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Tributação em parcerias de Advogados: RFB e município de SP

Um novo paradigma na tributação das parcerias entre advogados: Entendimentos da RFB (COSIT 161/25) e do município de SP.

10/10/2025
Luísa Teixeira Machado e Ruy Fernando Cortes de Campos

1.Introdução

No universo da advocacia, as parcerias por indicação são práticas recorrentes que agregam expertise, ampliam a oferta de serviços e entregam mais valor ao cliente.

Neste contexto, o §9º do art. 15 da lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB) já consolidava o direito de a sociedade de advogados reconhecer como receita bruta própria apenas a parcela dos honorários que efetivamente lhe couber, desconsiderando os valores repassados ao escritório que indicou o cliente (“parceiro indicante”).

Em que pese tal disposto, fato é que havia dúvidas sobre a correta tributação neste tipo de contrato/parceria, de modo que muitas sociedades evitavam este tipo de prática.

Em 2025, esse cenário mudou com a publicação de dois entendimentos fundamentais: a solução de consulta COSIT 161/25, da RFB - Receita Federal do Brasil, e a solução de consulta SF/DEJUG 21/25, do município de São Paulo.

Ambas as manifestações trouxeram clareza ao alinharem-se ao Estatuto da OAB e ao conceito contábil de receita do CPC 301, delimitando de forma objetiva o que deve ser considerado receita própria e o que configura mero trânsito financeiro, proporcionando mais previsibilidade para estruturar parcerias, reduzir riscos e otimizar a carga tributária com compliance. Vejamos.

2. A solução de consulta cosit 161/25: Requisitos, conclusões e reflexos nas retenções e deduções.

Por meio da solução de consulta cosit 161/25 a RFB analisou a tributação de uma sociedade de advogados optante pelo lucro presumido que “celebra contratos de prestação de serviços profissionais, nos quais partilha os honorários recebidos com outro advogado que a indicou para atuação em área na qual o indicante não possui a necessária experiência.”

A referida sociedade, em conformidade com o Estatuto da OAB, recebe o valor integral da prestação de serviços fornecida ao cliente e, posteriormente, realiza o repasse de parte dos valores ao advogado indicante.

Neste contexto, conforme apontado acima, o § 9º ao art. 15 da lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB), dispõe de forma cristalina que o recolhimento dos tributos pela sociedade que recebe o valor integral deve considerar apenas a parcela que lhe é efetivamente devida, descontado os valores repassados ao advogado indicante.

corre que, quanto ao cenário apresentado, não há regulamentação específica sobre o que seria considerado como receita bruta pela RFB e, consequentemente, sobre eventuais regras de retenção e dedutibilidade dos tributos incidentes sobre a receita (IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e Cofins).

Assim, visando aclarar a situação, a RFB reconheceu que a figura do parceiro indicante reflete uma modalidade de parceria profissional devidamente regulamentada pelo Estatuto da OAB, mas que alguns pontos devem ser observados para que a sociedade de advogados reconheça como receita bruta apenas a parte do faturamento que lhe cabe. São eles: 

(i) O atendimento ao cliente deve ser realizado de forma direta;

(ii) Existência de contrato de prestação de serviços anterior ao início da prestação e redigido em conformidade com o provimento da OAB 204/21;

(iii) O contrato de parceria deve ser averbado à margem do registro da sociedade em cada Conselho Seccional da OAB (provimento CFOAB 112/06 e provimento CFOAB/16).

Identificados os requisitos mencionados acima, a RFB concluí que a sociedade de advogados pode reconhecer como receita bruta apenas a parte que lhe cabe do faturamento, descontados os valores repassados ao parceiro indicante, e que esta prática não afronta a norma geral prevista no art. 1232 do CTN.

Vejamos um dos principais trechos da solução de consulta: 

“Na parceria por indicação, embora apenas a consulente figure formalmente como contratada, prestadora dos serviços profissionais e centralizadora do recebimento dos honorários, há parcela dos valores recebidos que, desde a origem, não lhe pertence, sendo devida ao advogado indicante a título de honorários convencionais.

Deve ser reconhecida a aplicabilidade da norma tributária inserida no Estatuto da OAB, a qual autoriza a consulente a considerar como receita bruta própria, para fins de apuração da base de cálculo do lucro presumido, apenas os honorários que efetivamente lhe forem destinados, desconsiderando-se aqueles que correspondem ao indicante”.

Por fim, como consequência da dedução na receita bruta, dos valores repassados ao advogado indicante, a dedução dos valores de IRRF, CSLL, PIS/Pasep e Cofins retidos na fonte pelo tomador do serviço (cliente) fica limitada à proporção da receita efetivamente reconhecida pela sociedade, sendo vedado o aproveitamento integral das retenções incidentes sobre o valor global dos honorários.

