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Entre o crédito e a dignidade: A impenhorabilidade da pequena propriedade rural

Decisão recente do TJ/PR reafirma a proteção constitucional da pequena propriedade rural trabalhada pela família, mesmo quando dada em garantia hipotecária.

23/10/2025
Karla Adriane Goslar

A impenhorabilidade da pequena propriedade rural é um dos temas mais relevantes da tutela constitucional da propriedade e da dignidade humana no campo.

A recente decisão do TJ/PR, proferida no agravo de instrumento 0077708-37.2025.8.16.0000, vem reafirmar a solidez desse entendimento e o alinhamento da Corte com a jurisprudência consolidada do STJ.

No caso, discutia-se a possibilidade de penhora de imóveis rurais utilizados para o sustento familiar, ofertados como garantia hipotecária em contrato bancário.

A 15ª Câmara Cível manteve o reconhecimento da impenhorabilidade, ao constatar que os imóveis, situados em São Mateus do Sul/PR, possuem área inferior a quatro módulos fiscais e são efetivamente trabalhados pelo devedor e sua família.

O relator, desembargador Jucimar Novochadlo, fundamentou o voto com base no art. 5º, XXVI, da Constituição Federal, no art. 833, VIII, do CPC e na lei 8.629/1993, destacando que a norma busca resguardar o direito à moradia e à subsistência da entidade familiar rural.

O STJ já firmou entendimento semelhante ao julgar o AgInt no AREsp 1361954/PR e o AgInt no AREsp 1176108/PR, reconhecendo que a pequena propriedade rural, ainda que hipotecada, é impenhorável quando comprovado o seu uso familiar. A ratio decidendi dessas decisões se ancora no princípio da função social da propriedade, que deve prevalecer sobre o interesse puramente patrimonial.

No caso concreto, os documentos apresentados comprovaram a atividade agrícola exercida pela família, incluindo notas fiscais e registros de cultivo de soja.

O colegiado concluiu que a soma das áreas, 37,88 hectares, está abaixo do limite de quatro módulos fiscais estabelecido pela legislação, preenchendo, assim, os requisitos legais para o reconhecimento da proteção.

A decisão do TJ/PR reafirma o compromisso do Poder Judiciário com a proteção da dignidade do pequeno produtor rural, reforçando o equilíbrio entre o direito do credor e o valor social da propriedade.

Trata-se de importante precedente que consolida a interpretação humanizada e constitucional do processo executivo, evitando que a cobrança judicial sufoque a atividade produtiva e o sustento das famílias do campo.

Karla Adriane Goslar

Advogada especialista em Direito e Execução Cível, Pós-graduada pela EBRADI e certificada pela New York Law and Science. Fundadora do Karla Goslar Advocacia, atua na defesa patrimonial com excelência

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