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Centenário de Paulo José da Costa Júnior: O penalista que fez história

Jurista brilhante, professor apaixonado e defensor incansável da justiça, Paulo José da Costa Júnior moldou o Direito Penal no Brasil.

6/3/2025

Se estivesse entre nós, o professor Paulo José da Costa Júnior completaria 100 anos em 2025. Seu nome não é apenas um marco na história do Direito Penal brasileiro - é um símbolo de paixão pela justiça, excelência acadêmica e dedicação ao ensino e à advocacia.

Paulo José foi mais do que um professor: foi um mentor, um pensador incansável e um defensor ardoroso das garantias individuais. Sua existência (nasceu em 15 de fevereiro de 1925), transformou-se em um legado imortal, que ainda ecoa nas salas de aula, nos tribunais e nas páginas do Direito brasileiro.

Ao longo de sua vida, Paulo José combinou um intelecto privilegiado com uma sensibilidade humanista rara. Sua paixão pelo Direito Penal era carregada de compromisso com a justiça e com os direitos fundamentais.

Sua morte, há uma década, em 3 de março de 2015, deixou uma lacuna impossível de ser preenchida, mas sua obra e seu exemplo continuam vivos.

O legado de um dos maiores penalistas do Brasil, Paulo José da Costa Júnior.(Imagem: Reprodução/Facebook)

Da genialidade precoce ao brilho acadêmico

Desde a juventude, Paulo José demonstrou um talento excepcional para os estudos. No Colégio Pan-Americano, onde concluiu o curso ginasial, já se destacava entre seus pares, conquistando a segunda colocação em uma maratona intelectual de português em todo o Estado de São Paulo.

Sua mente afiada e sua incansável busca pelo conhecimento foram a tônica de sua vida acadêmica.

Ingressou na Faculdade de Direito da USP em 1941 e, ao longo do curso, conquistou as mais altas notas e prêmios de mérito. Sua monografia sobre a História da Academia Brasileira de Letras lhe rendeu a premiação da Associação dos Antigos Alunos da USP, um reconhecimento precoce de sua capacidade intelectual e compromisso com a pesquisa.

O brilho acadêmico, no entanto, não era apenas teórico. Sua mente brilhava nas ideias, mas também na oratória. Formado em 1947, ele logo encontrou nos tribunais sua outra paixão: a advocacia criminal.

Advogado combativo

A partir de 1954, Paulo José da Costa Júnior tornou-se uma figura frequente e imponente nos Tribunais do Júri de São Paulo. Sua presença nas Cortes não era apenas técnica - era arrebatadora.

Seu talento na advocacia era acompanhado por uma vocação irresistível para o ensino. Tornou-se professor assistente de Direito Penal na Universidade Mackenzie em 1958, iniciando uma carreira acadêmica que logo o transformaria em referência nacional.

Detentor de um espírito inquieto e um senso de justiça inabalável, Paulo José buscou ampliar seus horizontes e aprofundar seus conhecimentos.

Em 1960, na Universidade de Roma, submeteu-se a uma maratona intelectual impressionante: 22 exames orais sobre Direito, Biologia e Sociologia, culminando na obtenção do título de Doutor com distinção. Não bastasse isso, especializou-se também em Criminologia Clínica sob a orientação do renomado Professor Di Tullio.

Em 1961, tornou-se catedrático de Direito Penal na Universidade Mackenzie, por concurso de títulos e unanimidade dos votos.

Em 1965, conquistou a livre-docência na Faculdade de Direito da USP, onde se tornaria um dos grandes nomes da instituição.

Um de seus saudosos alunos nos contou como foi, em 1973, quando ele escolheu dar aula para o quarto ano nas Arcadas:

"Seu nome já ecoava desde há muito pelos corredores da Faculdade como uma das mais privilegiadas inteligências surgidas nas sesquicentenárias Arcadas e mais se acentuara desde que, em brilhante concurso, conquistou uma das cadeiras de Direito Penal defendendo a necessidade da tutela penal da intimidade contra violações crescentes motivadas principalmente por novos engenhos eletrônicos.

Recebemo-lo com o respeito que sua fama impunha, e a insubmissão normal dos jovens permitia.

No final da aula, estávamos todos cativados. E surpreendidos. Acostumados com digressões jurídicas que não deviam diferenciar muita das que, há 150 anos, eram feitas por Arouche Rendon, o ágil estilo do novo mestre deixara os alunos da frente boquiabertos, e os do fundo - a "canalha" - de boca fechada.

