O ITBI - Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis tem sido palco de acalorados debates no âmbito do Poder Judiciário pátrio, notadamente no que tange à existência de uma alíquota máxima constitucionalmente admissível. A celeuma reside na recepção do art. 1º, inciso II, da resolução do Senado Federal 99/1981 pela Constituição da República de 1988 e no eventual limite que tal norma imporia ao poder de tributar dos municípios e do Distrito Federal.
A supra-mencionada resolução estabelece a alíquota máxima de 2% para as transmissões a título oneroso, realizadas fora do Sistema Financeiro da Habitação. Os contribuintes aduzem que, ao versar sobre limitações ao poder de tributar, a referida resolução teria sido recepcionada como norma complementar, nos termos do art. 146, inciso II, da Carta Magna, atuando como instrumento de controle da função confiscatória dos tributos, prática vedada pelo art. 150, inciso IV, do texto constitucional.
A jurisprudência, contudo, tem se mostrado majoritariamente refratária a essa tese. A 1ª turma do STF, no julgamento do ARE 1.479.224/SP, firmou o entendimento de que a resolução 99/1981 foi recepcionada tão somente no que concerne ao Imposto sobre a ITCMD - Transmissão Causa Mortis e Doação, imposto de competência estadual, e não ao ITBI, cuja competência é municipal. Ademais, assentou que o exame do caráter confiscatório da alíquota demandaria o reexame de provas, providência vedada pelo enunciado da súmula 279/STF.
Não obstante, a referida decisão não enfrentou de maneira adequada os fundamentos da tese esposada pelos contribuintes. O acórdão se limitou a invocar precedente (AI 168.967/RS) que tratava do ITCMD, não abordando diretamente a questão da limitação do ITBI. Verifica-se, portanto, um déficit argumentativo no enfrentamento da tese de recepção da resolução 99/1981 como norma complementar limitadora da alíquota do ITBI.
Em contrapartida, decisões recentes do TJ/SC sinalizam uma possível inflexão. A 4ª Câmara de Direito Público do TJ/SC reconheceu a inconstitucionalidade da progressividade do ITBI em Balneário Piçarras e declarou a aplicabilidade da alíquota máxima de 2% prevista na Resolução 99/1981, enquanto não editada nova norma municipal em conformidade com a legislação vigente. Trata-se de importante precedente que, ainda que monocrático, robustece a tese da recepção da norma como mecanismo de contenção da tributação confiscatória.
Ademais, há municípios, como Rio Bom/PR, que reconhecem expressamente o limite de 2% em suas legislações locais, conferindo força normativa à resolução do Senado e revelando uma interpretação favorável à sua recepção pela Constituição de 1988. Tal postura demonstra uma sensibilidade à necessidade de proteger o contribuinte de eventuais excessos na tributação.
O tema em questão também impõe uma reflexão acerca do direito fundamental à moradia, previsto no art. 6º da Constituição Federal. O aumento expressivo das alíquotas de ITBI nas últimas décadas compromete sobremaneira o acesso à casa própria, especialmente nos grandes centros urbanos. O tributo, que já ostentou alíquota máxima de 1%, conforme o ato complementar 27/1966, hoje ultrapassa esse patamar em diversos municípios, alcançando, em alguns casos, patamares superiores a 3%.
Nesse contexto, o reconhecimento da vigência da alíquota máxima prevista na resolução 99/1981 pode representar uma via eficaz de controle da carga tributária excessiva e de promoção da justiça fiscal. Mais do que uma discussão técnico-jurídica, trata-se de uma questão que envolve garantias fundamentais, segurança jurídica e a imperiosa necessidade de contenção de abusos na tributação patrimonial.
À luz do princípio da legalidade, da vedação ao confisco e da reserva de lei complementar para dispor sobre limitações ao poder de tributar, a tese de recepção da resolução 99/1981 merece ser reavaliada com maior profundidade, quiçá pelo Plenário do STF. O controle das alíquotas do ITBI é medida que se impõe para equilibrar a autonomia municipal com os direitos fundamentais dos contribuintes, especialmente no que concerne à moradia digna e à capacidade contributiva. A busca por esse equilíbrio é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e equânime.