O STF, ao julgar o RE 1.387.795, firmou entendimento de que “o cumprimento da sentença trabalhista não poderá ser promovido em face de empresa que não tiver participado da fase de conhecimento do processo”, ressalvadas as hipóteses excepcionais de sucessão empresarial (art. 448-A da CLT) e abuso da personalidade jurídica (art. 50 do CC).
A decisão, proferida por maioria de votos, põe fim a uma antiga controvérsia na Justiça do Trabalho e reafirma princípios constitucionais que não podem ser relativizados sob pretexto de efetividade processual. Trata-se de marco relevante na proteção das garantias fundamentais e na construção de um ambiente de negócios juridicamente seguro e previsível.
Historicamente, o TST vinha admitindo, com base no art. 2º, §2º, da CLT, a inclusão de empresas integrantes de um mesmo grupo econômico na fase de execução, ainda que não houvessem participado da fase de conhecimento. Sustentava-se que tal prática não violaria o contraditório nem a ampla defesa, sob o argumento de que a CLT não exigia que todas as empresas do conglomerado figurassem na ação desde o início.
Essa orientação jurisprudencial foi reforçada com o cancelamento da súmula 205 do TST, que antes condicionava a execução à participação da empresa no título executivo judicial. O resultado foi a consolidação de uma doutrina que, sob o pretexto de proteger o crédito trabalhista, acabou fragilizando os pilares do devido processo legal.
A jurisprudência que legitimava a inclusão de empresas na execução trabalhista apenas pela existência de grupo econômico, sem a necessária participação na fase de conhecimento, configurava verdadeira subversão dos princípios constitucionais do processo. Permitia a imposição de responsabilidade patrimonial sem contraditório.
Ao admitir que uma empresa pudesse ser compelida ao pagamento de dívida oriunda de ação na qual não foi parte, a Justiça do Trabalho abria perigoso precedente de condenações sem defesa. Tal prática negava a essência do art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, que assegura a todos o direito de não serem privados de seus bens sem o devido processo legal.
O fato de empresas integrarem um mesmo grupo econômico não as torna automaticamente partes legítimas em processos individuais. O processo é espaço de contraditório efetivo, não de suposições. E, como bem destacou o STF, ninguém pode ser surpreendido com a execução de sentença da qual não participou.
O cancelamento da súmula 205 do TST, longe de corrigir o problema, agravou-o. Ao afastar a exigência de que a empresa figurasse no título executivo judicial, o Tribunal abriu caminho para decisões imprevisíveis e contraditórias, permitindo que a coisa julgada atingisse quem jamais integrou a lide. A Corte Trabalhista, movida por nobre zelo em favor do trabalhador, acabou por fragilizar o próprio Estado de Direito.
Ao firmar a tese de repercussão geral no RE 1.387.795, o STF restabeleceu a coerência entre a execução e as garantias processuais constitucionais. A decisão reafirma que a sentença só pode ser executada contra quem foi parte no processo de conhecimento, em conformidade com o art. 506 do CPC: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.”
Trata-se de aplicação direta do princípio da segurança jurídica e da cláusula do devido processo legal. Como bem ensina André Abbud1 “a coisa julgada material incide somente sobre o resultado de processo desenvolvido sob a égide do contraditório entre as partes”, sendo “ilegítimo pretender estendê-la a quem não teve a oportunidade de contribuir para a formação do provimento”.
O Supremo também foi sensível à realidade prática da Justiça do Trabalho. A decisão não inviabiliza a tutela do crédito laboral - apenas impõe racionalidade. Em casos de sucessão empresarial ou abuso da personalidade jurídica, a execução continua possível. O que se afasta é a responsabilização automática, arbitrária e imprevisível.
A tese fixada encerra o ciclo da chamada responsabilidade surpresa e restabelece a confiança no sistema processual.
A decisão do STF no RE 1.387.795 representa um divisor de águas no direito processual do trabalho. Ao impedir a inclusão de empresas estranhas à lide na fase de execução, o STF não apenas protegeu o patrimônio jurídico das pessoas jurídicas, mas reafirmou o valor supremo do contraditório e da ampla defesa.
Mais do que uma vitória das empresas, trata-se de uma vitória do Estado de Direito. A Corte Suprema lembrou que não há justiça legítima sem processo justo, e que a efetividade da execução não pode servir de pretexto para a erosão das garantias constitucionais.
O julgado, portanto, devolve à Justiça do Trabalho o seu melhor papel: o de proteger o trabalhador sem violar o devido processo legal, equilibrando eficiência e segurança jurídica. Em tempos de decisões apressadas e interpretações expansivas, o STF cumpre sua função contramajoritária, restabelecendo os limites da legalidade e a harmonia do sistema.
É, com efeito, uma decisão que honra a Constituição e reafirma o compromisso do Supremo com a racionalidade do Direito.
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1 ABBUD, André. Coisa Julgada e Terceiros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.