1. Introdução
O sistema político-eleitoral brasileiro é fundamentado na representação proporcional, o que realça o papel dos partidos políticos. Nesse contexto, os mandatos são vistos como pertencentes ao partido e não ao candidato eleito. Surgiu, assim, a federação partidária, uma alternativa pensada para apoiar partidos com menor representatividade na superação da cláusula de barreira. Contudo, esta solução também trouxe à tona dilemas jurídicos complexos, especialmente quando parlamentares eleitos são compelidos a se alinharem a essa nova estrutura.
2. Federação partidária: A discrepância entre a intenção e a prática
Embora a federação partidária tivesse como objetivo fortalecer institucionalmente os pequenos partidos diante da cláusula de desempenho da EC 97/17, a aplicação prática mostrou uma real discrepância em relação à intenção.
O estabelecimento da federação entre União Brasil e progressistas, denominada "União Progressista", exemplifica um desvio do que era inicialmente proposto. Essa federação contempla 109 deputados Federais, 6 governadores, 14 senadores e cerca de 1.330 prefeitos, além de garantir acesso a aproximadamente um bilhão de reais do fundo partidário.
A par disso, não se pode olvidar a possibilidade de incorporação do republicanos, que teria o condão de ampliar, ainda mais, o poder desta “superfederação”, que passaria a contar com 153 deputados Federais, 18 senadores e 1700 prefeitos, e, empiricamente, teria o controle substancial da máquina política brasileira, da base municipal ao Legislativo Federal.
Portanto, em vez de garantir a sobrevivência de partidos menores, a união concentra recursos e poder em estruturas partidárias já consolidadas.
Essa incongruência exige uma reflexão crítica sobre a regulamentação das federações partidárias, especialmente no que tange aos limites de sua formação e aos mecanismos de controle que evitem seu uso indevido.
A falta de critérios legais claros para avaliar a legitimidade das federações, aliada à ambiguidade sobre seus efeitos na fidelidade partidária, gera incerteza normativa para os detentores de mandato e compromete os fundamentos da democracia representativa.
3. Insegurança jurídica e fidelidade partidária
A fidelidade partidária, embora não explicitamente mencionada na CF/88, foi reconhecida pelo STF e regulamentada pelo art. 22-A da lei dos partidos políticos, que estipula situações de justa causa para desfiliação.
Malgrado a manutenção da fidelidade seja essencial para estabilidade institucional e a preservação da vontade popular, a falta de regulamentação uniforme gera decisões judiciais inconsistentes, especialmente em transformações como fusões e incorporações.
Este artigo estabelece situações de justa causa para desfiliação, como "mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário" e "grave discriminação política pessoal".
4. Justiça e a incerteza das federações
A formação obrigatória de federações por parlamentares cria divergências sobre a legitimidade da permanência ou desfiliação sem perda de mandato. O TSE, em 4/6/24, na consulta 0600167-56.2023.6.00.0000, decidiu que a federação, por si só, não configura uma justa causa.
A Corte, por maioria, entendeu que a justificativa para a desfiliação ocorre somente na presença de inviabilidade ideológica ou discriminação política interna evidenciada. No entanto, houve discordâncias significativas, como as apresentadas pelos ministros Raul Araújo e Dias Toffoli, que argumentaram sobre a ruptura que a federação impõe à identidade dos partidos.
5. A mudança substancial do programa partidário nas federações
A justificativa principal da justa causa encontra-se na alteração do programa partidário original em relação ao novo foco comum dos partidos federados, sinalizando uma transformação significativa.
Em prática, a necessidade de um programa comum acentua a mudança substancial. A atuação das federações, que impõe regras rígidas para o estabelecimento de listas proporcionais, reduz a autonomia interna dos partidos, o que pode ser visto como uma ruptura para parlamentares com ideologias definidas.
6. A oscilação na jurisprudência e insegurança jurídica
A instabilidade na interpretação da fidelidade partidária, com variações influenciadas por contextos políticos e a composição dos tribunais, agrava a insegurança jurídica.
Este modelo federativo, carecendo de precedentes na jurisprudência, ainda passa por um tratamento inicial e contraditório nos tribunais. As incertezas sobre a manutenção de mandatos em caso de desfiliação após a constituição de uma federação prejudicam a segurança dos mandatários, que ficam sujeitos a interpretações ambíguas.
7. Considerações finais
A falta de consenso sobre os efeitos da federação partidária revela uma disfunção crítica no sistema jurídico-eleitoral brasileiro. Não obstante a federação potencialmente ofereça estabilidade entre partidos, também altera substancialmente a identidade política das legendas, justificando em algumas situações a desfiliação por justa causa.
É imprescindível que o TSE desenvolva critérios objetivos para abordar essa temática, superando a tensão entre formalismo normativo e complexidades políticas. Uma jurisprudência sólida, que respeite os direitos políticos dos elegidos e o princípio da soberania popular, é crucial para a preservação da democracia e a legitimidade do sistema proporcional.
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1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm .Acesso em: 29 de abril de 2025.
2 BRASIL. Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9096.htm . Acesso em: 29 de abril de 2025.
3 BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm . Acesso em: 29 de abril de 2025.
4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 26.603. Impetrante: DEMOCRATAS. Relatora: Min. Cármen Lúcia. Distrito Federal, Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2514122 . Acesso em: 30 de abril de 2025.
5 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta 0600167-56.2023.6.00.0000. Disponível em: https://consultaunificadapje.tse.jus.br/consulta-publica-unificada/documento?extensaoArquivo=text/html&path=tse/2024/10/1/11/32/41/f7ac1e467fefe897705df77a4d92feeef780abdafb1dfb1e6e62052823960caa . Acesso em 30 de abril de 2025.
6 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. São Paulo: Atlas, 2024.
7 MEDEIROS, Marcilio Nunes. Legislação Eleitoral Comentada e Anotada artigo por artigo. 4. ed., rev., atual. e apl. – São Paulo: Editora JusPodivim, 2024.