O split payment talvez seja a jabuticaba menos brasileira dentro da reforma do consumo que o país vem preparando terreno para que dê frutos a partir de janeiro de 2026. O Brasil tenta operacionalizar o que outros países não conseguiram.
Nenhum país geográfica ou demograficamente tão grande tentou implementar algo semelhante na tentativa de estancar a inadimplência com os cofres públicos. A Itália é um exemplo que vem, desde 2015, implementando o split payment, ou Scissione dei Pagamenti, a duras penas. No caso italiano, diferente do que é proposto no Brasil, o mecanismo não é aplicado a todas as operações, ficando restrito a fornecedores da administração pública. Com o objetivo de adotar o split como regra geral, o desafio brasileiro é ainda maior.
O mecanismo desenhado promete ser muito eficiente se operar na velocidade prometida. A proposta é de que o split payment segregue, no ato do pagamento, os valores correspondentes ao tesouro público, e repasse ao fornecedor do bem ou serviço a parte de lucro, já sem os tributos devidos. Há ainda a possibilidade de o cálculo ser feito mesmo em operações parceladas no cartão de crédito ou no pix, alcançando tudo que envolva o pagamento digital dentro do sistema bancário. Com isso, deixa de ser necessária a declaração posterior de tributos devidos pelo contribuinte, já que o mundo virtual se ocupará disso, calculando os créditos que serão devidos na operação e a possibilidade de devolução, em três dias, do valor recolhido a mais.
Foram desenhados três modelos: um mais simplificado, ideal para quem opera no varejo, em que será feita uma média de recolhimento a ser corrigido efetivamente num encontro de contas que reflita o valor real da tributação dos produtos fornecidos. Outra hipótese é o modelo inteligente, que será capaz de calcular, além da segregação da alíquota real dos produtos, os valores referentes a crédito devido após analisar a cadeia de fornecedores e recebedores, resultando num recolhimento sem necessidade de ajustes posteriores. O terceiro modelo é manual, feito como já é hoje. Ele é pensado para operações pagas com dinheiro em espécie, por exemplo, que não passam pelo sistema financeiro.
Com o PLP 108/24 aprovado no Senado Federal, as diretrizes do split payment recebem mudanças:
- Ajustes técnicos na redação da LC 214/25 para operacionalização do modelo, nas transações originadas pelo recebedor em que não houver vinculação imediata entre a operação e a transação de pagamento. A vinculação poderá ser feita na emissão do documento fiscal eletrônico pelo fornecedor ou pela plataforma digital, conforme o caso;
- Ainda em complemento à LC 214/25, o texto da CCJ passou a prever a possibilidade de devolução dos valores já segregados pelo split se ocorrer devolução de valor ou cancelamento da operação que enseje o fato gerador;
- Foi feito ajuste no conceito de saldo devedor a ser debitado no split payment para adequar à realidade da Zona Franca de Manaus, de modo que o valor decotado do IBS nas operações incentivadas seja refletido no mecanismo eletrônico;
- Os bancos estarão sujeitos a penalidade administrativa no caso de não implementação e controle do recolhimento do split, em valores que podem ir de 20 centavos de real, inicialmente, até multa no valor da operação não recolhida ou em atraso, acrescida de 3% sobre o valor. As penalidades poderão ser aplicadas a partir de 2027 e com limites toleráveis de erros ou aplicações não realizadas;
- O sistema simplificado do split payment poderá ser utilizado tanto nas operações B2B, quanto B2C, antes a operação estava priorizada para o varejo (B2C).
As apostas do poder público quanto ao split payment são altas, especialmente porque, poucos países têm um sistema bancário e governamental com um nível de informatização tão desenvolvido quanto o Brasil, o que torna a curiosidade sobre o mecanismo de pagamento instantâneo de tributos uma expectativa sobre como se desenvolverão as relações entre fisco e contribuinte, fisco e bancos e bancos e clientes no controle e operacionalização do recolhimento de valores aos cofres públicos.