Mesmo não sendo novidade, a proposta de lei 2.481/22, que visa modernizar e unificar o processo administrativo, ampliando a sua aplicação para todas as esferas sancionatórias da Administração Pública, incluindo, além dos processos federais, os estaduais, municipais e do Distrito Federal, trará potenciais benefícios, são só para cidadãos que lidam com a administração pública, mas para advogados, empresas e servidores públicos, que precisam, diariamente, lidar com a burocracia pública brasileira.
Talvez a alteração mais significativa introduzida pelo referido projeto, seja justamente a ampliação da lei geral de processo administrativo aos demais órgãos públicos diretos e indiretos, estaduais, municipais e do Distrito Federal, Ministérios Públicos e Tribunais de Contas, à luz do art. 1º da lei 9.784/1999, "Esta Lei institui normas gerais de processo administrativo e de procedimentos em matéria processual administrativa, sendo aplicável à Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios". Além disso, o § 1º do mesmo artigo estabelece que "As normas gerais previstas nesta lei se aplicam no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, em todos os níveis federativos".
Essa mudança é de extrema relevência, pois, historicamente, o Direito Administrativo no Brasil caracteriza-se por ser um segmento fragmentado e muito descentralizado, regido por diversas leis locais, decretos e portarias regulamentadoras que mudam de estado para estado e de município para município, fatos estes que eleva a complexidade de atuação do próprio advogado regulatório ou qualquer outro interessado em tratar alguma demanda com a administração pública.
Como dito, essa fragmentação legislativa representa um desafio para a atuação profissional em âmbito nacional, uma vez que cada região possui sua própria regulamentação acerca de prazos e procedimentos sancionatórios ou reguladores, não existindo algum “Código de Processo Administrativo” aplicável em âmbito nacional.
Nesse contexto, a uniformização e ampliação propostas no projeto de 2.481/22 tem por objetivo consolidar as regras processuais disciplinadas pela lei 9.784/1999 aos demais órgãos da administração pública, que não sejam exclusivamente da Administração Pública Federal, configurando um avanço significativo para o interesse público e para o desenvolvimento do Direito Administrativo e Regulatório no ordenamento jurídico brasileiro no âmbito das demais administrações públicas que não sejam federais.
Outro ponto de destaque no projeto de lei é a determinação contida no art. 69-B, que estabelece que todos os prazos processuais serão contados em dias úteis, prevalecendo inclusive sobre legislações locais que prevejam a contagem em dias corridos.
O texto proposto para o artigo é claro: "Art. 69-B. Os prazos processuais serão contados em dias úteis, ainda quando houver menção expressa em dias".
A uniformização abrange, ainda, a prescrição dos atos, com fundamento no art. 68-J do projeto, disciplinando que a prescrição será de cinco anos a contar da data da prática do ato ou, em caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado tal ato.
Além disso, o § 1º do art. 68-J introduz a figura da prescrição intercorrente no processo administrativo sancionador paralisado sem justa causa por mais de 2 (dois) anos, pendente de providência, despacho ou julgamento: “Art. 68-J Prescreve em cinco anos a ação punitiva da atividade administrativa e controladora, objetivando apurar infração administrativa, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado: §1º Incide a prescrição intercorrente no processo administrativo sancionador paralisado sem justa causa por mais de 2 (dois) anos, pendente de providência, despacho ou julgamento, a cargo do órgão de instrução ou de julgamento competente.”
Atualmente, a questão da prescrição do ato punitivo e da prescrição intercorrente no âmbito das administrações que não são da esfera Federal é frequentemente resolvida pela aplicação analógica do art. 1º do decreto federal 20.910/1932, em conjunto com o art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, e o art. 4º do decreto lei 4.657/1942 (LINDB). Decisões do STJ e do STF, como nos recursos especiais RESP 1138206/RS (Relator min. Luiz Fux) e RE 636886 (Relator min. Alexandre de Moraes), já aplicam, por analogia, o entendimento de que é inviável a permanência infinita de atos persecutórios do Estado e a conclusão de processos em prazo desarrazoado, à luz dos princípios da eficiência, moralidade e razoabilidade. O próprio STJ e o STF já aplicam a lei federal 9.784/1999 subsidiariamente aos municípios, Estados e Distrito Federal quando houver omissão ou divergência em relação à norma federal, conforme a súmula 633 do STJ.
A proposta de uniformização dos parâmetros processuais é fundamental para a garantia dos direitos dos administrados nas suas relações com a Administração Pública brasileira e seus órgãos de controle. A morosidade e a dificuldade de acesso aos autos e de exercício tempestivo do contraditório, agravadas pela diversidade de prazos e procedimentos em cada localidade, representam obstáculos significativos para os cidadãos. Ao uniformizar a contagem de prazos, o legislador contribui para a celeridade dos trabalhos administrativos. A possibilidade de mediação entre a Administração e o particular, outra novidade mencionada no estudo, demonstra uma preocupação em buscar soluções consensuais que atendam efetivamente ao interesse público. Muitas vezes, a aplicação de multas desproporcionais e desarrazoadas não alcança o interesse público e pode comprometer a saúde financeira dos fornecedores de serviços e produtos.
O PL 2.481/22, já aprovado em dois turnos pela CTIADMTR - Comissão Temporária para Exame de Projetos de Reforma dos Processos Administrativo e Tributário Nacional e em trâmite para análise na Câmara dos Deputados, representa um marco potencial na modernização e unificação do processo administrativo no Brasil.
A uniformização da contagem de prazos e da prescrição, bem como a ampliação da aplicabilidade da lei 9.784/1999 a todas as esferas da federação, atendem a uma demanda histórica por maior segurança jurídica e eficiência.
Embora haja a probabilidade de recursos e análise pelo Plenário, a aprovação do projeto, inclusive na forma do substitutivo do senador Efraim Filho (União/PB) que o denomina "Estatuto Nacional de Uniformização do Processo Administrativo", consolidará avanços já sinalizados pela jurisprudência dos tribunais superiores em aplicar a lei federal 9.784/1999 subsidiariamente aos municípios, Estados e Distrito Federal, quando as suas respectivas normas locais forem omissas ou divergentes à norma federal (súmula STJ 633).
Assim, a expectativa em torno da análise dos anteprojetos pela Comissão Temporária Interna sinaliza a iminência de uma reforma legal profunda. Essa mudança promete simplificar e uniformizar os procedimentos administrativos em todo o Brasil, beneficiando diretamente a administração pública (direta e indireta, federal, estadual, municipal e do Distrito Federal) e as empresas administradas/reguladas, pois estaremos diante de um possível "Código de Processo Administrativo", uma legislação essencial que há anos deveria fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro.