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Inclusão de empresa de grupo econômico na execução trabalhista: Reflexões à luz do Tema 1.232 do STF - (RE) 1.387.795

O artigo enfatiza a importância de uma abordagem equilibrada que assegure os direitos dos empregados sem desconsiderar a estrutura empresarial.

20/8/2025
Felippe Curia

1. Introdução

A sistemática de responsabilização de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico sempre suscitou debates no Direito do Trabalho. O Tema 1232 do STF no RE 1.387.795, ainda pendente de julgamento definitivo, discute a possibilidade de inclusão de empresa integrante de grupo econômico somente na fase de execução trabalhista, ainda que não tenha figurado na fase de conhecimento. Em 2023, o STF determinou a suspensão nacional de execuções que versem sobre a questão, revelando a relevância do tema para a segurança jurídica e para a coerência do devido processo legal.

2. O direito de defesa individualizado e o devido processo legal

A hipótese de incluir uma nova pessoa jurídica no polo passivo apenas na execução enfrenta fortes restrições constitucionais. O art. 5º, incisos LIV e LV, da CRFB/1988, assegura o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa a todos os litigantes.

Admitir a responsabilização de uma empresa sem que tenha participado do contraditório na fase de conhecimento é admitir uma presunção de responsabilidade que nem sempre se ajusta à realidade fática e jurídica das empresas de um mesmo grupo. Cada sociedade pode ter atividades, contabilidade, autonomia operacional e defesas próprias, o que torna inviável presumir uma defesa única e homogênea.

3. O CPC/15 e a legitimidade para defesa autônoma

O CPC de 2015 disciplina, no art. 674, § 2º, III, a possibilidade de embargos de terceiro para aquele que, sem ter figurado na fase de conhecimento, é atingido por atos de constrição patrimonial na execução, como ocorre na desconsideração da personalidade jurídica.

A aplicação extensiva dessa garantia ao contexto do reconhecimento de grupo econômico foi reafirmada recentemente em importante julgado do TST (RR-Ag 1000057-38.2020.5.02.0060, rel. min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, julgado em 27/5/25). Nesse precedente, o TST reconheceu transcendência jurídica e deu provimento ao recurso de revista para assegurar a legitimidade ativa de empresa incluída na execução para ajuizar embargos de terceiro, sob pena de violação ao art. 5º, LV, da CF:

“A jurisprudência desta Corte segue no sentido de que o art. 674, § 2º, III, do CPC também ampara a empresa que tenha sido incluída no polo passivo em fase de execução, quando não participou do processo de conhecimento, razão pela qual, tendo a Corte a quo deixado de observar a regra do referido dispositivo da lei adjetiva civil, restou configurada a afronta ao art. 5º, LV, da CF...”

(TST; RR-Ag 1000057-38.2020.5.02.0060;  4ª turma; rel. min. Ives Gandra da Silva Martins Filho; DEJT 6/6/25)

Este precedente sinaliza um entendimento firme de que não se pode tolher o exercício da defesa individualizada de uma empresa sob o argumento genérico de identidade de interesses dentro do grupo econômico. Assim, mesmo que incluída apenas na execução, a empresa mantém o direito à via própria para contestar a constrição patrimonial.

4. A perspectiva do STF: Entre efetividade e segurança jurídica

A discussão no Tema 1232 evidencia a tensão entre dois valores constitucionais relevantes: a efetividade da execução trabalhista e a preservação do contraditório e da ampla defesa. O voto do ministro Dias Toffoli, acompanhado pelo voto-vista do ministro Alexandre de Moraes, indicam uma leitura que prestigia o devido processo legal, alinhada com a orientação do TST no precedente acima.

O STF, portanto, caminha para consolidar uma jurisprudência que impede a inclusão automática de novas empresas apenas na fase executiva, sem prévia formação de título executivo judicial.

4.1. Voto do relator - ministro Dias Toffoli

O relator, ministro Dias Toffoli, inicialmente defendeu que a inclusão de empresa do mesmo grupo na fase executiva seria possível desde que precedida de IDPJ - incidente de desconsideração da personalidade jurídica, com demonstração de abuso (art. 50 do CC e arts. 133-137 CPC, 855-A CLT).

