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Formalização do crime organizado desafia o mercado e exige reforço do compliance

A expansão do crime organizado sobre a economia formal aumenta riscos legais e institucionais, exigindo reforço nos programas de compliance e due diligence.

18/7/2025
Fábio Cardoso Machado , Fabio Roberto D'Avila Dieter Axt e

O crime organizado avança com força cada vez maior sobre a economia formal, despertando a preocupação de investidores e do mercado em geral. Essa tendência, indicada por estudos e notícias recentes, representa um novo e relevante desafio para organizações de todos os tipos, pois agrava os riscos associados à realização de operações societárias, ao estabelecimento e à manutenção de relacionamentos comerciais e institucionais e à gestão da cadeia de valor das empresas.

Antes disso, a criminalidade organizada já despertava a atenção do poder público e das empresas em razão de uma espécie de concorrência ilegal decorrente do exercício irregular de atividades lícitas. Por atuarem no mercado paralelo, à margem da regulação e do controle, as facções criminosas depreciam produtos e serviços, capturam uma parte relevante dos consumidores e prejudicam a arrecadação tributária. Mas o avanço crescente do crime sobre a economia formal agrava o problema, pois obscurece ainda mais a linha divisória que separa o lícito do ilícito, o idôneo do inidôneo, o aceitável do inaceitável. Com isso, fica muito mais difícil identificar e prevenir os riscos diretos e indiretos de eventuais conexões com organizações e atividades criminosas.

Para agravar ainda mais esse quadro, os empresários e administradores se veem cada vez mais expostos ao risco de responsabilização criminal. Os fatores associados a esse risco variam de caso a caso, mas passam, frequentemente, pela contaminação da operação por elementos ilícitos, pela insuficiência dos mecanismos de prevenção, pela informalidade da negociação e pelo conhecimento, por agentes envolvidos, da potencial inidoneidade de parceiros comerciais.

Esse contexto ainda é reforçado pela controvertida teoria da cegueira deliberada (willful blindness), que, embora enfrente muitas críticas, já ostenta uma importante difusão na jurisprudência nacional. Essa teoria foi incorporada ao direito brasileiro na modalidade de equiparação da conduta ao dolo eventual. Na forma como aplicada atualmente, por parcela importante dos tribunais, a inovação gera uma espécie de presunção de dolo decorrente da omissão investigativa do agente, gerando o risco de punição da negligência com a mesma severidade aplicável a atos dolosos.

Outro importante fator de agravamento desse risco é a figura da omissão imprópria, prevista pelo art. 13, § 2º, do CP. Essa previsão promove uma extensão da figura típica, a partir do dever de agir atribuído ao garante. Nessa modalidade omissiva, a responsabilidade penal é decorrente da equiparação entre a conduta ativa, proibida por lei, e o comportamento omissivo de alguém dotado de um especial dever de agir, usualmente denominado de “garante”. O garante tem o dever legal de impedir a ocorrência do resultado típico, respondendo em caso de omissão. E uma vez que, no Brasil, a pessoa jurídica só responde criminalmente por crimes ambientais, o risco criminal se volta contra dirigentes e responsáveis pelas decisões da empresa, por se colocarem na posição de garantes.

Outros fatores que agravam os riscos envolvem uma certa banalização do próprio conceito de organização criminosa, a abertura e vagueza das normas que criminalizam a lavagem de capitais e a ocultação de bens, direitos e valores, a falta de rigor na definição de alguns elementos dos tipos penais relevantes e a adoção e aplicação inadequada, por parcela dos tribunais, da teoria do domínio do fato. Tudo isso a implicar um alargamento do espectro das preocupações jurídicas do empresariado e dos gestores públicos e privados.

O caminho para lidar com esse novo desafio é reforçar o compliance, adotando e implementando políticas e processos mais eficazes para o mapeamento e a prevenção de riscos de integridade. As políticas internas das organizações precisam ser revistas e adaptadas para contemplar o agravamento do risco de relacionamento inadvertido com parceiros inidôneos. Os processos de checagem e avaliação de terceiros com os quais as empresas interagem e fazem negócios precisam ser robustecidos, com a adoção de procedimentos específicos de due diligence de integridade e a realização de background checks mais rigorosos e confiáveis.

Colaboradores e terceirizados precisam ser treinados e alertados dos novos riscos e do agravamento dos riscos associados, para que sejam capazes de identificar red flags e reagir adequada e tempestivamente. Também não devem ser desconsiderados os avanços tecnológicos mais recentes, sobretudo no campo da inteligência artificial, pois, se bem empregados, auxiliam as empresas na detecção desses riscos e no levantamento de barreiras eficazes.

Nenhuma organização está imune aos riscos habituais das suas atividades e isso não será diferente em relação aos riscos da expansão do crime organizado para a economia formal. Mas, com os cuidados necessários e o amadurecimento dos programas e práticas de integridade, o mercado terá condições de se resguardar e, certamente, estará em melhores condições de enfrentar esse desafio.

Fábio Cardoso Machado

Sócio responsável pela prática de Governança, Compliance e Investigações no Andrade Maia Advogados. Possui mais de 20 anos de experiência em diversos setores econômicos e intensa atuação em fusões e aquisições (M&A) e outras operações societárias, governança corporativa, cooperativismo, contratos comerciais, direito regulatório, concessão de serviços públicos, licitações, compliance, investigações corporativas internas, litígios de alta complexidade e arbitragem.

Fabio Roberto D'Avila

Sócio de D'Avila, Oliveira & Axt Advogados. Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra. Pós-Doutor em Ciências Criminais pela Johann Wolfgang Goethe Universität. Professor Titular de Direito Penal da Escola de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS. Membro do ITEC, do IEC e do Instituto Eduardo Correia.

Dieter Axt

Sócio de D'Avila, Oliveira & Axt Advogados Doutorando em Direito Internacional Privado pela Université Sorbonne Paris Nord. Mestre em Direito Contencioso pela Université Sorbonne Paris Nord (LLM2). Mestre em Direito Público pela UNISINOS. Membro da Association Internationale de Droit Pénal, do IBCCrim, do Instituto Eduardo Correia e da Rede Brasileira Direito e Literatura.

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