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Reforma tributária 36: Tributação nas plataformas digitais

Trata sobre a tributação nas plataformas digitais na LC 214/25.

21/7/2025
Rosa Freitas

Um dos grandes desafios do Direito Tributário nacional e internacional é a tributação nas plataformas digitais. A economia de plataforma criou um novíssimo cenário econômico, com lógicas de funcionamento para as quais não tínhamos respostas jurídicas, mecanismos de enquadramento legal, fiscalização e responsabilização. São os estranhos entre nós: o Airbnb é a maior empresa de hospedagem do mundo sem possuir um quarto de hotel; a Uber é a maior empresa de transporte de passageiros sem ter frota própria.

Essas plataformas operam sem pagar os mesmos encargos que instituições convencionais, com baixíssimos investimentos de capital, sem compromissos trabalhistas e previdenciários e sem limitações territoriais ou respeito à soberania dos Estados. Essa nova lógica de apropriação de mais-valia social, com o mínimo de investimentos, capaz de desestruturar negócios tradicionais, foi nomeada por Ladislau Dowbor como a era do capitalismo improdutivo.

A economia de plataformas encontra na LC 214/25 uma tentativa de enquadramento tributário. O desafio não está em tributar empresas com sede no Brasil, pois ao possuírem estabelecimentos permanentes no país, a tributação ocorre como para qualquer outra instituição. A pergunta que a nova legislação busca responder é: como tributar quem está fora da nossa dinâmica legal? Vejamos a solução proposta pelo legislador diante dessa complexa estrutura econômica do capitalismo pós-moderno.

1. O que é a economia de plataforma?

A nomenclatura aplica-se a empresas que atuam como intermediárias entre fornecedor e consumidor. Sem investimentos produtivos próprios, a plataforma funciona como um elo de conexão entre as partes. Cada vez mais, negócios globais se estruturam dessa forma.

Segundo o art. 22 da LC 214/25, as plataformas digitais, ainda que domiciliadas no exterior, são responsáveis pelo pagamento do IBS e da CBS relativos às operações e importações realizadas por seu intermédio, nas seguintes hipóteses:

  1. Solidariamente com o adquirente ou destinatário e em substituição ao fornecedor, caso este seja residente ou domiciliado no exterior;
  2. Solidariamente com o fornecedor, caso este: a) seja residente ou domiciliado no país; b) seja contribuinte, ainda que não inscrito nos termos do § 1º do art. 21 da mesma lei complementar; c) não registre a operação em documento fiscal eletrônico.

O legislador define plataforma digital como aquela que atua como intermediária entre fornecedores e adquirentes nas operações realizadas de forma não presencial ou eletrônica. Porém, o conceito se estende àquele que controla um ou mais dos seguintes elementos essenciais à operação:

  1. cobrança;
  2. pagamento;
  3. definição dos termos e condições;
  4. entrega.

Não são consideradas plataformas digitais, para fins de responsabilidade tributária, aquelas que executam apenas:

  1. fornecimento de acesso à internet;
  2. serviços de pagamento por instituições autorizadas pelo Banco Central;
  3. publicidade;
  4. busca ou comparação de fornecedores, desde que não cobrem pelo serviço com base nas vendas.

Além das previsões específicas sobre as plataformas, a tributação das locações por temporada inferiores a 90 dias também diferenciam-se da locação convencional, por tal razão deverão incidir IBS/CBS como se dá nos serviços de hotelaria, com redução de 40% da alíquota padrão (art. 253).

2. Competência do Poder Público

Compete ao Comitê Gestor do IBS e à RFB - Receita Federal do Brasil informar à plataforma digital sua condição de contribuinte/fornecedor não inscrito no cadastro nacional. Trata-se de uma novíssima hipótese de extraterritorialidade tributária, com base na expansão da jurisdição brasileira por meio do controle digital.

A plataforma digital deve informar ao Comitê Gestor e à RFB os dados sobre as operações e importações que intermediar, inclusive identificando o fornecedor, ainda que este não seja contribuinte.

Se o pagamento for iniciado pela plataforma, esta deverá fornecer os dados necessários à segregação e ao recolhimento do IBS e da CBS na liquidação financeira da operação (split payment), inclusive no procedimento simplificado previsto nos arts. 31 a 35 da LC 214/25.

Caso a plataforma cumpra essas exigências, não será responsável por eventuais diferenças entre os valores recolhidos e os devidos pelo fornecedor nacional. Se o pagamento não for iniciado pela plataforma, ela não será responsável tributária, cabendo ao fornecedor emitir nota fiscal eletrônica. No entanto, havendo intermediação da plataforma, esta será solidariamente responsável pelo IBS e pela CBS, mesmo se o fornecedor estiver inscrito em regime favorecido.

