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Breves considerações sobre responsabilidade civil em sites mimetizados

Este artigo visa discutir a posição do STJ a respeito da responsabilidade civil em sites mimetizados e a possibilidade de indenização do consumidor.

31/10/2025
Bruno Yudi Soares Koga

Introdução

Este artigo pretende discutir o entendimento do STJ no REsp 2.176.783/DF, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª turma, julgado em 20/5/25, DJEN de 29/5/25.

A importância do acórdão se dá porque serve de amparo para decisões posteriores, tais como nos REsp 2.213.325/SP, relatora ministra Daniela Teixeira, 3ª turma, julgado em 1/9/25, DJEN de 4/9/25 e REsp 2.215.907/SP, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 1/9/25, DJEN de 4/9/25.

O caso trata de site fake, clonado ou, mais propriamente, mimetizado. Significa dizer, página web falsamente atribuída a determinado fornecedor criado por terceiro estelionatário.

Tivemos a oportunidade de atuar em casos deste jaez em ambos os lados das disputas e isto nos impele a apresentar considerações a respeito de como enquadrar tais casos à luz do direito positivo, especialmente nas relações de consumo.

Feitas estas considerações, apresentaremos então nossas considerações na seguinte ordem: i) breve resumo do REsp 2.176.783/DF; ii) Considerações a respeito dos sites mimetizados e fato do serviço; e iii) Conclusões.

1. Breve resumo do REsp 2.176.783/DF

No caso objeto do acórdão, consta do voto que a consumidora desejava quitar de modo antecipado uma dívida mantida junto a banco, todavia, o boleto foi pago a terceiro e não à instituição financeira.

Isto se deu por conta da criação de site mimetizado, descrito precisamente no voto condutor como aquele no qual: “Os fraudadores copiam o layout do site oficial de fornecedores variados (lojistas, instituições financeiras, telefonias, prestadores de serviços) e, utilizando a marca, passam-se por eles. Assim, o cliente que busca por seu fornecedor em provedor de pesquisa poderá ser enganado e entrar em uma página de internet falsa. Acreditando ser aquele o link para contato com seu fornecedor, o consumidor contatará diretamente a fraudador, contratando serviços não prestados, comprando produtos inexistentes e realizando pagamentos ilusórios.”1.

À luz de tal atividade criminosa, o voto considerou que se trata de fato de terceiro apto a romper o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Note-se que o voto ainda alude à massiva jurisprudência a respeito do dever de prevenção de golpes através de transações suspeitas.

O voto vencido do ministro Moura Ribeiro observou os fatos e considerou que houve fato do serviço. Arrimou-se no dever de cuidado e prosseguiu aduzindo que: “No caso em apreço, não há notícia de que o BANCO HYUNDAI tenha exercido um monitoramento contínuo das páginas eletrônicas falsas existentes na internet a fim de excluir essas publicações da rede mundial de computadores (na forma do art. 19 da Lei nº 12.965/2014) e, dessa forma, proteger a integridade patrimonial dos seus clientes e dos consumidores em geral contra fraudes praticadas por terceiros.”2.

Importante destacar que o alentado voto vencido fez considerações a respeito não apenas do Direito do Consumidor em sentido estrito, mas também às resoluções do Banco Central.

Ainda no mesmo acórdão, houve aditamento ao voto vencedor com passagem significativa: “4. No golpe do site mimetizado, uma página falsa é criada e mantida por terceiro, valendo-se da marca de determinado fornecedor. O fornecedor imitado também é vítima do golpe, que lhe causa dano financeiro e reputacional. É do seu próprio interesse, portanto, evitar que sites falsos sejam criados em seu nome – e deve empregar esforços nesse sentido. Contudo, não é razoável responsabilizar todo e qualquer fornecedor por não conseguir impedir terceiros de se passarem por si.”3.

Prossegue ainda assinalando que: “5. Assim, diante do golpe do site mimetizado, a verificação da responsabilidade do fornecedor dependerá da existência de falha na prestação de seus serviços”.

Por conta disto, pode-se analisar duas posições: i) A criação do site mimetizado é fato de terceiro, que rompe o nexo causal e, por consequência, inviabiliza a ocorrência de fato do serviço, desde que não relacionada a “falha na prestação de seus serviços”; e ii) A criação do site mimetizado seria fortuito interno ao menos em instituições financeiras, não afastando a ocorrência de fato do serviço.

2. Considerações a respeito dos sites mimetizados e fato do serviço

Como visto, o site mimetizado é aquele semelhante ao site real do fornecedor, mas criado por terceiros com o intuito de atividade criminosa.

Nestes sites, é possível que os meliantes tenham acesso a dados pessoais, entrem em contato com o consumidor, enviem mensagens, cobranças e apliquem todo o fruto de todo engenho da malícia humana.

O acesso a tais sites ocorre, via de regra, por meio de buscadores de internet, sendo então o motivo pelo qual o consumidor se equivoca e ingressa na página falsa.

