Poucos temas revelam tanto sobre a identidade jurídica e moral de um país quanto a forma como ele regula a presença do estrangeiro. Os Estados Unidos e Portugal - nações historicamente moldadas pela imigração - vivem hoje um momento de redefinição de seus paradigmas migratórios. O endurecimento das leis que tratam da entrada e permanência de imigrantes reflete não apenas novas prioridades políticas, mas também transformações sociais profundas.
Nos Estados Unidos, o debate migratório continua marcado por tensões entre segurança e inclusão. O país que se consolidou sob o ideal do “sonho americano” vem substituindo o discurso da oportunidade pelo da contenção. Entre cercas físicas e barreiras burocráticas, a política migratória americana revela a busca por um equilíbrio que nem sempre é alcançado: proteger fronteiras sem abdicar dos valores de liberdade e igualdade que formam o cerne de sua Constituição.
Mas é em Portugal que se observa, neste momento, um movimento jurídico mais simbólico e impactante. Em 2025, foi promulgada a nova Lei de Estrangeiros, reformando o regime jurídico da imigração e encerrando um ciclo de políticas de abertura que marcaram os últimos anos. A lei extingue o mecanismo de manifestação de interesse - instrumento que permitia a regularização posterior de imigrantes que já se encontravam em território português e exerciam atividade laboral - e o substitui por um modelo mais restritivo, exigindo visto prévio obtido ainda no país de origem.
A norma também introduz novos critérios para concessão e renovação de autorização de residência, com maior controle documental e revisão dos prazos e requisitos. Entre os argumentos oficiais, destacam-se o combate ao uso indevido dos canais de regularização, a necessidade de proteger o mercado de trabalho e a intenção de promover uma imigração “ordenada e sustentável”. Na prática, contudo, a mudança representa um ponto de inflexão: Portugal deixa de ser o exemplo europeu de acolhimento facilitado e passa a adotar um paradigma de gestão migratória mais próxima do modelo continental, centrado na seletividade e na previsibilidade jurídica.
Do ponto de vista jurídico-constitucional, a medida suscita questões relevantes. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa, ao promulgar a lei, reconheceu a ausência de vícios formais de inconstitucionalidade, mas o debate público revelou tensões entre os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da dignidade humana. A mudança ocorre justamente em um país cuja Constituição, no art. 15.º, consagra a equiparação de direitos entre portugueses e cidadãos de países lusófonos em diversas matérias.
Além disso, o novo quadro normativo coloca em xeque a efetividade dos acordos da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que buscavam consolidar um espaço de mobilidade e integração entre povos unidos por laços históricos e culturais. Muitos brasileiros - hoje a principal comunidade estrangeira residente em Portugal - veem-se diante de um cenário de incerteza jurídica, em que a aplicação prática da nova lei ainda depende de regulamentações e de interpretação administrativa pela AIMA - Agência para a Integração, Migrações e Asilo, sucessora do extinto SEF.
É importante reconhecer que a imigração, mais do que uma questão de soberania, é também um campo de concretização de direitos humanos e de afirmação da vocação internacionalista do Estado. A Constituição portuguesa, ao lado de tratados como a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias, estabelece limites éticos e jurídicos à ação estatal. Em um contexto europeu de crescente restrição, o desafio de Portugal será compatibilizar o legítimo exercício do poder de controle com o respeito às garantias fundamentais que sempre distinguiram o seu ordenamento jurídico.
A nova lei não apaga a tradição acolhedora portuguesa, mas a submete a um teste de coerência. A lusofonia, conceito que transcende fronteiras e evoca uma comunidade de valores, só se sustenta se acompanhada de políticas que convertam afinidades culturais em direitos concretos.
Entre o acolhimento e o fechamento, a história das migrações continua a refletir as escolhas éticas de cada geração. As fronteiras podem mudar, as normas podem se adaptar, mas a busca humana por dignidade e pertencimento permanece - e é nela que se revela, em última instância, o verdadeiro espírito das nações.