3. Quando a plataforma não é responsável?

A plataforma digital não será responsável tributária se não controlar nenhum dos elementos essenciais da operação (pagamento, cobrança, entrega, etc.).

A plataforma poderá optar, com anuência do fornecedor, por:

A plataforma, inclusive a domiciliada no exterior, deverá se inscrever no cadastro do IBS e da CBS se realizar cobrança, intermediação ou entrega de bens e serviços exportados ou importados por adquirentes ou fornecedores nacionais.

Se a plataforma ou o fornecedor domiciliado no exterior não se inscrever, os tributos serão retidos e recolhidos pelas instituições cambiais no momento da remessa, com base nas alíquotas de referência.

Se houver divergência entre a alíquota efetiva e a alíquota de referência:

  1. o adquirente ou importador pagará a diferença, se a alíquota for maior;
  2. o valor será devolvido, se a alíquota for menor.

4. Responsabilidade do transportador, leiloeiro e desenvolvedor de softwares

Serão solidariamente responsáveis pelo pagamento do IBS e da CBS:

No transporte internacional, também poderão ser responsabilizados:

Ainda que os Incoterms atribuam responsabilidade contratual ao exportador, transportador ou adquirente nacional ou estrangeiro inscrito ou não no Brasil, a responsabilidade tributária pode ser exigida de qualquer um, sem prejuízo de eventual ação regressiva entre as partes.

Mesmo os Correios, beneficiados pela imunidade da EC 132/25 que deu nova redação ao art. 150, § 2º, podem responder solidariamente como transportador.

A mera existência de grupo econômico não gera responsabilidade solidária, salvo se houver confusão patrimonial ou desvio de finalidade, conforme reiteradas decisões do STF. O entendimento do STF no MS - Mandado de Segurança 35.506 indica a possibilidade de bloqueio de bens quando se tratar de danos ao erário. O Tratado GLOBE (decreto 15.079, de 27/12/24) consolida as dinâmicas de tributação com efeitos extraterritoriais dos grupos econômicos com atividades no Brasil.

São também solidariamente responsáveis os rerrefinadores ou coletores de óleo lubrificante usado ou contaminado, autorizados pela ANP, quando adquirirem esse produto de contribuintes no regime regular.

5. Quem não é contribuinte do IBS/CBS?

O art. 26 da LC 214/25 estabelece que não são contribuintes, ressalvado o disposto no § 1º do art. 156-A da CF/88:

  1. condomínio edilício;
  2. consórcio da lei 6.404/1976;
  3. sociedade em conta de participação;
  4. nanoempreendedor;
  5. fundos de investimento;
  6. produtor rural (art. 164);
  7. transportador autônomo de carga;
  8. entidades de autogestão em saúde sem fins lucrativos;
  9. entidades de previdência complementar (LC 109/01);
  10. fundos patrimoniais da lei 13.800/19.

Apesar disso, em operações B2B, pode haver exigência de nota fiscal e recolhimento de produtores rurais e transportadores autônomos, o que pode prejudicar esses entes por não gerarem crédito tributário - falha legislativa que poderia ter sido corrigida com crédito presumido. O mesmo podemos dizer dos MEIs que não poderão gerar créditos de IBS/CBS para adquirentes de seus produtos e serviços inseridos na cadeia produtiva.

6. Receita presumida de nanoempreendedores digitais

Para fins de enquadramento como nanoempreendedor, será considerada receita bruta presumida de 25% sobre o valor bruto mensal recebido por pessoas físicas que prestam serviços de transporte individual de passageiros ou entregas por plataformas digitais. O regulamento poderá prever obrigações acessórias simplificadas para entidades sem personalidade jurídica e unidades de natureza econômico-contábil. O recolhimento para a previdência social também deverá ser realizado, mas não há ainda previsão.

As principais conclusões:

___________________

BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 30 de janeiro de 2025. Dispõe sobre o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS e a Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS, no âmbito da Reforma Tributária. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 31 jan. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n.º 35506/DF. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Brasília, DF, julgado em 18 set. 2017. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 13 jul. 2025.

BRASIL. Decreto n.º 15.079, de 27 de dezembro de 2024. Promulga o Tratado GLOBE, que dispõe sobre a tributação de grupos econômicos multinacionais com atividades no Brasil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 28 dez. 2024. Disponível em: https://www.in.gov.br. Acesso em: 13 jul. 2025.

DOWBOR, Ladislau. O capitalismo improdutivo: A nova arquitetura do poder e a multiplicação da desigualdade. São Paulo: Autonomia Literária, 2017.

ICC – CÂMARA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL. Incoterms® 2020: Regras da ICC para uso dos termos comerciais nacionais e internacionais. Tradução oficial. São Paulo: ICC Brasil, 2020.

Rosa Freitas

Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.

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