popular, no que tange à sua tramitação na Câmara dos Deputados é essencialmente idêntico a qualquer PL. Não há, portanto, nenhuma obrigação legal ou constitucional para que a iniciativa popular não possa sofrer emenda por parte dos parlamentares. A limitação é no sentido de que não sejam incluídos assuntos diversos daqueles constantes do projeto original. No recente caso das dez medidas de combate à corrupção, recentemente votado na Câmara dos Deputados e objeto de liminar concedida pelo ministro Luiz Fux, cabe a pergunta: os crimes de responsabilidade incluídos pela Câmara do projeto de iniciativa popular alteraram o conteúdo do projeto original? Aparentemente sim, pois tal acréscimo não se pretendeu ser uma barreira à corrupção de magistrados e membros do Ministério Público, o que desnatura o projeto. Se é indiscutível a necessidade de modernização da lei de abuso de autoridade, indiscutível também que o método utilizado foi inadequado constitucionalmente.

Em nosso ponto de vista, não há qualquer óbice para que projetos de iniciativa popular sejam emendados pelos parlamentares, os quais também exercem a soberania popular, desde que as emendas se mantenham fiel ao assunto contemplado no projeto. A introdução do crime de responsabilidade no projeto das dez medidas de combate à corrupção, é tema estranho ao tratado na iniciativa popular.

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*Paulo de Bessa Antunes é sócio de Tauil & Chequer Advogados.

Paulo de Bessa Antunes

Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutorado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1997). Foi Visiting Scholar da Lewis and Clark School of Law (Portland, Oregon), Membro da Deustch Brasilianisch Juristen Vereingung (DBJV), Presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental - UBAA. Procurador da República aposentado, tendo exercido por diversos anos a atividade de proteção ao meio ambiental. Professor Associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito e Políticas Públicas - PPGD~UNIRIO Professor de Direito Ambiental Autor de diversos livros.

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