De acordo com nosso entendimento, há de se considerar ao menos três elementos fundamentais: i) Porte do fornecedor; ii) Grau de mimetização do site; e iii) Comportamento do consumidor.

Com efeito, fornecedores de grande porte possuem maior capacidade de verificar a existência de site mimetizados, sendo o caso de instituições financeiras de porte, plataformas de redes sociais, grandes intermediadores de produtos e/ou serviços e demais sociedades empresárias de capital aberto.

Por outro lado, excluem-se de tal lista, exemplificativamente, sociedades de menor porte, tais como hotéis, pousadas, sociedades que nicho que atuam para um público reduzido de indivíduos e demais fornecedores de serviço que não tenham capacidade de destacar funcionários para o acompanhamento contínuo de sua página na internet.

Dentro deste prisma, a segurança que se deve esperar do fornecedor está mais atrelada à sua capacidade de efetiva vigília do que necessariamente se o fortuito está ou não ligado à atividade desenvolvida.

Sociedades de menor porte, por exemplo, possuem equipe enxuta e recursos que não podem ser dispendidos em monitoramento da internet. Por outro lado, fornecedores de maior parte não apenas possuem a capacidade, mas o dever de zelar com grau maior pela segurança de seus serviços ou produtos, inclusive em relação ao consumidor por equiparação.

Passando então ao grau de mimetização do site, há de se destacar que há páginas grosseiras e extremamente mal elaboradas, sendo evidente que não dizem respeito ao efetivo fornecedor.

Tais sítios eletrônicos não podem ser equiparados a páginas ou aplicações com altos níveis de semelhança ao efetivo site do fornecedor. Por conta disto, em nosso sentir, páginas elaboradas de modo precário são elementos que devem ser analisados para a aferição da ocorrência de fato de terceiro ou do consumidor.

Por fim, o comportamento do consumidor deve ser analisado à luz do site mimetizado. O consumidor que adentra uma página grosseira na qual há ofertas pouco críveis deve ser colocado em situação diversa do consumidor que ingressa em página bem elaborada e que copia exatamente os modelos do site do fornecedor, inclusive inserindo “preços de mercado” nos produtos e/ou serviços.

Note-se ainda que o consumidor não está habituado a passar horas e horas a ler contratos, sendo então caso de se considerar que a indicação da página correta em uma cédula de crédito bancária, termos de uso ou qualquer outro documento não é necessariamente algo que será observado pelo consumidor em termos concretos.

Isto ainda passa pela análise da ocorrência de hipervulnerabilidade, pois os imigrantes digitais possuem menor capacidade de compreender os sites mimetizados. Assim, tais indivíduos não podem ser equiparados a consumidores com evidente conhecimento do funcionamento dos sites e capacidade de observar detalhes sobre estética e ofertas das páginas mimetizadas.

Portanto, a nosso sentir, não basta apenas considerar se há ou não fortuito interno, mas uma variedade de elementos que somente podem ser desnudados no caso concreto.

Após esta breve exposição, consideramos que: i) Somente poderá haver responsabilização do fornecedor de produtos e/ou serviços de grande porte, excluindo-se sociedades empresárias menores e que não têm condições de destacar equipe de monitoramento; ii) Tratando-se de site de sociedade de grande porte, deve-se analisar o grau de mimetização da página para a aferição de efetiva possibilidade de confusão do consumidor entre os sites. Na hipótese de sites grosseiros ou com ofertas mirabolantes, não é possível que haja responsabilização; e iii) A regra geral dos itens supra pode ser excetuada em caso de consumidores hipervulneráveis, especialmente os imigrantes digitais, sendo o caso de lhes conferir proteção ainda que o site seja grosseiro.

3. Conclusões

Espera-se que estas considerações sejam aportes para a análise de uma “teoria geral” a respeito dos sites mimetizados, especialmente para que seja possível o estabelecimento de regras claras e específicas para cada caso concreto.

Considerando nossa experiência a respeito de páginas mimetizadas de todo gênero de fornecedores, os elementos trazidos contribuem de maneira equilibrada para que se possa compreender como é possível analisar eventual responsabilidade a despeito de discussões sobre a natureza do caso como fortuito interno ou externo.

Demais do exposto, os critérios buscam aplicar os princípios da ordem econômica ao caso concreto, atribuindo maiores deveres às sociedades de grande porte e evitando a criação de barreiras de entrada (livre iniciativa e livre concorrência), bem como a proteção do consumidor, especialmente dos hipervulneráveis.

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1 REsp n. 2.176.783/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/5/2025, DJEN de 29/5/2025

2 REsp n. 2.176.783/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/5/2025, DJEN de 29/5/2025

3 REsp n. 2.176.783/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/5/2025, DJEN de 29/5/2025

Bruno Yudi Soares Koga

Doutor em Direito Constitucional e Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo IDP. Foi professor de cursos de graduação e pós-graduação. Advogado em São Paulo. Site: www.brunokoga.com.br

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