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Plano de saúde cobre congelamento de óvulos?

Congelar óvulos é mais do que um desejo pessoal - em muitos casos, é uma necessidade médica urgente.

9/7/2025
Gutemberg do Monte Amorim

Um direito silencioso, mas poderoso

Congelar óvulos é mais do que um desejo pessoal - em muitos casos, é uma necessidade médica urgente. Mulheres diagnosticadas com câncer, endometriose ou que precisam adiar a maternidade por tratamento de saúde enfrentam não só o desafio clínico, mas também o jurídico: o plano de saúde pode se recusar a custear o procedimento. Este artigo mostra que a resposta nem sempre é “não” - e que o Direito pode ser um aliado fundamental.

O que é congelamento de óvulos e por que ele é tão relevante?

O congelamento de óvulos (ou criopreservação) é um método de preservação da fertilidade que consiste em coletar os óvulos e armazená-los em nitrogênio líquido, a -196ºC. O procedimento é indicado principalmente para:

Quando o plano de saúde é obrigado a cobrir o congelamento de óvulos?

Apesar de a fertilização in vitro não ter cobertura obrigatória segundo a ANS, o congelamento de óvulos não é sinônimo de reprodução assistida em todos os casos.

Quando há indicação médica para preservar a fertilidade, o congelamento se enquadra como tratamento preventivo.

Fundamento legal:

Jurisprudência-chave (2025):

“A criopreservação de óvulos é, no caso dos autos, medida preventiva da infertilidade. […] Inaplicável o Tema 1067 do STJ, pois a paciente era fértil. […] Demanda julgada procedente.”

(TJ/SP, Apelação Cível: 1008502-47.2024.8.26.0008, julgado em 13/1/2025)

Casos típicos em que a Justiça garante o direito

1. Mulheres com endometriose profunda

2. Pacientes oncológicas

3. Homens em tratamento contra câncer

Quais documentos são necessários para pedir o procedimento ao plano?

Ter a documentação adequada é crucial para acelerar o pedido - e também para embasar uma possível ação judicial. Veja o checklist:

Checklist de documentação

E se o plano negar o congelamento de óvulos?

Negativas administrativas são comuns, mas não são definitivas.

O que fazer na negativa:

  1. Solicite a recusa por escrito;
  2. Guarde os documentos médicos e a prescrição do procedimento;
  3. Consulte um advogado especialista em Direito à Saúde;
  4. É possível ingressar com ação judicial com pedido de liminar.

Liminar: o tempo é essencial

Em casos como tratamentos oncológicos, a liminar permite realizar o procedimento imediatamente, evitando prejuízos irreversíveis.

Ação judicial para custeio de congelamento: como funciona?

A ação é uma obrigação de fazer, com pedido de tutela de urgência. A petição destaca que:

Diferença entre congelamento e fertilização assistida

Importante:

Congelamento de óvulos x Fertilização in vitro: entenda a diferença jurídica e por que isso muda tudo

Ao discutir a cobertura do plano de saúde, é essencial distinguir três procedimentos com finalidades distintas:

1. FIV - Fertilização in vitro

É o processo laboratorial em que os óvulos e espermatozoides são fertilizados fora do corpo, formando embriões que são, então, transferidos ao útero.

Entendimento do STJ (Tema 1.067 - Recurso Repetitivo):

“Salvo disposição contratual expressa, os planos de saúde não são obrigados a custear a fertilização in vitro.”

(STJ - Tema 1.067, julgado em 15/10/2021)

A decisão baseou-se na lei 9.656/98, que exclui expressamente técnicas de reprodução assistida como obrigação de cobertura, e nas resoluções ANS 192/09 e 428/17, que deixam claro que a inseminação e a FIV não são obrigatórias, salvo se contratualmente previstas.

2. Inseminação artificial

É o procedimento mais simples, em que o sêmen é introduzido diretamente no útero. Também está excluído da cobertura mínima obrigatória pela mesma base legal acima.

3. Congelamento de óvulos ou espermatozoides (criopreservação)

É a coleta e armazenamento dos gametas para uso futuro, antes que um tratamento médico comprometa a fertilidade.

Aqui está a diferença crucial:

Quando indicado por necessidade médica preventiva (por exemplo, antes de cirurgia para endometriose ou tratamento oncológico), o congelamento não se confunde com reprodução assistida, mas sim com medida de preservação da saúde reprodutiva.

Jurisprudência recente e favorável ao consumidor

Caso 1 - Endometriose profunda

“O congelamento de óvulos, no caso, não é técnica de reprodução assistida, mas sim medida preventiva diante do risco de infertilidade causado por cirurgia.”

