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A nova lei de licenciamento e os embargos em áreas rurais: O que muda?

A nova lei de licenciamento ambiental pode racionalizar as atividades de pecuária e agricultura em razão da ineficiência do Estado na análise do CAR.

21/7/2025
Diovane Franco Rodrigues

A aprovação da lei geral de licenciamento pelo Congresso Nacional materializa mudança paradigmática no regime jurídico aplicável às atividades agropecuárias, estabelecendo critérios objetivos de dispensa de licenciamento que redefinem substancialmente os fundamentos para aplicação de embargos ambientais em propriedades rurais.

Nova redação para atividades de agricultura e pecuária

Art. 9º Quando atendido ao previsto neste artigo, não são sujeitos a licenciamento ambiental as seguintes atividades e empreendimentos:

I – cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes;

II – pecuária extensiva e semi-intensiva;

III – pecuária intensiva de pequeno porte, nos termos do § 1º do art. 4º desta Lei;

IV – pesquisa de natureza agropecuária, que não implique risco biológico, desde que haja autorização prévia dos órgãos competentes e ressalvado o disposto na Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005.

§ 1º O previsto no caput deste artigo aplica-se às propriedades e às posses rurais, desde que regulares ou em regularização, na forma da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, considerando-se:

I – regular o imóvel com registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) homologado pelo órgão estadual competente, que não tenha déficit de vegetação em reserva legal ou área de preservação permanente; e

II - em regularização o imóvel quando atendidas

quaisquer das seguintes condições:

a) tenha registro no CAR pendente de homologação;

b) tenha ocorrido a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), durante todo o período de cumprimento das obrigações nele assumidas; ou

c) tenha firmado com o órgão competente termo de compromisso próprio para a regularização de déficit de vegetação em reserva legal ou em área de preservação permanente, quando não for o caso de adesão ao PRA.

§ 2º O previsto no caput deste artigo não afasta a realização de atividades de fiscalização pelo órgão ambiental competente, inclusive a imposição das sanções aplicáveis no caso de infrações, bem como não dispensa o cumprimento das obrigações relativas ao uso alternativo do solo na propriedade ou na posse rural que constem expressamente da legislação ou dos planos de manejo de unidades de conservação da natureza, notadamente no que se refere ao uso de agrotóxicos, à conservação do solo e ao direito de uso dos recursos hídricos.

§ 3º A não sujeição ao licenciamento ambiental de que trata este artigo não exime o empreendedor da obtenção, quando exigível, de licença ambiental, de autorização ou de instrumento congênere, para a supressão de vegetação nativa, para o uso de recursos hídricos ou para outras formas de utilização de recursos ambientais previstas em legislação específica.

§ 4º As autoridades licenciadoras disponibilizarão, de forma gratuita e automática, nos seus respectivos sítios eletrônicos, bem como no subsistema de informações previsto no art. 31 desta Lei, certidão declaratória de não sujeição da atividade ou do empreendimento ao licenciamento ambiental.

§ 5º As atividades e os empreendimentos de pecuária intensiva de médio porte poderão ser licenciados mediante procedimento simplificado na modalidade por adesão e compromisso, respeitado o disposto nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo.

§ 6º A inscrição no CAR não pode ser exigida como requisito para a licença de atividades ou de empreendimentos de infraestrutura de transportes e de energia que sejam instalados na propriedade ou na posse rural, mas que não tenham relação com as atividades referidas no caput deste artigo.

§ 7º São de utilidade pública as barragens de pequeno porte, nos termos do § 1º do art. 4º desta Lei, para fins de irrigação.

Dispensa legal de licenciamento para atividades agropecuárias

O dispositivo aprovado estabelece dispensa expressa de licenciamento ambiental para: (i) cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes; (ii) pecuária extensiva e semi-intensiva; (iii) pecuária intensiva de pequeno porte; e (iv) pesquisa de natureza agropecuária que não implique risco biológico.

A dispensa aplica-se às propriedades e posses rurais "regulares ou em regularização", estabelecendo regime diferenciado que elimina a dependência de capacidade operacional dos órgãos estaduais. A gradação normativa compreende: propriedades regulares com CAR homologado sem déficit de vegetação; propriedades em regularização com CAR pendente de homologação (leia-se pendente de análise); aquelas com adesão ao Programa de Regularização Ambiental; e propriedades com termo de compromisso firmado para regularização de déficit vegetal.

