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STF redefine a responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos de terceiros

Decisão do STF redefine a responsabilidade das big techs no Brasil, impondo dever de cuidado às plataformas e equilibrando liberdade de expressão com direitos fundamentais.

15/9/2025
Camila Betanin

Nos últimos meses, uma decisão do STF estabeleceu novos parâmetros para a responsabilização das big techs em relação a conteúdos publicados por seus usuários.

Tal decisão representa uma verdadeira virada no tratamento jurídico das plataformas digitais no Brasil e teve repercussão a nível global, sendo capaz de influenciar outros países que enfrentam desafios semelhantes no campo da regulação da internet como um todo.

Até então, o Brasil adotava um modelo considerado permissivo, baseado no art. 19 do marco civil da internet, segundo o qual as plataformas só poderiam ser responsabilizadas caso descumprissem uma ordem judicial de remoção de conteúdo.

Esse mecanismo era defendido pelas empresas de tecnologia como forma de preservar a liberdade de expressão, mas, na prática, acabava por gerar morosidade e dificultava a retirada de conteúdos claramente ilícitos ou que colocavam em risco direitos fundamentais, como o discurso de ódio, a disseminação de notícias falsas ou ataques discriminatórios.

1. Nova interpretação

O STF, ao reinterpretar a aplicação desse dispositivo, reconheceu que a lógica anterior não era mais suficiente para lidar com o impacto que as plataformas digitais exercem sobre a vida social, política e econômica.

Portanto, a Corte concluiu que as big techs, justamente por sua dimensão e poder, não podem se comportar como simples intermediárias neutras, sem qualquer responsabilidade sobre os efeitos de seus serviços.

Nesse sentido, firmou-se a tese de que a responsabilização pode ocorrer não apenas após ordem judicial, mas também em casos em que fique evidente a omissão injustificada na remoção de conteúdos ilícitos.

2. Liberdade de expressão em pauta

Sem dúvidas, essa decisão gerou debates concernentes ao direito de liberdade de expressão, dignos de serem apreciados.

De todo modo, é importante destacar que, embora a liberdade de expressão seja um direito fundamental, tendo caráter angular em nosso ordenamento jurídico, não deve ser encarada em caráter absoluto: ela deve ser equilibrada com outros direitos igualmente fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a proteção da honra, a preservação da democracia e a garantia de que espaços digitais não se transformem em ambientes de violência simbólica ou exclusão social.

Inclusive, a posição do STF dialoga com um movimento global de busca por maior responsabilização das plataformas, que já ocorre na União Europeia, com a aprovação do Digital Services Act e nos Estados Unidos, com os debates em torno da revisão da Seção 230 do Communications Decency Act.

3. Mudanças pragmáticas

Na prática, a decisão traz consequências imediatas tanto para usuários quanto para as empresas de tecnologia.

Do ponto de vista dos cidadãos que utilizam de serviços oferecidos pelas big techs, abre-se a possibilidade de responsabilizar essas plataformas digitais de forma mais célere e efetiva, sem depender exclusivamente de ordens judiciais, o que aumenta a proteção contra abusos, ofensas e violações de direitos.

De outro lado, para as plataformas, o cenário é de maior pressão regulatória e de necessidade de adaptação. As empresas terão que investir em mecanismos de moderação mais ágeis, transparentes e eficazes, além de implementar políticas internas que deixem claro o compromisso com a proteção de direitos fundamentais.

Neste sentido, não exagero afirmar que o julgamento do STF inaugura paradigma no que se refere a regulação do ambiente digital, destacando-se que esse conceito reflete a percepção de que o modelo inaugurado pelo marco civil da internet, embora tenha sido inovador em 2014, já não dá conta da complexidade atual.

Ademais, há que se pontuar a satisfação da Suprema Corte com a conclusão adotada: o presidente do STF chegou a afirmar que a tese fixada é exemplar para o mundo, uma vez que busca um equilíbrio delicado entre preservação da liberdade de expressão e a imposição de deveres proporcionais às plataformas digitais.

Mais uma vez, o Brasil se destaca no cenário internacional (seja em forma de crítica, elogio ou simples análise), no que toca ao debate sobre a regulação digital, colocando o país como protagonista em um tema que interessa tanto a democracias consolidadas quanto a países em desenvolvimento.

4. Impactos da decisão

O impacto da decisão paradigmática também repercutiu, por óbvio, na esfera política.

Além das discussões, não é forçoso admitir que o Congresso Nacional será inevitavelmente pressionado a atualizar a legislação, criando regras mais específicas e detalhadas para o funcionamento das plataformas digitais, especialmente após o último grande debate público referente a “adultização” de crianças e adolescentes nas redes sociais.

Assim, embora o STF tenha delimitado parâmetros constitucionais, há espaço para que o legislador estabeleça mecanismos complementares, como prazos objetivos para a remoção de conteúdos ilícitos, critérios de transparência nos algoritmos de recomendação e garantias processuais para evitar abusos de moderação. 

Em síntese, preencher o subjetivismo deixado pela decisão.

Deste modo, o julgamento do STF, sem dúvidas, redefine a lógica da internet no Brasil. Se antes prevalecia a ideia de que as plataformas eram apenas intermediárias técnicas, agora se reconhece que elas exercem um papel ativo e, portanto, devem assumir a responsabilidade correspondente.

É importante destacar que tal mudança não significa censura prévia, mas sim a imposição de um dever de cuidado compatível com a relevância das big techs na vida social contemporânea.

O grande desafio, daqui em diante, será construir um equilíbrio sustentável. 

5. Conclusão

Se de um lado é preciso evitar que a exigência de moderação excessiva se transforme em um instrumento de limitação indevida da liberdade de expressão, de outro, não se pode mais admitir que empresas com tamanho poder econômico e tecnológico se eximam de atuar diante de violações graves que ocorrem em seus ambientes digitais. 

O futuro da regulação da internet no Brasil dependerá, justamente, de como esse equilíbrio será alcançado, seja pela atuação das Cortes, seja pela atualização legislativa ou até mesmo pela criação de órgãos reguladores especializados. 

Assim, conclui-se que mais do que uma decisão pontual, o julgamento do STF representa uma mudança de paradigma no modo como entendemos a internet e o papel das plataformas digitais. 

A Corte Superior reforçou a máxima de que a “internet não é terra sem lei”, mas sim uma extensão da vida em sociedade, onde os direitos fundamentais precisam ser respeitados. 

A partir de agora, big techs, usuários, advogados, legisladores e tribunais terão que lidar com esse novo cenário, que impõe responsabilidades mais claras e inaugura uma nova fase da regulação digital no Brasil.

Camila Betanin

Advogada | Professora | Especialista em Direito do Entretenimento Digital | Direito dos Games | Direito Digital | Creator Economy | Sócia-Fundadora do Betanin & Leal - Advocacia e Consultoria.

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