3. A solução de consulta SF/DEJUG 21/25 - Município de São Paulo

No mesmo sentido, a solução de consulta SF/DEJUG 21/25, do município de São Paulo, analisou o ISS incidente sobre operações em que valores transitam pela conta do contribuinte para reembolsos corporativos.

A solução de consulta trata sobre reembolsos corporativos geridos por plataforma digital voltada ao desenvolvimento educacional de colaboradores e o respectivo tratamento para fins de ISSQN no município de São Paulo.

entendimento foi de que, quando há trânsito de valores exclusivamente a título de reembolso, sem compor a remuneração do serviço, tais montantes não integram a base de cálculo do ISS, conforme o art. 14 da lei municipal 13.701/03.

O cerne da solução de consulta está na diferenciação entre o que é a remuneração pelos serviços prestados e o que é simples reembolso de despesas, além da necessidade da escrituração clara das operações. Veja um trecho da solução de consulta:

A consulente afirma que os valores destinados aos reembolsos são previamente transferidos pelas empresas contratantes e mantidos em contas segregadas, com controle individualizado por cliente, o que permite rastrear os fluxos financeiros e comprovar que tais valores não se confundem com a remuneração contratual da consulente. Esclarece, ainda, que o valor da assinatura contratual contempla tanto o licenciamento de uso da plataforma quanto, quando aplicável, a taxa de operacionalização dos reembolsos corporativos.

A redação da SC deixa clara a diferença do que é remuneração pelos serviços prestados e o que mera movimentação de valores a título de reembolso corporativo. Veja a conclusão da autoridade fiscal:

9. De acordo com o art. 14 da lei 13.701, de 2003, a base de cálculo do imposto é o preço do serviço, como tal considerada a receita bruta a ele correspondente, sem nenhuma dedução, excetuados os descontos ou abatimentos concedidos independentemente de qualquer condição.

10. O modelo de negócio descrito na petição e no contrato apresentados prevê a movimentação de valores que transitam pela conta da consulente exclusivamente a título de reembolso, sem caracterizar receita própria. Tais valores não compõem a base de cálculo do ISS.

Desta feita, para garantir a correta aplicação desse entendimento, é essencial diferenciar, na escrituração, o que é remuneração de serviço e o que é reembolso, manter a segregação e rastreabilidade dos fluxos financeiros e não emitir NFS-e para o simples reembolso, já que a nota fiscal deve refletir apenas o preço do serviço efetivamente prestado, como assinatura ou taxa de operacionalização. 

No contexto do mercado jurídico, isso significa que, em estruturas de parceria e em casos de adiantamentos ou reembolsos de despesas, valores que apenas transitam sem constituir remuneração não devem compor a receita para fins de ISS, desde que haja segregação, documentação e escrituração adequadas.

Para quem atua com parcerias, fica evidente que, com contratos bem estruturados, averbação adequada, segregação de fluxos e escrituração alinhada ao CPC 30, é possível tributar de forma correta, transparente e eficiente, potencializando os resultados do escritório e a confiança dos clientes

4. Conclusões

Ambos os entendimentos estão em perfeita sintonia com o conceito contábil de receita previsto no CPC 30, segundo o qual só há receita quando há aumento de patrimônio líquido decorrente das atividades ordinárias da entidade. 

Assim, valores que não representam remuneração da sociedade, como repasses ao indicante ou reembolsos de terceiros, não devem ser considerados receita própria.

Para os escritórios e advogados, o caminho é claro: estruturar as parcerias por indicação com contratos robustos e anteriores à prestação dos serviços, averbar esses contratos junto ao Conselho Seccional da OAB e implantar políticas de faturamento e controles que segreguem os fluxos de reembolso dos de remuneração, evidenciem a parcela devida ao indicante e permitam a conciliação entre contratos, notas fiscais, retenções e repasses.

Além disso, é fundamental ajustar o aproveitamento das retenções na fonte à receita efetivamente reconhecida e revisar os modelos de nota fiscal, evitando a emissão de NFS-e para reembolsos e destacando apenas o preço do serviço.

Dessa forma, as soluções de consulta RFB COSIT 161/25 e SF/DEJUG 21/25 (SP) encerram incertezas-chave sobre parcerias por indicação e reembolsos, reforçando a segurança jurídica e o compliance no setor.

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1 Receita é o ingresso bruto de benefícios econômicos durante o período observado no curso das atividades ordinárias da entidade que resultam no aumento do seu patrimônio líquido, exceto os aumentos de patrimônio líquido relacionados às contribuições dos proprietários.

2 Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.

Luísa Teixeira Machado

Advogada com MBA em Gestão Tributária pela FIPECAFI. Especialização em Direito Tributário com Extensão em Contabilidade Tributária pelo IBET.

Ruy Fernando Cortes de Campos

Advogado com sólida formação em Direito Tributário e experiência de 20 anos na área.

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