A complexidade e o passivo bilionário do mercado de precatórios no Brasil são diretamente proporcionais à sua principal vulnerabilidade: a falta de transparência e a assimetria de informações. Precatórios não são títulos mobiliários, são dívidas judiciais cuja existência, valor e cronograma de pagamento dependem de informações dispersas entre tribunais, tesouros estaduais, prefeituras e órgãos reguladores.
Essa fragmentação e a opacidade inerente ao sistema criam o ambiente perfeito para a especulação predatória, a fraude e, principalmente, a corrosão da confiança, afetando desde o credor original (o cidadão) até o investidor institucional de grande porte.
A batalha pela transparência, portanto, não é apenas um ideal ético, mas uma necessidade estrutural. O Judiciário enfrenta um grande desafio na gestão dos precatórios, já que os tribunais, como TJ’s, TRF’s e TRT’s, são responsáveis por expedir e administrar as filas de pagamento. Cada um, porém, utiliza sistemas próprios (e-SAJ, Projudi, PJe, entre outros), o que dificulta a consolidação dos dados de forma automática, ágil e organizada.
Do outro lado está o ente devedor, ou seja, tesouros estaduais e prefeituras, responsáveis por alocar recursos e efetuar os pagamentos. A transparência desses entes é crucial, especialmente após a introdução de regimes especiais, como os criados pela PEC dos Precatórios. O investidor precisa saber: qual é o limite anual de pagamento? Qual a prioridade real de desembolso? Qual o saldo do fundo de precatórios? Muitas vezes, essas informações são nebulosas ou publicadas em relatórios de difícil acesso.
E, por fim, o credor. O mercado de cessão de crédito depende da certeza sobre o ativo. A ausência de um padrão de dados (metadados) para cada precatório dificulta a due diligence, encarecendo a operação e, consequentemente, aumentando o deságio imposto ao credor original.
O CNJ emerge como ator central nessa batalha. Sua missão institucional de uniformizar o sistema de justiça o coloca na posição ideal para exigir a padronização dos dados de precatórios em todo o país.
Entretanto, é fundamental fazer um alerta: sob a ótica econômica, a crescente tendência de uniformização e restrição do acesso às informações sobre precatórios pode gerar um efeito adverso no próprio mercado. Quando menos agentes conseguem acessar dados, reduz-se automaticamente o número de potenciais compradores, ou seja, diminui-se a demanda efetiva. Diante de um ambiente com menos participantes, a concorrência cai e o preço ofertado pelos créditos tende a ser menor. É um mecanismo básico de mercado: menos compradores disputando um mesmo ativo significa menor pressão de compra e, portanto, preços mais deprimidos. Assim, aquilo que poderia parecer uma ferramenta de proteção ao credor transforma-se, na prática, em um fator que reduz o valor de mercado do seu próprio crédito.
A batalha pela transparência é, no fundo, uma batalha pela confiança.
Enquanto o estoque de precatórios brasileiros cresce, a única forma de evitar que essa dívida social se transforme em um “buraco negro” de incerteza é por meio de informação acessível, padronizada e confiável. A tecnologia oferece as ferramentas, cabe aos atores institucionais, como o CNJ, os tribunais e os gestores do mercado, adotarem as regras e a mentalidade capazes de transformar esse ativo de dívida opaca em um investimento legítimo, seguro e, acima de tudo, ético.
A transparência não é um custo, mas o pré-requisito para que o mercado de precatórios possa, de fato, cumprir sua função social: levar liquidez e justiça ao credor que não pode mais esperar.