A reportagem publicada pela Folha de S.Paulo no último domingo, 4, ao afirmar que juízes recebem “supersalários” equivalentes ao orçamento de cidades pobres, não presta um serviço à informação. Presta, sim, um desserviço à democracia, ao alimentar narrativas que deslegitimam a magistratura e enfraquecem as instituições que sustentam o Estado de Direito.
Não existe “supersalário” quando se observam os fatos com seriedade. A remuneração dos juízes segue o teto constitucional, e os valores que o ultrapassam referem-se a verbas indenizatórias, como reconhecido pelo CNJ. Estamos falando de compensações legais por férias não usufruídas, substituições, plantões e atrasos no pagamento de direitos já reconhecidos. Nenhum centavo é escondido: tudo é público e auditável.
Criar manchetes que jogam a opinião pública contra os juízes é um recurso fácil — e perigoso. Alimentar o ressentimento social contra uma carreira essencial à democracia pode até render cliques, mas custa caro ao país. Juízes não têm direito à greve, não podem advogar, não acumulam cargos, não recebem hora extra, vivem sob intensa carga de trabalho e, muitas vezes, sob ameaça.
E, ao contrário do que se tenta fazer crer, a magistratura brasileira não é uma ilha de privilégios. O que se busca com a valorização da carreira é, justamente, garantir que ela permaneça atrativa para os quadros mais qualificados, capaz de resistir a pressões externas e manter sua independência.
Comparar pontualmente verbas indenizatórias de um magistrado com o orçamento de municípios em crise não é argumento — é retórica populista. Se o problema é a pobreza dos municípios, que se discuta o pacto federativo, o modelo de arrecadação, a política de repasses. Não se resolverá a injustiça social promovendo o linchamento público de quem exerce função de Estado com responsabilidade e sacrifício.
A magistratura não se opõe a nenhuma outra carreira pública. Pelo contrário: reconhecemos o valor de todos os servidores que constroem o Brasil real. Mas também exigimos respeito. Não aceitaremos ser transformados em alvo fácil de campanhas que distorcem a verdade e enfraquecem pilares institucionais.
Quando um juiz é atacado injustamente, é a Justiça que sangra. E, quando a Justiça sangra, a democracia está em risco.