Migalhas de Peso

Fruição sobre lote não edificado - lei 13.786/18

O julgamento do REsp 2104086/SP (2023/0373911-8)

23/10/2025
Vitor Duarte Gonzaga e André Luis Escolastico

No artigo anteriormente publicado com o tema "Insegurança jurídica na aplicação da lei 13.786/18 nos loteamentos"1 diversos pontos foram tratados sobre a divergência de entendimentos judiciais sobre as consequências da resolução contratual de instrumentos que envolvem a aquisição de lotes, nos termos da lei 6.766/1979.

Em feliz decisão, o E. STJ, em sua quarta turma, no julgamento do REsp 2104086/SP (2023/0373911-8), fixou a aplicação da lei 13.786/18 às resoluções dos referidos contratos.

Referido julgado, ainda não publicado na íntegra, consta na sessão de julgamento disponível em vídeo transmitida no canal oficial do STJ.2

Em seu voto, o D. min. Marco Buzzi, ao divergir em parte do voto da eminente relatoria, defendeu que todos os descontos previstos no art. 32-A da lei 6.766/1979 devem ser aplicados, no entanto, sua interpretação, limita-os ao montante pago pelo adquirente.

A Relatora E. ministra Maria Isabel Gallotti ao afirmar que a lei prevê a dedução dos valores pagos, relembrou que o caso em questão não tinha por finalidade a discussão sobre a pretensão de cobrança de saldo residual pela loteadora sobre valores que excedessem o valor pago pelo adquirente, não sendo objeto a constituição de crédito por ela, mas sim o direito ou não do adquirente em receber parte do que pagou, sendo, ao final, o seu voto o vencedor, por maioria, apesar do voto divergente.

Apesar do limite trazido no voto divergente, que ousamos discordar pelo caráter indenizatório de algumas verbas, que será objeto de novo artigo oportunamente e, que como manifestado pela D. min. relatora, deverá ser enfrentado em oportunidade em que a loteadora buscar receber esses créditos, é importante trazer que houve a definição, isso sim, em unanimidade, pelo E. STJ, sobre a incidência de fruição sobre lote não edificado adquirido nos moldes da lei 6.766/1979, estabelecendo-se que, considerando a previsão do inciso I em seu art. 32-A, ela deve ser aplicada, ante a presunção de que há prejuízo na indisponibilidade do imóvel em benefício do adquirente inadimplente, desde a transmissão da posse, sem a devida contraprestação e a retirada dele do acervo do empreendedor para quaisquer fins comerciais.

Destaca-se a relevância da decisão do E. STJ ao fixar o entendimento, no referido julgamento, de que a integralidade do art. 32-A da lei especial deve ser aplicada às resoluções de instrumentos de aquisição de lotes, em especial quanto à fruição, inclusive em lote não edificado, ante o inadimplemento do comprador.

Diante disso, a decisão reafirmando a aplicação da referida lei especial, reforça a segurança jurídica colocada como pilar do Estado de Direito em nossa constituição de 1988 (art. 5°, caput) e traz previsibilidade à infinidade de contratos firmados contendo o objeto da discussão aqui pautada.

Nas palavras da brilhante obra de Welder Queiroz dos Santos:

"A segurança jurídica atua no ordenamento jurídico como princípio 76 que tem por finalidade criar o estado ideal de certeza, de compreensibilidade, de determinabilidade e de previsibilidade do comportamento e da atuação dos agentes públicos suscetíveis de atingirem a esfera jurídica dos particulares. 77 Nesse sentido, a segurança jurídica incorpora o valor da previsibilidade do comportamento do poder público sobre o particular como vontade da sociedade. A previsibilidade, como anota Teresa Arruda Alvim, é “um fenômeno que produz tranquilidade e serenidade no espírito das pessoas, independentemente daquilo que se garanta como provável de ocorrer como valor significativo”. 78 É imprescindível que o direito gere segurança jurídica.

Nesse sentido, a segurança jurídica é necessária para a vida humana, pois o ser humano necessita de segurança para planejar sua vida e conduzir seus atos sabendo das consequências jurídicas decorrentes de sua prática. 79 “A previsibilidade da atuação estatal permite que os particulares estabeleçam responsavelmente seus planos de ação e saibam com antecedência quais serão as consequências de seus atos.” 80" (Santos, 2021)3

É certo que o STJ ao se manifestar pela aplicação da lei, reitera a segurança jurídica preconizada em nossa Constituição de 1988, como no caso em tela, ao reforçar a sua necessária aplicação, em especial no que tange ao art. 32-A, da lei 6.766/1979, incluído pela lei 13.786/18 que estabeleceu, matematicamente, todas as consequências da resolução contratual de aquisição de lote em loteamento ou desmembramento.

Importante ratificarmos também que, apesar de estarmos tratando de instrumentos de aquisição de lotes, nos termos da lei 6.766/1979, não se pode olvidar de que a alienação deles também pode se dar na modalidade de Condomínio de Lotes (art. 1.358, CC), cuja previsão das consequências pelo desfazimento do negócio, também por culpa do comprador, foram previstas no art. 67-A da lei 4.591/1964, onde lá, da mesma forma, especificou-se em seu § 2°, III, de que a taxa de fruição é devida, mesmo em se tratando de lote não edificado, podendo, inclusive, esse valor, gerar um crédito ao incorporador, além do valor pago pelo adquirente.

Diante de todo o exposto, esperamos que o reforço à segurança jurídica e a supremacia legal sejam sempre reafirmados pelo nosso Poder Judiciário, sendo de suma importância a sua concretização, somadas aos instrumentos previstos para tanto, com o fim de termos previsibilidade nas relações jurídicas existentes em nosso país.

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1 https://www.migalhas.com.br/depeso/427760/inseguranca-juridica-na-aplicacao-da-lei-13786-18-nos-loteamentos

2 https://www.youtube.com/watch?v=spA5VLGBrNk

3 SANTOS, Welder et al. 1. Estado de Direito, Legalidade, Igualdade e Segurança Jurídica In: SANTOS, Welder et al. Ação Rescisória por Violação a Precedente. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/acao-rescisoria-por-violacao-a-precedente/1339463869. Acesso em: 20 de Outubro de 2025.

Vitor Duarte Gonzaga

Advogado. Especialista em Direito Imobiliário.

André Luis Escolastico

Técnico em Transações Imobiliárias, Administrador, Advogado e Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD).

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