O STJ está diante de um marco decisivo no julgamento do Tema repetitivo 1.313. Mais do que um debate técnico sobre a fixação de honorários advocatícios, a questão central tangencia a própria efetividade da administração pública e o papel da Defensoria Pública na defesa dos vulneráveis.
O cerne da discussão reside na aplicação do art. 85, §8º, do CPC, que permite a fixação de honorários por equidade em causas de valor inestimável ou irrisório. Contudo, em ações contra o Poder Público, especialmente na área da saúde, essa excepcionalidade tem se tornado regra, mesmo quando o proveito econômico é claramente mensurável.
Por meio do GAETS - Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores, buscou-se reverter uma interpretação do art. 85, §8º, do CPC que tem incentivado a ineficiência administrativa.
Atualmente, em ações contra o Poder Público, especialmente na área da saúde, tem-se tornado comum que os honorários sejam fixados por equidade, mesmo quando o proveito econômico é mensurável.
Essa interpretação desvirtuada incentiva uma "cultura da negativa" por parte do Estado. Ao recusar sistematicamente direitos básicos, como medicamentos e procedimentos médicos, o Poder Público força a judicialização e se beneficia de sua própria ineficiência, transformando a má gestão em uma vantagem processual, pois o custoso e demorado processo judicial acaba por diluir sua responsabilidade cível e administrativa.
O posicionamento adotado pelas Defensorias Públicas, por meio do GAETS, foi no sentido de demonstrar que, embora o direito à saúde seja inestimável, os medicamentos e procedimentos possuem valor financeiro claro e, portanto, são quantificáveis, de modo que o arbitramento dos honorários deveria recair sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido, conforme a regra geral do CPC.
Ademais, conforme o Tema 1.002 do STF, outro ponto que merece destaque é que os honorários advocatícios, reconhecidos por sua função pedagógica, são integralmente revertidos para o Fundo de Aparelhamento e Capacitação das Defensorias, sendo vitais para seu fortalecimento e modernização, expansão do atendimento e qualificação - pilares essenciais para o acesso à justiça.
Nesse contexto, a luta pela correta aplicação do §8º do art. 85 do CPC é fundamental para o fortalecimento da Defensoria Pública. Como instituição mais nova do sistema de justiça e com o orçamento mais delicado entre as demais, a Defensoria tem a missão constitucional, reforçada pela EC 74/13 (o "Projeto Defensoria em Todos os Cantos"), de estar presente em todas as comarcas para atender à população mais vulnerável, bem como de fortalecer a principal garantidora do acesso à justiça para milhões de brasileiros que dependem dos serviços públicos e que, muitas vezes, só encontram na Defensoria a voz para fazer valer seus direitos fundamentais.
No entanto, após a sessão ocorrida no dia 11 de junho de 2025, a decisão proferida pelo STJ no julgamento do Tema repetitivo 1.313 - ao firmar tese no sentido de que, “nas ações de saúde que envolvem a União, o Estado e o Município no polo passivo, a fixação de honorários advocatícios deve observar o disposto no §8º do art. 85 do CPC, podendo ser arbitrados por equidade” - enviou uma mensagem inequívoca e pouco esperançosa, qual seja: a manutenção da ineficiência administrativa sistematizada, descompromissada com a responsabilização e com o fortalecimento das instituições que servem à população, especialmente às que mais precisam.
Assim, observa-se que o julgamento do Tema 1313 inclinou-se em sentido contrário aos robustos argumentos aduzidos pelas Defensorias Públicas. Isso sem mencionar que o referido julgado careceu de enfrentar também uma outra questão essencial à estabilidade e à segurança jurídica do ordenamento: a modulação dos efeitos da tese firmada.
Nesse cenário, com o não acolhimento da tese defendida pelo GAETS, espera-se que, ao menos, esta Corte Superior delibere criteriosamente sobre a modulação dos efeitos de sua decisão, a fim de mitigar o impacto sobre os inúmeros processos em andamento, cujas pretensões foram pautadas sob uma expectativa legítima de responsabilização do Estado e de aplicação da regra geral dos honorários.
Apesar da relevância do precedente e da necessidade de uniformização da jurisprudência, a ausência de modulação expressa gera incertezas e riscos de aplicação retroativa da tese, especialmente em milhares de demandas em curso, cujos atos processuais e estratégias jurídicas foram adotados à luz do entendimento então prevalente - muitas vezes, com honorários fixados em consonância com os §§2º e 3º do art. 85 do CPC, em face da expressa regra da solidariedade entre os entes públicos.
Além de contrariar o princípio da segurança jurídica (art. 927, §3º, do CPC), a ausência de modulação, neste caso, pode colocar em xeque a estabilidade de decisões já proferidas, inclusive com coisa julgada em formação, gerando um efeito dominó de reabertura de debates já pacificados e induzindo ao ajuizamento de ações revisionais ou desconstitutivas.
Desta forma, quer seja para restringir a aplicação da tese aos processos futuros, quer seja para preservar os atos processuais já consolidados sob entendimento anterior, a modulação dos efeitos de forma expressa assegura isonomia, previsibilidade e segurança jurídica, evitando, assim, um retrocesso que comprometa o fortalecimento das Defensorias Públicas no exercício de seu múnus constitucional na defesa, em ações de saúde, das populações mais vulnerabilizadas deste país.