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Esposa pode ser incluída no plano de previdência após morte do marido?

Há, sim, o direito à suplementação de pensão por morte da esposa, não inscrita como beneficiária pelo ex-participante. A função social da previdência privada, tem seu caráter protetivo à família.

8/5/2025
Renato Otávio da Gama Ferraz

Pense-se, o seguinte exemplo: José era casado com Maria. Ele aderiu a um plano de previdência privada X, com a finalidade de suprir a necessidade de renda adicional, por ocasião de sua aposentadoria ou superveniente incapacidade, bem como da sua esposa por ocasião de sua morte. 

Porém, achando que não era necessário indicar seu cônjuge como beneficiária, já que ela era presumidamente sua dependente e seria mera formalidade, não a indicou como favorecida do plano.

Pergunta: Há direito à suplementação de pensão por morte, da esposa Maria não inscrita como beneficiária pelo ex-participante?

Por outras palavras: Em caso de omissão, com a morte de José é possível incluir Maria como dependente direto no rol de beneficiários? 

Decisão do STJ

Vamos lá. Essa questão chegou no STJ, nos embargos de divergência em agravo em recurso especial 925908-SE, sendo relatora a ministra Nancy Andrighi.

Houve a recusa administrativa da Petros - Fundação Petrobrás de Seguridade Social, em pagar o benefício, após o falecimento do marido, que era participante do plano de previdência privada complementar.

A seguir, uma breve síntese para entender o imbróglio.

Sentença

Foi julgado procedente o pedido, para condenar a fundação Petros ao pagamento da suplementação de pensão por morte, desde a data do óbito do participante.

Acórdão paradigma

O TJ/SE negou provimento à apelação interposta pela Petros, nos termos da seguinte ementa:

“Apelação cível. previdência privada. Petros. Morte do segurado. Cônjuge. Direito ao benefício. Ausência de inscrição consoante regulamento da entidade de previdência privada. mera formalidade. Ônus sucumbencial invertido. Recurso improvido. Não obsta o direito ao recebimento da pensão por morte, por se tratar de mera formalidade, a falta da inscrição do cônjuge virago como beneficiária do ex-participante, diante do caráter social e da finalidade da previdência privada e, ainda, em virtude da norma constitucional que protege a família. Recurso improvido. Decisão unânime”

Recurso especial:

O agravo em recurso especial foi conhecido pela 4ª turma para dar provimento ao recurso especial, julgando improcedente o pedido formulado na petição inicial, conforme a ementa:

"Agravo interno. Agravo em recurso especial. Previdência privada. Complementação de pensão por morte. Esposa impossibilidade. Resolução Petros 49/1997. Inscrição. Dependente. ausência. Prévia fonte de custeio. Desequilíbrio atuarial. Decisão. Apreciação. Colegiado. Nulidade. Ausência"

Embargos de divergência

Foi mostrado dissídio jurisprudencial entre o acórdão embargado e o entendimento adotado pela 3ª turma no AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1.699.256/GO e no REsp 1.715.485/RN, sustentando que o benefício de suplementação de pensão por morte deve ser deferido em favor da ex-companheira/esposa do participante, mesmo que este não a tenha designado como beneficiária.

Os embargos de divergência foram indeferidos liminarmente.

Agravo interno

A decisão, no agravo interno, foi reconsiderada, pelo STJ, conhecendo e dando provimento aos embargos de divergência para restabelecer o acórdão do TJ/SE, o qual, por sua vez, manteve integralmente a sentença de procedência do pedido da autora. Vejamos a ementa:

"Embargos de divergência no agravo em recurso especial. Ação de concessão de suplementação de pensão por morte. Esposa não indicada como beneficiária pelo ex-participante. Dependência econômica presumida"

1. Ação de concessão de suplementação de pensão por morte.

2. O propósito recursal é dirimir divergência jurisprudencial acerca do direito à suplementação de pensão por morte da esposa não inscrita como beneficiária pelo ex-participante.

3. A previdência privada, qualificada pela doutrina como um braço da seguridade social e negócio jurídico privado concretizador dos ideais constitucionais de solidariedade e justiça social, tem como finalidade suprir a necessidade de renda adicional do participante, por ocasião de sua aposentadoria ou superveniente incapacidade, bem como dos seus beneficiários, por ocasião de sua morte.

4. No que tange aos beneficiários, a função social do contrato previdenciário se cumpre a partir da concessão de benefício a quem o legislador presume depender economicamente do participante falecido, como, aliás, estabelece o art. 16, I e § 4º, da lei 8.213/1991.

5. Em atenção à função social do contrato previdenciário, mas sem descurar da necessidade de manutenção do equilíbrio do plano de custeio, deve ser admitida a inclusão posterior do dependente direto como beneficiário do ex-participante, desde que isso não acarrete prejuízo ao fundo de pensão.

6. Hipótese em que o contexto delineado pelas instâncias de origem, que registra a ausência de prejuízo ao fundo de pensão, aliado ao fato de que não há sequer menção à juntada nos autos de cálculos atuariais que, eventualmente, comprovem o contrário, revelam ser indevida a recusa da Petros de inclusão da esposa no rol de beneficiários, considerando a sua presumida dependência econômica do participante falecido.

7. Embargos de divergência conhecidos e providos.

Natureza jurídica da previdência privada complementar

Em primeiro lugar, portanto, há que se estabelecer a natureza jurídica da previdência privada.

Este é um ponto relevante. Em consequência, a previdência privada complementar é espécie da seguridade social. 

Logo, é direito fundamental social, de 2ª geração ou dimensão, visando dar efetividade aos objetivos da República de construir uma sociedade solidária e justa.