De súbito, o Direito Penal, regulador dos maiores bens do homem - a vida, a liberdade, a tranquilidade, a integridade física - tudo adquiriu um valor que até então não chegara até nós com nitidez.

Despertou-nos Paulo José da Costa Jr., com a vivacidade de sua mente, com reconhecida verve de seu espírito e com a vastidão de sua cultura.

Trazia para isso um cabedal assombroso. Advogado com notável banca, catedrático da Universidade Mackenzie, membro de inúmeras instituições ligadas ao Direito Penal e à criminologia, doutor pela Universidade de Roma, historiador, autor de várias obras jurídicas, Paulo José da Costa Jr. havia há pouco conquistado o título de Professor da Universidade de Roma, com o que adquiriu o direito de lecionar em qualquer Faculdade da Itália, coisa que nenhum outro latino-americano conseguira.

Discípulo e amigo de Giulio Battaglini e de Giuseppe Bettiol, coordenou a tradução para o português das duas grandes obras desses penalistas italianos, trabalhos que, aqui publicados, integram obrigatoriamente qualquer biblioteca jurídica brasileira.

E como "tempo" - repetia-nos sempre - "é uma simples questão de preferência", encontrava ainda algum momento vago na semana para manter por largos anos, primeiro na Folha de S.Paulo, depois no Diário Popular, a coluna "Delito e Delinquente", saborosas crônicas saídas de sua pena leve e perspicaz.

Tínhamos nós, pois, como estudantes, razões de sobra para nos encantar com o Professor. E com um acréscimo providencial, característica que o coração largo do Dr. Paulo José da Costa Jr. por certo herdou de Bettiol: não conseguia reprovar alunos..."

Como se vê, o professor Paulo José não apenas ensinava Direito Penal - ele inspirava seus alunos a viverem o Direito. Foi entusiasta na realização de júris simulados, levando estudantes para acompanhar júris reais, promovendo estágios em varas criminais e incentivando o contato direto com a realidade do sistema penal.

Criou, ainda, a Biblioteca do Detento e visitou, com os alunos, os presídios abertos e fechados de São Paulo.

Reconhecimento internacional

A genialidade de Paulo José da Costa Júnior ultrapassou fronteiras. Seu talento foi reconhecido em diversas partes do mundo, levando-o a representar o Brasil em congressos internacionais de prestígio no Japão, Lisboa e México.

Além disso, lecionou como professor visitante em diversas instituições de renome, como a Universidade de Pádua, Pavia, Milão e Bolonha, além do Instituto Universitário da Somália.

Em 1967, foi agraciado com a Comenda da Ordem do Grande Mérito da República Italiana, e em 1969, conquistou o direito de lecionar em qualquer universidade da Itália, algo inédito para um latino-americano. O reconhecimento de sua contribuição lhe rendeu, inclusive, o Prêmio Roquete Pinto, concedido pela TV Record no mesmo ano.

Sua tese de titularidade na USP, "O Direito de Estar Só", abordava a proteção penal da intimidade - a frente de seu tempo e absolutamente atual nos dias de hoje. Seu olhar atento para os direitos individuais o consolidou como um dos grandes defensores das liberdades civis no Brasil.

Em recente artigo, o desembargador José Renato Nalini destacou a devoção de Paulo José à história de São Paulo.

"Loquás e provido de fino humor, granjeou uma legião de amigos, que costumava congregar em agradáveis reuniões no escritório da rua Gabriel Monteiro da Silva. Era muito leal a seus mestres, cuja memória exaltava nas reuniões acadêmicas e, bastante convicto de suas fortes opiniões, nunca deixou de tomar partido em questões de interesse para a gente paulista e para o patrimônio jurídico brasileiro."

O centenário de um mestre eterno

Paulo José da Costa Júnior foi mais do que um acadêmico brilhante - foi um jurista que viveu o Direito Penal com paixão, que ensinou com entusiasmo e que advogou com coragem.

Nos tribunais, nas salas de aula e nos livros que escreveu, sua presença ainda é sentida. Para aqueles que tiveram o privilégio de ouvi-lo, suas palavras continuam ressoando. Para os que leem sua obra, seu pensamento segue sendo uma bússola no Direito Penal.

No coração de seus alunos, colegas e admiradores, