Você finalmente abriu sua sociedade unipessoal de advocacia. O CNPJ está ativo, a conta PJ aberta e as notas fiscais prontas para uso. Sensação de liberdade, de um recomeço mais profissional.
Mas agora vem a parte que a maioria das advogadas subestima: a gestão contábil da empresa.
O que parece simples na teoria se torna confuso na prática: como definir o pró-labore? Quando distribuir lucros? Precisa pagar INSS? Dá para deduzir o aluguel do escritório?
Pior ainda: muitos desses erros são cometidos logo nos primeiros meses de atividade e só são percebidos quando o problema chega em forma de autuação da Receita Federal, bloqueio de conta bancária, ou perda do enquadramento no Simples Nacional.
Neste artigo, você vai entender o que toda advogada com CNPJ precisa dominar (ou pelo menos entender) sobre contabilidade jurídica para não transformar o sonho do próprio escritório em um passivo fiscal.
O Simples Nacional é simples só no nome
A maioria das sociedades unipessoais de advocacia se enquadra no Anexo IV do Simples Nacional, com alíquota inicial de 4,5% sobre o faturamento mensal. Mas há um detalhe importante: nesse anexo, a empresa também precisa recolher INSS patronal (20%) sobre o pró-labore da sócia.
Além disso, existem obrigações mensais, trimestrais e anuais, como:
- Recolhimento do DAS - Documento de Arrecadação do Simples Nacional;
- Emissão de notas fiscais com os dados corretos;
- Escrituração contábil regular;
- Apuração e pagamento do INSS;
- Declarações como DEFIS, e-Social, DCTFWeb, entre outras.
Erro comum: abrir o CNPJ e ficar meses sem fazer nada, achando que “não tem movimento = não tem obrigação”. Isso pode gerar multa por omissão de declaração, juros por atraso no DAS, e dificuldades futuras para obtenção de crédito ou licitações.
Se a sua empresa fatura, você, enquanto sócia, precisa definir um pró-labore mensal.
O pró-labore é a remuneração oficial da sócia que trabalha no negócio e sobre ele incidem os seguintes tributos:
- 11% de INSS (parte do contribuinte, descontado da remuneração);
- 20% de INSS patronal (obrigação da empresa, conforme o Anexo IV).
Essa estrutura é obrigatória. E mais: ela é o pré-requisito legal para que a empresa possa distribuir lucros de forma isenta de imposto de renda.
Ou seja:
Sem pró-labore formal - sem distribuição de lucros legal.
Erro comum: “sacar tudo o que entra no Pix da empresa” e chamar de lucro, sem pró-labore definido, sem escrituração, sem controle. Isso é confusão patrimonial, e é o que mais chama atenção em uma fiscalização.
Despesas operacionais: Por que registrar, mesmo que não reduza imposto
No regime do Simples Nacional, o imposto é calculado com base no faturamento bruto, e não nas despesas. Isso significa que, diferentemente de empresas no Lucro Real, as despesas não são dedutíveis para fins de cálculo de imposto.
No entanto, isso não torna o registro dessas despesas menos importante. Muito pelo contrário: manter uma escrituração detalhada e precisa é o que garante segurança jurídica e clareza financeira para sua sociedade unipessoal.
As despesas operacionais mais comuns que devem ser registradas são:
- Aluguel (com contrato);
- Internet, luz, telefone (proporcional ao uso no escritório);
- Softwares jurídicos;
- Marketing jurídico autorizado.
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- Honorários contábeis, e de terceiros.
Essas informações são fundamentais para:
- Apurar corretamente o lucro líquido;
- Definir a base de distribuição de lucros isentos;
- Comprovar a estrutura operacional da empresa em fiscalizações;
- Fazer uma gestão financeira eficiente.
Em resumo: não reduz o imposto, mas protege o seu lucro, organiza seu financeiro e blinda sua empresa contra problemas maiores.
Contabilidade bem feita não é só pagar impostos. É transformar dados em decisões.
Obrigações acessórias: O perigo do “é só emitir nota fiscal”
Muitas advogadas que começam a atuar com CNPJ acreditam que emitir a nota fiscal já resolve tudo. Mas, na prática, existem diversas obrigações acessórias que precisam ser cumpridas mensal, trimestral e anualmente, mesmo que a empresa esteja sem movimentação.
Ignorar essas obrigações pode gerar multas automáticas, perda da regularidade fiscal e até bloqueio da conta bancária.
Veja algumas delas:
- Pagamento do DAS: Obrigação mensal. Atrasos geram multa e juros automáticos.
- Folha de pagamento da sócia (pró-labore): Também mensal. Exige envio ao e-Social e recolhimento do INSS patronal (20%) e da parte da sócia (11%). Não registrar isso corretamente pode comprometer a distribuição de lucros isenta.
- DCTFWeb e eSocial: Entregas mensais que informam ao governo os valores de INSS e folha de pagamento. A não entrega implica multas que podem ultrapassar R$ 200, mesmo que não haja movimentação.
- DEFIS: É a Declaração Anual do Simples Nacional, obrigatória para todas as empresas optantes. A não entrega acarreta multas por omissão e complica a situação fiscal da empresa.
- Escrituração contábil: Apesar de muitos ignorarem, mesmo no Simples Nacional, empresas prestadoras de serviço (como a advocacia) devem manter escrituração contábil regular, com livro diário, balancete e demais demonstrativos.
E aqui vai o alerta: O simples fato de não ter faturamento em um determinado mês não isenta a advogada de enviar essas obrigações. A Receita Federal considera como omissa qualquer empresa que não se manifesta e aplicar penalidades é automático.
Relatórios contábeis: Ferramenta ou desperdício de papel?
Empresas organizadas usam a contabilidade como ferramenta de gestão. Advogadas que crescem, também.
Relatórios como:
- DRE - Demonstração do Resultado do Exercício;
- Balancete mensal;
- Fluxo de caixa;
- Comparativos de movimento quadrimestral.
...mostram onde está o lucro real, se os custos estão aumentando, e onde estão as oportunidades de redução de despesas ou reinvestimento estratégico.
O que não é medido, não pode ser melhorado. E advogadas que tratam seu escritório como empresa colhem resultados de empresa.
Por que muitas advogadas erram ao “fazer sozinhas” (e como evitar isso)
Abrir CNPJ com um vídeo do YouTube é fácil.
O difícil é saber o que vem depois, e assumir os riscos de não cumprir todas as regras da Receita Federal, da previdência e da prefeitura.
As principais armadilhas do "faça você mesma":
- Escolha errada do CNAE (atividade incompatível com a advocacia);
- Falta de registro do Pró-labore;
- Não pagamento do INSS Patronal (20%);
- Uso indevido da distribuição de lucros;
- Emissão de nota fiscal com erros formais;
- Não entrega das obrigações acessórias;
- Confusão entre finanças pessoais e empresariais.
O barato sai caro. E quando o assunto é Receita Federal, o preço se paga com multa, dor de cabeça e insegurança jurídica.
Conclusão: Você é advogada. Sua energia precisa estar no jurídico, não na contabilidade
A gestão contábil é como um contrato bem redigido: quando está bem feito, protege você. Quando está mal feito, vira uma dor de cabeça difícil de resolver.
Você não precisa dominar todas as regras fiscais, mas precisa de uma estrutura que funcione por trás do seu escritório.