Na sessão de 19/2/25, Toffoli adotou versão refinada, seguindo sugestão do ministro Cristiano Zanin, adotando posição intermediária: (i) funcionários do grupo devem participar da fase de conhecimento, para que respondam solidariedade; (ii) somente em caso de abuso da personalidade (fato superveniente), poderia haver ingresso tardio por meio de desconsideração

Toffoli foi acompanhado, nesse ajuste, por Zanin, Flávio Dino, André Mendonça e Nunes Marques

4.2. Voto divergente - ministro Edson Fachin

O ministro Edson Fachin apresentou voto divergente, defendendo que a inclusão de empresa integrante de grupo econômico na execução é válida ainda que não tenha participado da fase de conhecimento, desde que se respeite o contraditório oportunizado pelos embargos à execução.

4.3. Pedido de vista - ministro Alexandre de Moraes

Após esses votos, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes, mesmo após ter acompanhado o relator e os demais favoráveis ao ajuste intermediário.

4.4. Panorama dos votos

Ministro Voto
Dias Toffoli Inclusão condicionada à desconsideração e abuso comprovado (ajustado com Zanin)
Cristiano Zanin Permitiria apenas participação na fase de conhecimento, salvo abuso superveniente
Flávio Dino Acompanhou Toffoli/Zanin
André Mendonça Acompanhou Toffoli/Zanin
Nunes Marques Acompanhou Toffoli/Zanin
Edson Fachin Inclusão possível na execução, sem participação na fase de conhecimento, com defesa aprazada nos embargos
Alexandre de Moraes Acompanhou o relator, depois pediu vista para análise cuidadosa

4.5. Síntese das três posições debatidas no Tema 1232 do STF

A partir do quadro comparativo dos votos, é possível estabelecer as posições debatidas pelos ministros do STF no Tema 1232:

4.6. Implicações jurídicas

A composição parcial dos votos revela uma tendência clara: a maioria defensora do devido processo legal, que exige participação anterior da empresa ou, no mínimo, possibilita sua defesa por meio de desconsideração da personalidade jurídica. Contrasta com a visão de Fachin, que prioriza a efetividade da execução, desde que garantida a ampla defesa nos embargos.

A suspensão pelo pedido de vista de Moraes indica que o STF busca equilibrar efetividade do crédito trabalhista e segurança jurídica, antes de consolidar o entendimento.

4.7. Conexão com o julgado TST sobre embargos de terceiro

O recente julgado do TST (RR-Ag 1000057-38.2020.5.02.0060, 27/5/25) já reconheceu a legitimidade de empresa incluída somente na execução para ajuizar embargos de terceiro, com base no art. 674, § 2º, III, do CPC, como forma de garantir o contraditório e a ampla defesa. Isso reverbera diretamente no Tema 1232, reforçando a necessidade de respeito às garantias processuais.

5. Considerações finais

O julgamento definitivo do Tema 1232 trará impacto direto na forma de atuação da advocacia trabalhista e na estruturação das demandas que envolvem grupo econômico. Até lá, permanece a suspensão nacional dos processos executivos com essa controvérsia.

O Tema 1232 ainda está aberto, mas o caminho traçado pelos votos revela que o STF provavelmente exigirá: (i) participação da empresa na fase de conhecimento ou (ii) instauração de IDPJ, com abuso comprovado, e respeito ao contraditório

Isso mantém a coerência com o precedente do TST e fortalece a proteção constitucional ao devido processo. Quando o julgamento for retomado, sua conclusão será decisiva para orientar a responsabilização de grupos econômicos na execução trabalhista.

Diante desse contexto, é recomendável que reclamantes identifiquem todos os potenciais corresponsáveis já na fase de conhecimento, instruindo a demanda com provas robustas de vínculo de grupo econômico, evitando nulidades futuras e prejuízos processuais.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18/6/25.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 18/6/25.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Brasil). Pedido de vista suspende julgamento sobre inclusão de empresa do mesmo grupo em condenação trabalhista. Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/pedido-de-vista-suspende-julgamento-sobre-inclusao-de-empresa-do-mesmo-grupo-em-condenacao-trabalhista/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 18/6/25.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Brasil). Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 1.387.795 (Tema 1232). Rel. Min. Dias Toffoli. Disponível em: https://portal.stf.jus.br. Acesso em: 18/6/25.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (Brasil). Recurso de Revista com Agravo n.º 1000057-38.2020.5.02.0060. Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho. Julgado em: 27 maio 2025. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, 06 jun. 2025. Disponível em: https://tst.jus.br. Acesso em: 18/6/25.

Felippe Curia

Advogado, Mestrando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Pós-Graduado em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade IDC/RS (2012), Pós-Graduado em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012), Advogado. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS (2009).

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