A diferenciação terminológica entre "adesão ao PRA" e "termo de compromisso firmado" revela precisão jurídica fundamental. Enquanto a adesão ao PRA constitui ato unilateral do proprietário que produz efeitos imediatos, independentemente de manifestação estatal, a assinatura de termo de compromisso exige formalização bilateral com o órgão competente. Esta distinção assegura que a proteção legal não fique condicionada à estruturação administrativa dos programas estaduais.

Eliminação da infração do art. 66 do decreto 6.514/08

A dispensa legal elimina automaticamente a tipificação por "funcionamento de atividades rurais sem licença ambiental", principal fundamento jurídico dos embargos aplicados em propriedades agropecuárias. O art. 66 do decreto 6.514/08, que sanciona quem faz "funcionar estabelecimentos, atividades, obras ou serviços utilizadores de recursos ambientais (...) sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes", perde aplicabilidade para as atividades expressamente dispensadas.

Esta transformação normativa possui duplo efeito: prospectivo, impedindo novas autuações por ausência de licenciamento para atividades dispensadas; e retrospectivo, eliminando o fundamento jurídico de embargos já aplicados por esta causa. A subsistência de embargos baseados exclusivamente na ausência de licenciamento para atividades agora dispensadas configura manutenção de sanção sem fundamento legal, exigindo revogação imediata.

O §4º institucionaliza esta proteção ao determinar que as autoridades licenciadoras disponibilizem "certidão declaratória de não sujeição da atividade ou do empreendimento ao licenciamento ambiental" de forma automática e gratuita. Esta certidão constitui documento dotado de presunção de legalidade que vincula todos os órgãos do SISNAMA, tornando juridicamente impossível a aplicação de embargo por ausência de licenciamento quando a atividade estiver formalmente dispensada.

Redefinição dos critérios de regularidade ambiental

A lei substitui interpretações discricionárias dos órgãos fiscalizadores por critérios legais objetivos e vinculantes. O conceito de propriedade "regular" - CAR homologado sem déficit de vegetação - elimina margem para valorações subjetivas sobre conformidade ambiental. O regime de propriedade "em regularização" abrange três hipóteses específicas que conferem proteção legal durante os processos de adequação.

A universalização da dispensa opera-se através desta estrutura normativa escalonada. Mesmo propriedades com passivos ambientais consolidados obtêm proteção imediata contra embargos por funcionamento sem licença, desde que após a primeira análise do CAR tenham aderido aos programas de regularização previstos no Código Florestal. Esta sistemática resolve definitivamente a insegurança jurídica decorrente da indefinição sobre exigibilidade de licenciamento para atividades agropecuárias básicas.

A precisão dos critérios normativos impede que órgãos fiscalizadores imponham requisitos adicionais ou interpretem restritivamente as hipóteses de dispensa. A lei Federal hierarquicamente superior vincula a atuação administrativa, eliminando a possibilidade de instruções normativas ou portarias criarem obstáculos não previstos na norma geral.

Fortalecimento da competência do ente licenciador

A nova legislação consolida o entendimento já estabelecido pela LC 140/11 sobre prevalência do ente licenciador na análise de regularidade ambiental. Se determinada atividade rural não demanda licenciamento por força da lei geral, qualquer embargo aplicado por órgão fiscalizador supletivo carece de fundamento legal, devendo ser imediatamente suspenso.

Esta sistemática harmoniza-se com a orientação da AGU e do IBAMA (OJN/49/2013/PFE-IBAMA/PGF/AGU), que estabelece a impossibilidade de prevalência da opinião técnica do órgão fiscalizador supletivo sobre a do órgão licenciador primário. A dispensa legal reforça esta diretriz ao eliminar a própria necessidade de licenciamento, tornando despropositada qualquer divergência interpretativa entre entes federativos.

A certidão de não sujeição ao licenciamento emitida pelo órgão competente constitui ato administrativo dotado de presunção de legalidade que se sobrepõe a eventuais entendimentos conflitantes de órgãos fiscalizadores. O respeito a esta manifestação técnica decorre diretamente do princípio federativo e da divisão constitucional de competências, vedando interferência indevida na discricionariedade administrativa de outro ente.

Limitações e preservação da fiscalização ambiental

O §2º preserva expressamente "a realização de atividades de fiscalização pelo órgão ambiental competente, inclusive a imposição das sanções aplicáveis no caso de infrações", estabelecendo que a dispensa de licenciamento não confere imunidade para violações ambientais materiais. Embargos por desmatamento ilegal, degradação de APPs, uso irregular do fogo ou descumprimento de obrigações específicas do Código Florestal mantêm-se plenamente aplicáveis, desde que constatado o ilícito, o dano seja contemporâneo a justificar a cautelaridade e seja constatada as finalidades previstas no art. 51 do Código Florestal.

