Os precatórios, que deveriam representar o cumprimento de uma dívida moral e financeira do Estado com o cidadão, vêm se transformando em um verdadeiro pesadelo jurídico e social. O que antes era a promessa de justiça e reparação, hoje se tornou um símbolo de insegurança, lentidão e desrespeito institucional.
Nesta semana, o STF voltou a julgar a EC 136/25, que alterou as regras de pagamento e correção dos precatórios federais. A decisão envolve R$ 71 bilhões em dívidas da União e pode afetar diretamente mais de 250 mil brasileiros que aguardam, há décadas, o recebimento de valores reconhecidos pela Justiça.
Quando o direito vira perda real
A emenda criou uma nova forma de atualização dos valores, substituindo a taxa Selic pelo IPCA mais 2% ao ano. À primeira vista, pode parecer apenas uma mudança técnica. Mas, na prática, isso representa uma redução expressiva no valor a ser pago, corroendo o poder de compra e violando o princípio da coisa julgada.
Quando o governo altera a forma de pagamento de uma dívida já reconhecida, desrespeita a Justiça e transforma um direito líquido e certo em perda real. É o que chamo de um confisco disfarçado de ajuste fiscal.
Esses recursos não são apenas números em planilhas: representam a aposentadoria de um idoso, a indenização de uma família, a sobrevivência de quem lutou anos no Judiciário para fazer valer um direito.
Além do atraso e da desvalorização, cresce no país o número de fraudes envolvendo precatórios. Durante a pandemia, uma idosa de 82 anos descobriu que havia “recebido” R$ 1 milhão em seu nome, valor que jamais chegou à sua conta.
A fraude foi possível por meio de uma procuração falsificada, reconhecida em cartório, que permitiu o saque indevido. Casos assim escancaram as brechas do sistema e a vulnerabilidade dos credores diante da burocracia estatal.
Por isso, é essencial que o cidadão mantenha seus dados atualizados junto ao tribunal e evite assinar procurações sem acompanhamento jurídico. Golpistas se aproveitam da demora no pagamento e da falta de informação para aplicar golpes sofisticados.
Qualquer pessoa pode verificar se tem um precatório a receber. Basta acessar o site do TRF da sua região ou do TJ do seu estado e procurar a seção “Precatórios”. Com o CPF ou número do processo, é possível confirmar o status do pagamento.
Muitos brasileiros têm valores parados há anos e sequer sabem disso. A falta de acompanhamento é uma das principais razões pelas quais golpes e atrasos passam despercebidos. A orientação jurídica é fundamental para evitar prejuízos e garantir o recebimento integral dos valores.
O julgamento do STF sobre os precatórios é, acima de tudo, um teste de responsabilidade institucional. Se a Corte considerar a emenda inconstitucional, o governo terá de quitar integralmente as dívidas, o que pode elevar o déficit primário da União para R$ 97 bilhões em 2025.
Por outro lado, se as novas regras forem mantidas, estaremos consolidando um modelo que eterniza o calote público e esvazia o sentido da Justiça.
Cada precatório é mais do que uma linha no orçamento, é o reflexo da confiança do cidadão no Estado. Quando o poder público adia, reduz ou manipula o valor de uma dívida reconhecida, ele mina a própria credibilidade da Justiça e do sistema tributário.
É preciso lembrar: o Estado deve ser o primeiro a dar o exemplo no cumprimento das leis. E a Constituição não permite que a falta de planejamento fiscal se sobreponha ao direito adquirido do cidadão.