TJ/SP, apelação cível 1008502-47.2024.8.26.0008, julgado em 13/1/2025

Caso 2 - Câncer (linfoma não-Hodgkin)

“Medida que visa preservar a fertilidade da paciente, que poderá ser afetada com o início da quimioterapia. […] O procedimento de congelamento de óvulos não se equipara à inseminação artificial.”

TJ/PR, recurso inominado 0018499-66.2023.8.16.0014, julgado em 5/3/2024

Base legal reforçada pela lei 14.454/22, que estabeleceu que o rol da ANS é apenas referência mínima, e não exaustiva.

Por que a diferenciação é vital?

Atenção estratégica:

Se o relatório médico demonstrar que a paciente ainda é fértil, mas pode perder essa condição com o avanço da doença ou com o tratamento, então a criopreservação é uma extensão do tratamento - e não do planejamento familiar.

Essa distinção muda completamente o enquadramento jurídico e legitima a exigência de cobertura pelo plano de saúde.

Passo a passo: como solicitar o congelamento de óvulos ou esperma pelo plano de saúde

Nem sempre o plano informa seus direitos com clareza. Por isso, siga este roteiro completo para proteger sua saúde e seus direitos.

1. Converse com seu médico assistente

O primeiro passo é conversar com o médico que acompanha o seu tratamento. Ele é o profissional responsável por:

Dica prática: peça que o relatório mencione expressamente que o congelamento de óvulos/espermatozoides é parte essencial do tratamento de preservação da fertilidade, e não reprodução assistida.

2. Solicite o pedido formal ao plano de saúde

Com o relatório em mãos, protocole formalmente junto ao plano o pedido de cobertura do procedimento. O ideal é fazer isso de forma documentada (via protocolo em área do cliente, e-mail ou presencial).

Inclua:

3. Peça número de protocolo e prazo de resposta

Segundo a ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, os planos devem responder a solicitação de cobertura em até:

Dica jurídica: sempre anote ou tire print do número de protocolo e a data/hora do pedido. Isso é fundamental para ações futuras.

4. E se o plano de saúde negar o pedido?

Caso receba uma resposta negativa, solicite:

Negativas genéricas ou sem justificativa médica são abusivas e contrárias ao art. 6º, III, do CDC (direito à informação clara).

5. Registre reclamação nos canais de defesa do consumidor

Antes de acionar judicialmente, você pode e deve registrar o ocorrido nos canais oficiais:

A ANS pode multar o plano de saúde por negativa indevida e forçar a cobertura do procedimento.

6. Organize toda a documentação para eventual ação judicial

Se a resposta continuar negativa, ou se houver urgência médica, é o momento de procurar um advogado especialista em saúde e plano de saúde.

Para isso, organize seu dossiê pessoal com:

7. Atenção à evolução do quadro clínico da paciente

O ideal é que o médico assistente atualize o quadro da paciente ou do paciente durante o processo. Por exemplo:

Essas informações são determinantes para reforçar a urgência e a necessidade do procedimento.

Resumo do passo a passo em lista rápida:

Perguntas frequentes (FAQ)

1. Congelamento de óvulos é considerado tratamento ou reprodução assistida?

Quando há doença com risco de infertilidade, é considerado tratamento preventivo.

2. Preciso estar doente para ter direito à cobertura?

Sim. A cobertura judicial ocorre somente em casos com risco comprovado à fertilidade.

3. Quanto tempo os óvulos podem ficar congelados?

Por tempo indeterminado, desde que conservados adequadamente.

4. O que acontece se o plano negar e eu não puder esperar?

O ideal é buscar uma liminar com urgência. A demora pode tornar o direito inócuo.

5. Vale a pena entrar com ação mesmo sem garantia de vitória?

Sim, se houver laudo médico e urgência. Embora não haja garantia, a jurisprudência é amplamente favorável.

Informação é poder - e ação é proteção

O congelamento de óvulos pode representar não só um ato de autocuidado, mas uma necessidade médica urgente. Se você recebeu um diagnóstico que ameaça sua fertilidade, você tem direitos - mesmo que o plano de saúde tente dizer o contrário.

A negativa não é o fim da linha. Com apoio jurídico especializado, é possível transformar a recusa em acesso.

Fale com um advogado especializado e tire suas dúvidas

Se você está passando por essa situação, fale agora com um advogado especialista em Direito à Saúde. Ele pode analisar seus documentos, avaliar a viabilidade da ação e garantir que sua saúde - e seus sonhos - sejam preservados com responsabilidade.

Gutemberg do Monte Amorim

Advogado com LL.M. em Direito Empresarial pela FGV e formação pela PUC-GO. Atuou em instituições como Banco do Brasil, Sinduscon-GO e Grupo Jorlan. Sócio-fundador do Gutemberg Amorim Advogados.

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