A distinção entre irregularidades formais - ausência de licenciamento - e materiais - danos efetivos ao meio ambiente - ganha contornos definitivos. Enquanto as primeiras ficam eliminadas pela dispensa legal, as segundas persistem sujeitas ao regime sancionador integral. Esta diferenciação promove racionalização do sistema punitivo ambiental, concentrando a atuação estatal na proteção efetiva dos recursos naturais.

O §3º reforça esta limitação ao esclarecer que a dispensa "não exime o empreendedor da obtenção, quando exigível, de licença ambiental, de autorização ou de instrumento congênere, para a supressão de vegetação nativa, para o uso de recursos hídricos ou para outras formas de utilização de recursos ambientais previstas em legislação específica". Atividades de apoio às operações agropecuárias que impliquem utilização específica de recursos ambientais permanecem sujeitas aos procedimentos autorizativos correspondentes.

Efeitos nos procedimentos de desembargo

Para propriedades enquadradas nas hipóteses de dispensa, o desembargo deve operar-se automaticamente, independentemente dos requisitos estabelecidos na IN IBAMA 08/24. A lei Federal hierarquicamente superior revoga tacitamente exigências infralegais incompatíveis, simplificando drasticamente os procedimentos de regularização para a ampla maioria das propriedades rurais brasileiras.

A certificação de não sujeição ao licenciamento constitui documento suficiente para cessação imediata de embargos baseados na ausência de autorização ambiental. Órgãos fiscalizadores não podem condicionar o desembargo a requisitos adicionais quando a atividade estiver formalmente dispensada de licenciamento, sob pena de violação ao princípio da legalidade.

Esta automaticidade procedural elimina a discricionariedade administrativa que caracterizava os processos de desembargo, substituindo-a por direito líquido e certo do proprietário rural que comprove enquadramento nas hipóteses legais de dispensa. A mudança representa avanço qualitativo na segurança jurídica do setor agropecuário, conferindo previsibilidade aos processos de regularização.

Possível inconstitucionalidade da dispensa de licenciamento: um meio termo.

A transformação do Cadastro Ambiental Rural de instrumento meramente informativo em substituto funcional do licenciamento ambiental suscita questionamentos constitucionais sobre adequação da proteção conferida ao meio ambiente, especialmente diante do dever constitucional de tutela previsto no art. 225 da CF/88.

O CAR foi concebido pelo Código Florestal como "registro público eletrônico de âmbito nacional" destinado a "integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais", conforme art. 29 da lei 12.651/12. Sua natureza autodeclaratória, prescindindo de análise técnica prévia, distingue-o fundamentalmente do licenciamento ambiental, que constitui procedimento administrativo complexo destinado a verificar o cumprimento das medidas de controle ambiental e estabelecer condicionantes para exercício regular de atividades potencialmente poluidoras.

O licenciamento ambiental opera mediante tríplice função: preventiva, através da análise prévia de viabilidade ambiental; condicionante, estabelecendo parâmetros técnicos para operação; e fiscalizatória, permitindo controle continuado da atividade. O CAR, diversamente, limitava-se originariamente à função cadastral de mapeamento georreferenciado das propriedades rurais, sem qualquer análise de mérito sobre adequação ambiental das atividades desenvolvidas. Contudo, a evolução normativa e interpretativa progressivamente ampliou suas funções além da concepção original, transformando-o em quase-licenciamento rural.

O art. 26 do Código Florestal condicionou a autorização para supressão de vegetação nativa ao "cadastramento do imóvel no CAR", transformando-o em requisito procedimental obrigatório. Instruções Normativas do INCRA exigem CAR para titulação de terras públicas. O MCR - Manual de Crédito Rural (2-9-10) vinculou concessão de financiamentos à regularidade do cadastro. Esta expansão culminou na análise técnica dos CARs pelos órgãos estaduais, que passaram a verificar conformidade da declaração com imagens de satélite, identificar sobreposições com unidades de conservação, calcular déficit de reserva legal e APP, e determinar obrigações de recuperação. O procedimento originariamente autodeclaratório e sujeito à homologação posterior assumiu características típicas do licenciamento: análise técnica discricionária, imposição de condicionantes ambientais e vinculação da regularidade a critérios estabelecidos pela administração.

