O trabalhador é todo aquele que exerce atividade laboral, com ou sem vínculo jurídico de subordinação. O empregado é a espécie de trabalhador que o faz sob regime de subordinação, habitualidade e a título oneroso. Se o regime é de direito público, temos o trabalhador servidor público. Ouso afirmar que todos os perfis de trabalhadores vêm tendo seus direitos reduzidos, seja por meio de leis, seja por decisões judiciais — e exemplos não faltam.
Em todos os casos, em regra, deve o legislador, o administrador público e o Judiciário, preservar e ampliar o alcance da proteção social. O princípio da proibição do retrocesso social, ou vedação ao retrocesso, é uma garantia constitucional implícita que impede o Estado de revogar ou reduzir direitos sociais já consagrados, sem que haja uma contrapartida equivalente. Em resumo, os direitos sociais, uma vez garantidos, não podem ser desconstituídos ou reduzidos, a menos que haja medidas compensatórias que garantam um nível de proteção equivalente.
1. Precedentes importantes
Há poucos dias, o STF revisitou a legalidade da terceirização do trabalhador na qualidade de pessoa jurídica. Anteriormente, já havia reconhecido a terceirização ao enfrentar o Tema 725. No primeiro julgamento, o STF decidiu que a terceirização de atividades-fim é lícita. Essa decisão, tomada em agosto de 2018, no julgamento conjunto da ADPF 324 e do RE 958.252, alterou o entendimento até então dominante da Justiça do Trabalho, que permitia a terceirização apenas em atividades-meio.
Em 2025, no ARE - Recurso Extraordinário com Agravo 1.532.603, o plenário reconheceu a repercussão geral da matéria (Tema 1.389), que envolve não apenas a validade dos contratos de trabalho via pessoa jurídica, como também a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de suposta fraude e a definição sobre quem deve arcar com o ônus da prova: o trabalhador ou o contratante.
2. Mas o que diferencia um caso do outro?
Muita coisa! O STF, naquela primeira oportunidade, entendeu ser possível a terceirização irrestrita — tanto de atividades-meio quanto de atividades-fim. No caso atual, a questão é a pejotização das atividades, ou seja, a prestação de serviços pelo trabalhador por meio de pessoa jurídica. Isso ocorre, por exemplo, quando um médico que trabalha em determinado hospital não possui com a instituição um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviços (reclamação constitucional 61.115).
Não há obrigações sociais com o prestador de serviço médico. Algo semelhante ocorre na área jurídica, quanto à relação entre advogados e escritórios de advocacia, por meio de contrato (reclamação constitucional 70.223).
As decisões do STF, em ambos os casos, confirmaram a inexistência de relações de trabalho entre os profissionais e as empresas, reformando o entendimento da Justiça do Trabalho e descaracterizando a relação contratual que reconhecia o vínculo empregatício com todas as obrigações trabalhistas. O STF firmou o entendimento de que se tratam de relações de direito privado, reguladas pelo Direito Civil.
O STF também já decidiu pela inexistência de vínculo entre trabalhadores de plataformas digitais e as próprias plataformas. Essas decisões igualmente reformaram o entendimento da Justiça do Trabalho, embora o debate ainda esteja em aberto. A discussão foi provocada pelo ministro Edson Fachin, relator do RE 1.446.336, apresentado pela Uber. O tema foi reconhecido como de repercussão geral (Tema 1.291), o que significa que a tese fixada, quando julgada, deverá ser aplicada a todos os casos semelhantes em tramitação no Judiciário brasileiro.
3. O que muda entre aquela primeira decisão e o que será discutido no Tema 1.389?
Muitas situações. A primeira questão é se cabe à Justiça do Trabalho apreciar os conflitos entre contratados e contratantes, uma vez que, não sendo uma relação de trabalho, a competência recairia sobre a Justiça comum. Outra questão é a aceitação da pejotização como realidade e a possibilidade de um meio-termo entre o trabalho subordinado e a terceirização, por meio da contratação direta do profissional como pessoa jurídica.
Apesar de haver ministros com aparente inclinação em favor dos trabalhadores, como o ministro Edson Fachin, não parece que o Tribunal vá recuar da direção que aponta para a validação da prática da pejotização e, consequentemente, para a gradual redução dos direitos trabalhistas.
Outras decisões nesse mesmo período trataram da situação em que o empregador é pessoa jurídica de direito público. A primeira, contrária ao trabalhador, trata das terceirizações em que o tomador do serviço é a Administração Pública, sendo de responsabilidade do trabalhador comprovar a desídia na fiscalização estatal. A decisão ocorreu no RE 1.298.647, com repercussão geral (Tema 1.118). Outro caso foi sobre a possibilidade de contratação via CLT de servidores públicos (ADIn 2.135), afastando a obrigatoriedade do regime jurídico único nas contratações pelas administrações direta, autárquica e fundacional.
O STF decidiu também contra os trabalhadores no caso do trabalho intermitente (ADIns 5.826, 5.829 e 6.154).
4. O pau que dá em Chico não dá em Francisco
Ainda não sabemos qual rumo o STF tomará, mas parece haver uma tendência clara à validação da pejotização pelo Tribunal.
