Agências reguladoras são entidades do Poder Executivo criadas como ilhas de expertise. Suas leis de criação lhes asseguram autonomia financeira e decisória, blindagem política e amplo poder normativo. Tudo para bem regular o segmento econômico-social que lhes foi cometido.
Em um Estado Democrático de Direito, as agências submetem-se a controles, inclusive sobre a sua competência para edição de normas. Há limites e procedimentos. Por exemplo, o STF já decidiu (como na ADIn 5.906) que as agências não possuem poder normativo primário: elas só podem editar normas quando exista prévia delegação e definição de balizas mínimas pelo legislador. Já a lei 13.848/19 (a lei geral da agências reguladoras Federais) determinou em seu art. 9º que: “Serão objeto de consulta pública (...) as minutas e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados”.
O dispositivo parametriza o dever de realização de CPs - consultas públicas pelas agências, antes regulado de modo esparso em suas leis de criação. Traz exigências de ordem pública, cuja inobservância vicia eventual norma que venha a ser editada.
Apesar disso, algumas situações podem comprometer o cumprimento dos requisitos legais, e merecem um olhar mais atento pela comunidade jurídica. Listam-se quatro.
A primeira é uma espécie de by-pass temporal. A lei 13.848/19 exige o mínimo de 45 dias para que os interessados analisem o conteúdo da proposta normativa e ofereçam suas contribuições. Mas a suficiência desse prazo deverá ser aferida caso a caso. Se,.e.g., o conteúdo sob consulta for por demais complexo, se envolver vários atos normativos ao mesmo tempo ou se coincidir com longos períodos de feriados, o prazo mínimo legal de 45 dias pode ser insuficiente para garantir a participação social efetiva.
A segunda situação tem de ver com a transparência. A lei é clara quando estabelece que todo o acervo documental utilizado pela agência para estruturar sua proposição deve ser disponibilizado – salvo dados sigilosos, devidamente justificados. Quando isso não acontecer, e os interessados precisarem formular pedido de acesso às informações no curso da CP, cabe à agência estender proporcionalmente a sua duração.
A terceira diz respeito à fundamentação. Tão importante quanto a disponibilização dos documentos, é a devida exposição dos motivos de fato e de direito que levaram a agência a propor o ato normativo. Sem essas razões – que são obrigatórias, conforme a lei 9.784/1999 e a lei de introdução às normas do Direito brasileiro –, os interessados ficam igualmente prejudicados em seu direito de participar do processo regulatório.
A quarta situação remete a delegações internas. São hipóteses em que a proposta de ato normativo prevê que a matéria ou aspectos dela serão tratados em atos diversos e futuros da agência – como portarias ou instruções, não sujeitas a consulta pública. Nada impede que aspectos da burocracia estatal, de efeitos internos, sejam disciplinados por esses veículos. O problema é quando a proposta de ato normativo delega a essas vias assuntos com impacto direto sobre os agentes regulados. A delegação não pode ser via para a superação indevida de obrigações legais de motivação e participação social.
Esses quatro desvios maculam o processo decisório das agências e contaminam as normas que dele resultarem. Daí o papel fundamental que o Poder Judiciário pode (e deve) exercer, como uma espécie de curador da legitimidade desses procedimentos. Esse papel foi exercido em relação aos processos sancionadores: nos primeiros anos de instituição das agências, diversas penalidades foram anuladas por violações ao devido processo legal. Aos poucos, as agências aprimoraram suas práticas para oportunizar as garantias processuais dos administrados. Trata-se de um caminho de diálogo institucional que, também no campo dos processos regulatórios normativos, pode conferir maior efetividade no direito da sociedade à participação e contribuir para a legitimação da atuação das agências.