A lei Maria da Penha – lei 11.340/06 – prevê, em seu art. 24-A, que o descumprimento das MPU é crime punível com pena de reclusão de 2 a 5 anos. O referido artigo foi introduzido pela lei 13.641 em março de 2018 e, desde então, muitas são as discussões no âmbito da doutrina e jurisprudência acerca dos casos em que a vítima autoriza a aproximação do suposto agressor.
O questionamento, portanto, resume-se ao seguinte: se o suposto agressor - com o consentimento da vítima - descumpre a medida protetiva de urgência, ele incorre no crime do art. 24-A da lei Maria da Penha?
De início, cumpre destacar que a resposta para esta pergunta não é pacificada na doutrina ou na jurisprudência. Todavia, o STJ - vem decidindo reiteradamente e em sua maioria, no sentido de que o consentimento da vítima - desde que incontroverso - afasta a configuração do crime de descumprimento previsto no art. 24-A da lei Maria da Penha.
A corrente que entende haver crime mesmo nos casos em que a vítima consentiu livremente pela aproximação do suposto agressor sustenta, basicamente, que o bem jurídico protegido pelo artigo que criminaliza o descumprimento da MPU não é apenas a integridade pessoal da vítima, mas também a dignidade e o prestígio da Administração da Justiça.
Com efeito, inobstante a jurisprudência do próprio STJ não seja unânime, é possível constatar que as turmas vêm entendendo majoritariamente pela atipicidade da conduta de aproximação do acusado da imputação referente ao art. 24-A, nos casos em que há consentimento inequívoco da vítima.
O entendimento do STJ está se consolidando no sentido de que "Ainda que efetivamente tenha o acusado violado cautelar de não aproximação da vítima, isto se deu com a autorização dela, de modo que não se verifica efetiva lesão e falta inclusive ao fato dolo de desobediência" (HC 521.622/SC, relator ministro Nefi Cordeiro, 6ª turma, julgado em 12/11/2019, DJe de 22/11/2019).
Com efeito, ao analisar a exposição de motivos da lei Maria da Penha, bem como a sua importância no combate à violência doméstica contra a mulher, não há dúvidas de que o bem tutelado pela legislação em comento é a integridade da vítima, e não a Administração da Justiça.
No mesmo sentido é que, para a configuração do crime do art. 24-A, basta estar presente o risco à integridade da vítima, levando à conclusão - que parece lógica - de que, caso ela abra mão voluntariamente - livre de qualquer vício de consentimento - da proteção que lhe foi concedida, não é possível verificar o delito de descumprimento de medida protetiva de urgência.
A lei Maria da Penha é reconhecida mundialmente como uma das legislações mais avançadas no que diz respeito ao combate à violência doméstica contra a mulher, porém a vulnerabilidade da mulher não pode ser presumida de maneira absoluta e inquestionável apenas pela sua condição de gênero.
Conclui-se, portanto, que, uma vez que o bem jurídico tutelado pelo crime de descumprimento previsto no art. 24-A é a integridade pessoal da vítima, quando houver o consentimento dela para a aproximação do acusado - desde que livre de qualquer vício de consentimento -, inexiste qualquer eventual ameaça ou lesão ao bem jurídico tutelado, de modo que a conduta é atípica.