A CF/88 estabelece no art. 225, §1º, IV, incumbência do Poder Público de "exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental". O dispositivo consagra o princípio da prevenção como pilar da tutela ambiental, exigindo controle prévio sobre atividades de risco.

Em determinadas circunstâncias, como cultivo agrícola em áreas extremamente extensas ou criação de animais em larga escala, talvez seja possível aferir algum impacto ambiental, mas não elevado ao ponto de exigir-se o licenciamento trifásico. A dispensa genérica de licenciamento para atividades agropecuárias, mesmo condicionada à regularidade do CAR, pode suscitar dúvidas quanto à constitucionalidade, sendo comum partidos políticos e ONGs questionarem normas ambientais sob o manto da "proteção insuficiente".

Contudo, argumento robusto sustenta que os riscos associados às atividades agropecuárias já se encontram amplamente mapeados e normatizados por legislação específica que torna desnecessária a duplicação de controles através do licenciamento. A lei 14.785/23 estabelece regime jurídico detalhado para agrotóxicos, regulamentando desde o registro de produtos até armazenamento, aplicação e descarte de embalagens. O decreto 4.074/02 especifica procedimentos técnicos minuciosos para manipulação segura, incluindo equipamentos de proteção individual, condições de estocagem e logística reversa das embalagens vazias. A lei 12.305/10 institui Política Nacional de Resíduos Sólidos com dispositivos específicos para rejeitos rurais, criando responsabilidade compartilhada entre fabricantes, comerciantes e usuários.

A regulamentação do uso de recursos hídricos pela lei 9.433/97 submete captações significativas ao sistema de outorgas, controlando pressão sobre mananciais independentemente do licenciamento da atividade produtiva. O Código Florestal estabelece limitações precisas através das APPs e reserva legal, criando balizas territoriais objetivas que prescindem de análise caso a caso.

A lei 9.605/98 tipifica condutas lesivas ao meio ambiente com sanções específicas, permitindo responsabilização direta sem necessidade de licenças condicionantes prévias. Esta profusão normativa demonstra que o controle ambiental das atividades rurais opera adequadamente através de comandos diretos, tornando o licenciamento procedimento redundante que agrega custos administrativos sem benefícios proporcionais à proteção ambiental.

A experiência prática revela que licenças ambientais para atividades agropecuárias frequentemente limitam-se a reproduzir em condicionantes as obrigações já previstas na legislação geral, sem agregar proteção substantiva específica. Exigir cumprimento do Código Florestal como condicionante de licença não oferece proteção adicional àquela já assegurada pela aplicação direta da lei, constituindo formalismo que onera desnecessariamente o exercício de atividades econômicas lícitas. A fiscalização direta das obrigações legais mostra-se mais eficaz que a verificação formal de cumprimento de condicionantes administrativas que reproduzem deveres preexistentes.

Eventual questionamento da constitucionalidade da dispensa deve enfrentar o argumento de que a efetividade da proteção ambiental não se mede pela quantidade de procedimentos administrativos, mas pela adequação dos instrumentos normativos aos riscos efetivamente existentes.

A constitucionalidade da dispensa fortalece-se pela demonstração de que o arcabouço normativo existente proporciona proteção ambiental equivalente ou superior ao licenciamento tradicional. A combinação entre limitações territoriais objetivas (Código Florestal), controles setoriais específicos (agrotóxicos, recursos hídricos, resíduos) e regime sancionador robusto (lei 9.605/98) cria sistema de tutela ambiental que dispensa procedimentos autorizativos prévios sem comprometer a efetividade da proteção constitucional.

A crítica eventual, talvez, fundamentar-se-á mais em preferências ideológicas sobre modelos regulatórios que em deficiências técnicas da proteção ambiental efetivamente proporcionada.

Mato Grosso como modelo: A autorização de funcionamento e o licenciamento automatizado para atividades agrossilvipastoris

O Estado de Mato Grosso antecipou-se ao marco nacional ao desenvolver sistema de licenciamento automatizado que exemplifica a racionalidade subjacente à lei geral de licenciamento. A autorização de funcionamento para atividades agrossilvipastoris, instituída pelo decreto 262/19, opera mediante verificação automatizada em bases de dados geoespaciais das áreas consolidadas e das áreas convertidas para uso alternativo do solo com licença de supressão válida. Este sistema informatizado analisa em tempo real a conformidade da propriedade com os parâmetros do Código Florestal, emitindo autorização imediata quando constatada regularidade ambiental.