Mais: É negócio jurídico privado. Porém, vale recordar que apesar do caráter contratual e autônomo a previdência complementar não perde o seu caráter social pelo só fato de decorrer de avença firmada entre particulares, nos termos do art. 202, caput, da Constituição da República.

Uma coisa importante: A previdência privada tem como finalidade suprir a necessidade de renda adicional do participante, por ocasião de sua aposentadoria ou superveniente incapacidade, bem como dos seus beneficiários, por ocasião de sua morte

Função social do contrato previdenciário e proteção à família

Na faculdade de direito, infelizmente, com o ensino acrítico, fala-se em pacto sunt servanda, em autonomia da vontade, em liberdade para contratar, que ninguém é obrigado a contratar, sem nenhuma reflexão e consciência crítica.

Há exceções, certamente.

Parece que estamos no século 18, no velho liberalismo de Adam Smith, onde a mão invisível vai harmonizar os interesses de todos.

Logo, o pacto sunt servanda é, sim, um faz-de-conta…!

O Código Civil Brasileiro, em seu art. 421, estabelece que a liberdade de contratar deve ser exercida dentro dos limites da função social do contrato.

Isso significa que, ao estabelecer uma relação contratual, as partes devem considerar não apenas seus próprios interesses, mas também o impacto que suas cláusulas terão sobre a sociedade como um todo.

A rigor, então, não se pode esquecer da função social do contrato previdenciário, onde implica que as cláusulas não podem ser desproporcionais ou desleais, colocando o participante em uma posição de extrema desvantagem, por uma mera formalidade.

É preciso destacar que previdência complementar, em caso de óbito do participante do plano, tem função de amparar à família, que, aliás, é protegida pela Constituição garantindo, assim, seu bem-estar. 

De outro modo: o aspecto social da previdência privada jamais pode ser esquecido em prejuízo do regulamento do fundo de pensão, uma vez que, é de uma obviedade óbvia, de que a finalidade da pensão por morte e', exatamente, proteger à família, que é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado. (art. 226, CF)

Dependência presumida do cônjuge como beneficiária

Entendeu o STJ: “o que tange aos beneficiários, a função social do contrato previdenciário se cumpre a partir da concessão de benefício a quem o legislador presume depender economicamente do participante falecido, como, aliás, estabelece o art. 16, I e § 4º, da lei 8.213/1991”

Obrigatoriedade da juntado dos cálculos atuarias

É muito comum os fundos de pensão alegarem que acarreta prejuízo a inclusão de dependente, após a morte do ex-participante.

Não obstante, não basta falar. Tem que provar através de cálculos atuariais, não é? A propósito, nos termos do art. 336 do CPC:

“Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir”

O art. 373, II, do CPC, aduz que o “ônus da prova incumbe ao réu, quanto, à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo de direito”

Sentença equivocada do TJ/RJ

Apesar do STJ ter pacificado a questão, em 2024, do direito à suplementação de pensão por morte da esposa, não inscrita como beneficiária pelo ex-participante, recentemente, em 15/4/25, na Comarca da Capital-RJ, para surpresa e perplexidade, o juízo fundamentou a sentença assim.

“Conforme entendimento reiterado do TJ/RJ, o pagamento de benefício previdenciário complementar a pessoa não indicada como dependente viola o art. 202 da Constituição, por ausência de formação da respectiva fonte de custeio, podendo inclusive comprometer o equilíbrio atuarial do plano”

“Dessa forma, considerando a ausência de designação formal da autora como beneficiária e a inexistência de comprovação de manifestação de vontade nesse sentido por parte do participante, não há respaldo legal ou contratual para acolher os pedidos iniciais”, diz a sentença.

Ou seja, não houve observância da decisão do STJ. Em outras palavras: o juízo entendeu não seguir jurisprudência do Tribunal da Cidadania.

Aí reside o problema: o sistema de justiça é fragmentado. Cada cabeça uma jurisprudência. Não há uniformização dos julgados.

Tudo isso - atenção! - acaba gerando insegurança jurídica e mais recursos; pois as decisões não são coerentes.

Por fim, cabia ao magistrado do 1º grau demonstrar no julgamento se aplicaria ou não o precedente invocado pela parte.

Porém, não o fez!

Por isso que o art. 489, § 1º, VI, do CPC, diz que será considerada sem fundamentação a decisão que:

“deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento"

Além do que, dispõe o art. 1022, parágrafo único, II, do CPC: Considera-se omissa a decisão que incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.

Em consequência houve negativa de prestação jurisdicional!

Conclusão

O STJ acertou. Sua decisão vai impactar , no dia a dia, em outros casos semelhantes, trazendo à segurança jurídica, à igualdade, à coerência e à confiança.

Em consequência, há o direito à suplementação de pensão por morte da esposa, não inscrita como beneficiária pelo ex-participante.

Existindo, a presunção de dependência da esposa em relação ao finado cônjuge.

A função social da previdência privada, tem seu caráter protetivo à família, que é um aspecto constitucional extremamente relevante e muitas vezes negligenciado.

À vista disso, os tribunais devem uniformizar a sua jurisprudência e mantê-la estável, integra e coerente (art. 926, do CPC), permitindo a inclusão de dependente após o óbito do participante, no plano de segurança privada complementar; e, assim, observando a decisão do STJ.

Pergunta: Por que os tribunais não cumprem o art. 926 do CPC? Será o decido de acordo com o "livre convencimento"?

A harmonização dos julgados é fundamental no Estado Democrático de Direito.

Caso contrário, ficará uma esquizofrenia jurídica; o que, aliás, é incompatível com a democracia. 

Renato Otávio da Gama Ferraz

Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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