Quando se trata de crédito pertencente ao Poder Público o STF chega a decidir contra as empresas. O caso, por exemplo, da decisão foi tomada no julgamento de MS 35.506. A maioria da Corte negou o mandado de segurança. A decisão questionada foi proferida pelo TCU no âmbito de tomada de contas especial que apura responsabilidades por indícios de irregularidade no contrato firmado entre a Petrobras e o Consórcio TUC Construções, para a construção da CDPU - Central de Desenvolvimento de Plantas de Utilidade do Comperj - Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro.
Segundo o ministro Lewandowski, a jurisprudência pacificada do STF admite que as cortes de contas, no desempenho regular de suas competências, adotem medidas cautelares diversas, desde que não extrapolem suas atribuições constitucionais. Ele ressaltou, ainda, que a origem pública dos recursos envolvidos justifica que a medida cautelar atinja particulares, e não apenas sobre órgãos ou agentes públicos.
Já para a responsabilidade social em razão da possibilidade de execução pelos créditos trabalhistas propôs o ministro Toffoli, no RE 1.387.795, a repercussão geral do Tema 1.232:
“É permitida a inclusão no polo passivo da execução trabalhista de pessoa jurídica pertencente ao mesmo grupo econômico (art. 2º, §§ 2º e 3º, da CLT) e que não participou da fase de conhecimento, desde que devidamente justificada a pretensão em prévio incidente de desconsideração da pessoa jurídica, nos termos do art. 133 a 137 do CPC, com as modificações do art. 855-A da CLT, devendo ser atendido o requisito do art. 50 do Código Civil (abuso da personalidade jurídica). Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da Reforma Trabalhista de 2017”.
Ainda não foi concluído o julgamento sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Enquanto isso, os processos de todo o país se encontram suspensos.
5. Efeitos da adesão ao GloBE
O que chama atenção é que o Brasil se tornou signatário da OCDE na adoção da tributação mínima de multinacionais. A lei 15.079, de 27/12/24, institui o adicional da CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido como parte da adaptação da legislação brasileira às Regras GloBE - Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária. A norma se aplica a multinacionais com faturamento anual superior a € 750 milhões (cerca de R$ 4,3 bilhões), em pelo menos dois dos quatro anos fiscais imediatamente anteriores ao ano fiscal analisado, garantindo que nenhuma empresa do grupo tenha tributação inferior a 15%.
A responsabilidade do grupo econômico existe para fins tributários, mas não existe para garantir os direitos sociais dos trabalhadores.
6. Acordos coletivos e restrições à proteção social
No Tema 1.046 do STF, que trata da validade de cláusulas em acordos e convenções coletivas que limitam ou restringem direitos trabalhistas não assegurados constitucionalmente, o Tribunal decidiu que tais cláusulas são válidas — desde que não envolvam direitos absolutamente indisponíveis —, prevalecendo sobre a legislação trabalhista (art. 611-A da CLT). As vastas discussões sobre o tema já advertem que não o incentivo à manutenção de postos de trabalho via redução dos direitos sociais é ineficiente.
Também em relação aos impactos da automação a ADO - Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 73, apresentada pela PGR - Procuradoria-Geral da República continua sem ser concluída. O art. 7º, inciso XXVII, da CF/88 lista, entre os direitos dos trabalhadores, a “proteção em face da automação, na forma da lei”. Na ação, a PGR argumenta que não há lei sobre o tema e pede que o STF fixe um prazo razoável para que o Poder Legislativo regulamente esse direito.
7. A reforma tributária e a pejotização
Na reforma tributária, há a previsão de que o trabalhador de plataforma seja enquadrado como nanoempreendedor, ou seja, aquele cuja renda anual é inferior à do microempreendedor individual — até R$ 41.500,00, conforme art. 26, IV, §10, da LC 214/25. Esse enquadramento abrange não só os trabalhadores de plataformas, mas também qualquer outro cuja renda anual corresponda à metade do teto atual do MEI (R$ 81.000,00). O PLP 108/21 pretende aumentar esse limite para R$ 130.000,00. Em todos esses casos, não há vínculo empregatício nem proteção social garantida.
Outro ponto relevante da LC 214/25 é a possibilidade de o tomador de serviços se creditar no IBS/CBS. Todo trabalhador pessoa jurídica, na condição de prestador de serviço, pode ser tributado na operação B2B. Assim, a empresa contratante pode utilizar o valor recolhido de IBS/CBS como crédito, favorecendo a não-cumulatividade. A LC estabelece que IBS e CBS incidem sobre qualquer operação com bens ou serviços, inclusive ativos não circulantes ou operações fora da atividade habitual.
Conclusão
A dinâmica jurídica de fragilização do trabalhador é perversa e avança em todos os âmbitos — Legislativo e Judiciário. Observa-se que, de forma massiva, o STF decide contra os trabalhadores, tornando ainda mais rarefeita a proteção social no Brasil. A reforma tributária reforça essa tendência ao, indiretamente, incentivar a pejotização das cadeias produtivas, com vistas à obtenção de créditos tributários no IBS/CBS.