O parecer normativo COSIT 4, de 2018, reflete o entendimento oficial da RFB - Receita Federal do Brasil sobre a amplitude do art. 124, inciso I, do CTN, que prega a responsabilização solidária das “pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal”.
Tal parecer buscou legitimar o emprego do art. 124, inciso I, do CTN para responsabilizar um “grupo econômico irregular”, termo que retrata a situação de várias empresas formalmente distintas, que operam como uma única entidade empresarial. Nesta hipótese, todos os CNPJs envolvidos devem ser responsabilizados pelo passivo fiscal do devedor original.1
Para a RFB, o interesse comum representaria a hipótese reveladora de “atuação conjunta de diversas pessoas relacionadas a ato, a fato ou a negócio jurídico vinculado a um dos aspectos da regra matriz de incidência tributária (principalmente mediante atuação ilícita)” (item “14.2” do parecer).
A conclusão da RFB é de que a responsabilização solidária derivada do “cometimento em conjunto do fato jurídico tributário” é desencadeada “pelo abuso da personalidade jurídica em que se desrespeita a autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas mediante direção única” (item “19”).
Contudo, não é possível aplicar art. 124, inciso I, do CTN para responsabilizar um “grupo econômico irregular”.
A solidariedade, nos moldes do art. 264 do CC, exige a presença de dois ou mais devedores autônomos. Se o que se verifica é a existência de uma única empresa, ainda que fracionada artificialmente em múltiplas pessoas jurídicas, não há pluralidade de sujeitos passivos, mas sim desconsideração da forma para reconhecer a unidade econômica substancial.
Nessa hipótese, não se trata de devedores solidários, mas de um só devedor, o que afasta a aplicação do art. 124, inciso I, do CTN, que trata de “solidariedade”.
Caso autos de infração sejam lavrados com base no enfoque de um grupo econômico irregular, fundamentando a exigência no art. 124, inciso I, do CTN, o ato administrativo padecerá de nulidade, diante do erro no enquadramento legal.
Melhor seria que a Receita Federal do Brasil tivesse explorado o art. 149, inciso VII, do CTN, segundo o qual o lançamento deve ser efetuado ou revisto de ofício “quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação”.
O dolo revela um ato intencional, ligado à má-fé. A fraude também revela um ato ilícito intencional, que gera prejuízo ao Fisco. A simulação envolve a ilusão de terceiros, mediante atos fictícios.
Como se vê, o art. 149, inciso VII, do CTN busca reprimir as hipóteses que alcançam exatamente as situações em que o contribuinte cria, de maneira fictícia, pessoas jurídicas destituídas de autonomia patrimonial, laboral e financeira.
Por isso, acreditamos que o parecer normativo COSIT 4/18 deve ser ajustado, sem forçar uma solidariedade inexistente, de modo a evitar o equivocado emprego do art. 124, inciso I, do CTN para responsabilizar um grupo econômico irregular.
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1 https://www.migalhas.com.br/depeso/410853/grupos-economicos-e-desconsideracao-da-personalidade-juridica