Migalhas de Peso

Benefícios e malefícios da prorrogação de vigência da LGPD

O Senado brasileiro aprovou na última sexta-feira, dia 03 de abril de 2020, o projeto de lei 1.179/20, de autoria do senador Antonio Anastasia, adiando a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para janeiro de 2021.

30/4/2020
Paulo Vinícius de Carvalho Soares e Caio Miachon Tenorio

Os efeitos da pandemia de covid-19 vêm sendo sentidos na saúde, na economia e nas relações jurídicas da população brasileira. A lei federal 13.709/18 (“LGPD”) não ficou fora dos efeitos da pandemia do coronavírus.

O Senado brasileiro aprovou na última sexta-feira, dia 03 de abril de 2020, o projeto de lei 1.179/20, de autoria do senador Antonio Anastasia, adiando a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para janeiro de 2021.1 A justificativa para a prorrogação do prazo de entrada em vigor da lei foi para “não onerar as empresas em face das enormes dificuldades técnicas econômicas advindas da pandemia”.2

Inicialmente, o projeto previa um adiamento maior, de 18 meses, para entrada em vigor da LGPD, contudo, em razão da resistência de alguns membros do Senado, a proposta foi alterada para postergar a vigência da lei para 1º de janeiro de 2021, prorrogando-se em mais 8 meses o marco inicial de sanções previstas pela legislação, para 1º de agosto de 2021. O projeto ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados e, na sequência, pela sanção do presidente da república para virar realidade.

De maneira geral, a sociedade civil se opôs à aprovação do adiamento de vigência da LGPD. O IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), por exemplo, publicou nota afirmando não haver "justificativas razoáveis para tal prorrogação. Pelo contrário, a crise revela que a manutenção da lacuna legislativa tende a produzir efeitos indesejáveis para o consumidor e para toda a sociedade brasileira".3

O Ministério Público Federal também se posicionou contrariamente à postergação de vigência da LGPD através de Nota Técnica apresentada sobre o projeto de lei 1.179/20, aduzindo que: “A manutenção da data prevista demonstrará o comprometimento do Brasil com a proteção de direitos e dará impulso para que as adaptações, que são muitas, se iniciem, pondo em marcha a rota do país para a harmonização legislativa internacional que abre inúmeras portas ao desenvolvimento do País (...)” Curiosamente, o MPF entende, porém, ser razoável que as sanções somente possam ser aplicadas a partir de agosto de 2021.4

De outro lado, os defensores da dilatação de vigência vacatio legis da LGPD, alegam que a legislação exige adaptações e investimentos de diferentes ordens, desde soluções de tecnologia até o refinamento de procedimentos, sendo que o confinamento imposto em razão da pandemia de covid-19, têm o potencial de obstaculizar essas adequações às vésperas da entrada em vigor da LGPD.5

Independentemente das posições favoráveis ou desfavoráveis quanto ao adiamento de vigência da LGPD, fato é que ambos os posicionamentos têm alguma razão.

A proteção, coleta e tratamento de dados devem ocorrer de forma equilibrada e, a LGPD, sem dúvida nenhuma, é um marco legislativo extraordinário para tal finalidade, capaz de promover adequadamente um balanceamento entre o direito à privacidade, o interesse coletivo e à atividade econômica. Em contrapartida, o confinamento forçado decorrente da pandemia de coronavírus, evidentemente, afetou a operação de todas as empresas que se encontram numa verdadeira corrida contra o tempo para adaptar-se às regras estabelecidas pela LGPD.

Os malefícios com o adiamento da LGPD tendem a deixar os benefícios em segundo plano diante das implicações que a pretendida prorrogação têm com diferimento dos direitos e deveres estabelecidos pela lei. A perpetuação da lacuna atual de um marco regulatório específico à proteção de dados deixa milhões de pessoas à mercê de abusos e violações à privacidade. Também corrobora para este cenário de insegurança a omissão governamental à instalação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais, pois, sem parâmetros ou regras de utilização dos dados pessoais estabelecidos pela ANPD, o cenário de incertezas só aumenta.

Por outro lado, os benefícios com a proposta de dilação da vacatio legis da LGPD, permite tanto que o Poder Público como os particulares (pessoas e empresas), tenham mais tempo para se adaptar aos termos da LGPD, especialmente em razão da emergência de saúde pública causada pelo coronavírus.

Não se pode ignorar, por fim, a possibilidade de retardamento da imposição de sanções previstas na LGPD para agosto de 2021, prevista pelo projeto de lei 1.179/20. Claro que tal adiamento, como dito, depende da aprovação da Câmara dos Deputados e, posteriormente, da sanção presidencial, todavia, referido diferimento não é coerente à própria pretensão de adiamento de vigência da lei. A LGPD desprovida de sanções é nada mais nada menos que “letra morta” e pode colidir com os interesses estatais de aumento de receita com aplicação de sanções.

Não faz sentido adiar a vigência da lei para janeiro de 2021, postergando, ainda mais a vigência das sanções da LGPD para agosto de 2021. Se a pretensão é de se levar adiante o retardamento de vigência da LGPD, então que se faça uma coisa só, adie-se a vacatio legis da lei como um todo, sem fatiamento. Sem coercibilidade, a LGPD se transformará numa “netiquette”6, norma de “etiqueta” para proteção, coleta e tratamento de dados, uma mera carta de intenções, deixando o Brasil em uma posição sem crédito no cenário mundial de proteção de dados. 

 _________

1 Disponível em: Clique aqui. Acesso em 06.04.20

2 Item (x) do projeto de lei 1.179/20. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 06.04.20.

3 Disponível em: Clique aqui. Acesso em 06.04.20.

4 Disponível em: Clique aqui. Acesso em 22.04.20.

5 Termo criado por Arlene H. Rinaldi no guia do bom uso e comportamento para os usuários da internet, da Universidade do Atlântico da Flórida. Disponível em Clique aqui. Acesso em: 22.04.20.

6 PL de Toffoli prevê adiamento da LGPD e suspensão de regras anticoncorrenciais. Acesso em 06.04.20.

_________

*Paulo Vinícius de Carvalho Soares é sócio do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados, responsável pela área de Direito Digital e Segurança da Informação.

*Caio Miachon Tenorio é sócio do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados, responsável pela área de Direito Digital e Segurança da Informação.

Paulo Vinícius de Carvalho Soares

Advogado, sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), DPO (Encarregado de Dados do escritório), coautor da obra "Lei Geral de Proteção de Dados - Ensaios e Controvérsias da Lei 13.709/18".

Caio Miachon Tenorio

Sócio do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), um dos responsáveis pela área de Direito Digital e Segurança da Informação.

Veja a versão completa