A sistemática mato-grossense demonstra viabilidade técnica de substituir análises discricionárias caso a caso por critérios objetivos automatizados. O cruzamento de dados georreferenciados do CAR com imagens de satélite, mapas de vegetação nativa e registros de autorizações de supressão permite identificar com precisão as áreas passíveis de uso agropecuário. Esta verificação automatizada elimina subjetividade interpretativa e agiliza processos que tradicionalmente demandavam meses para conclusão, reduzindo custos administrativos tanto para o Estado quanto para os produtores rurais. A análise humana ocorre somente quando da verificação do CAR, para fins de homologação. Enquanto há sua análise o sistema permite o funcionamento das atividades nas mencionadas áreas, nos termos do Código Florestal.

A publicidade conferida pela autorização de funcionamento atende simultaneamente demandas de transparência social e eficiência da fiscalização ambiental. Produtores regulares obtêm documento que comprova conformidade legal, facilitando acesso a crédito rural e mercados exigentes em sustentabilidade. Órgãos fiscalizadores concentram recursos nas propriedades efetivamente irregulares, otimizando capacidade operacional limitada. A sociedade civil acessa informações precisas sobre regularidade ambiental das propriedades rurais, fortalecendo controle social sobre atividades econômicas com impacto territorial.

O modelo mato-grossense evidencia que a dispensa de licenciamento da lei geral não significa ausência de controle, mas evolução para instrumentos mais eficazes de gestão ambiental. A autorização automatizada mantém função certificatória do licenciamento - atestando conformidade legal da atividade - enquanto elimina custos e prazos desnecessários dos procedimentos tradicionais. Esta abordagem alinha-se com tendência internacional de governo digital, utilizando tecnologia para melhorar qualidade e eficiência dos serviços públicos. A experiência exitosa em Mato Grosso sugere que outros Estados poderão adotar sistemas similares, universalizando benefícios da racionalização regulatória para todo território nacional.

Transformação do panorama regulatório rural

A lei geral de licenciamento inaugura era de racionalização regulatória no Direito Ambiental brasileiro, superando modelo burocratizado que privilegiava formalidades procedimentais em detrimento da proteção ambiental efetiva. A dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias básicas reconhece juridicamente que agricultura e pecuária, quando exercidas em conformidade com os parâmetros do Código Florestal, constituem atividades de baixo risco ambiental que prescindem de controle autorizativo prévio. Esta transformação alinha-se com tendência internacional de simplificação regulatória baseada em análise de risco, concentrando recursos administrativos nas atividades efetivamente impactantes.

A legislação adota solução equilibrada que preserva controle estatal sem perpetuar burocracias desnecessárias. A experiência de Mato Grosso com a autorização de funcionamento automatizada demonstra que é possível manter transparência e fiscalização efetiva através de instrumentos tecnológicos que verificam conformidade com critérios objetivos do Código Florestal. Este modelo intermédio entre licenciamento tradicional e dispensa absoluta oferece segurança jurídica aos produtores regulares enquanto facilita identificação de irregularidades pelos órgãos fiscalizadores.

A constitucionalidade da dispensa encontra fundamento na adequação dos meios aos fins constitucionalmente estabelecidos. O arcabouço normativo resultante - combinação entre limitações territoriais do Código Florestal, controles setoriais específicos e regime sancionador robusto - proporciona tutela ambiental equivalente ao licenciamento tradicional, eliminando redundâncias procedimentais que oneravam desnecessariamente atividades de baixo impacto. A proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado materializa-se através da efetividade na prevenção e reparação de danos, não da multiplicação de procedimentos administrativos.

A pacificação regulatória promovida pela lei representa avanço civilizatório que beneficia simultaneamente produtores rurais e meio ambiente. Ao eliminar antagonismos artificiais entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental, a legislação estabelece marco normativo que privilegia resultados ambientais efetivos sobre ritualismos procedimentais. Esta síntese, validada pela experiência prática de Estados pioneiros como Mato Grosso, consolida modelo de regulação inteligente que utiliza tecnologia e critérios objetivos para otimizar recursos públicos e conferir segurança jurídica ao setor agropecuário nacional.

Diovane Franco Rodrigues

Advogado especialista em direito sancionador ambiental, sócio-fundador do escritório Farenzena Franco Advogados. Pós-graduado em Direito Administrativo e ex-servidor da Justiça Federal.

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