Migalhas de Peso

Variação cambial como motivo para reequilíbrio dos contratos administrativos

Para que se justifique o reequilíbrio econômico-financeiro, as alterações de custo deverão ser supervenientes à assinatura do contrato, imprevisíveis, portanto, no ato da assinatura.

17/6/2020
Fábio de Possídio Egashira , Rodrigo da Fonseca Chauvet , Ivana Eduarda Dias Arantes e Vinícius Loureiro Anselmé

Dentre os inúmeros prejuízos econômicos suportados por empresas contratadas pela Administração Pública no decorrer da pandemia da covid-19, verifica-se a grande oscilação da variação cambial (do dólar, em particular) impactando no preço de produtos e serviços que sofram consequências da oscilação da moeda americana. Nos últimos meses, a cotação do dólar tem aumentado de forma significativa e alcançado valores recordes, tendo atingido patamar próximo aos R$ 6,00 (seis reais).

Para que o ônus dessa variação cambial não seja suportado somente pela parte contratada, impõe-se a avaliação das hipóteses nas quais seja possível a revisão de tais contratos administrativos com fundamento na variação cambial, para que seja reestabelecido o equilíbrio econômico-financeiro.

O reequilíbrio do contrato administrativo poderá ser pleiteado pela parte interessada com base na Constituição Federal de 1988, artigo 37, inciso XXI, e artigo 65, inciso II, alínea d, da lei 8.666/1993. Para que se justifique o reequilíbrio econômico-financeiro, as alterações de custo deverão ser supervenientes à assinatura do contrato, imprevisíveis, portanto, no ato da assinatura.

Nesse sentido, para que seja cabível o pleito de reequilíbrio econômico-financeiro pelo contratado, conforme entendimento do TRF-4 - apelação cível 5009519-68.2015.404.7200 - exige-se o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: a) elevação dos encargos do particular; b) ocorrência de evento posterior à apresentação da proposta; c) vínculo de causalidade entre o evento ocorrido e a majoração dos encargos da empresa; e d) imprevisibilidade da ocorrência do evento.

Especificamente em relação à variação cambial, há de se ter em mente que, dentro de um regime de câmbio flutuante (como ocorre atualmente no Brasil), é o mercado que fixa, livremente, o valor da taxa de câmbio. Por isso, é natural haver oscilações que devam ser suportadas pelas partes, visto que oscilações usuais são inerentes ao risco da atividade empresarial, não servindo de fundamento para reequilíbrio.

Dessa forma, o TCU, conforme entendimento exposto no acórdão 1431/2017, decidiu que a mera variação de preços ou flutuação cambial não é suficiente para a realização de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, ou seja, não pode ser considerada suficiente para, isoladamente, fundamentar a necessidade de reequilíbrio econômico financeiro do contrato, salvo casos excepcionais.

Assim, entendeu o TCU que, para haver a adequação contratual com base em variação cambial, é necessário que a oscilação imponha onerosidade excessiva a uma das partes e impeça a execução do serviço contratado ou advenha de um fato com consequências incogitáveis. Infere-se que, cumpridas tais condicionantes, a variação cambial possa embasar a aplicação da teoria da imprevisão e a consequente possibilidade de se reestabelecer o equilíbrio financeiro do contrato.

Por fim, a 1º turma do STJ, em 20 de fevereiro de 2018, julgou o REsp 1433434/DF e reconheceu que o incontestável desequilíbrio decorrente de imprevisível variação cambial configura situação econômica extraordinária e extracontratual de que trata o art. 65, II, d, da lei 8.666/93.

Com isso, em tais hipóteses excepcionais, a variação cambial pode, sim, servir de fundamento para que partes contratadas que foram excessivamente oneradas devido à grande oscilação cambial causada pela pandemia realizem pleitos de reequilíbrio de contratos administrativo. Isso com respaldo tanto da legislação aplicável quanto nas jurisprudências apontadas.

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*Fábio de Possídio Egashira é integrante do Trigueiro Fontes Advogados.

*Rodrigo da Fonseca Chauvet é integrante do Trigueiro Fontes Advogados.

*Ivana Eduarda Dias Arantes é integrante do Trigueiro Fontes Advogados.

*Vinícius Loureiro Anselmé é integrante do Trigueiro Fontes Advogados.


Fábio de Possídio Egashira

Advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados.

Rodrigo da Fonseca Chauvet

Sócio advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados.

Ivana Eduarda Dias Arantes

Advogada do escritório Trigueiro Fontes Advogados.

Vinícius Loureiro Anselmé

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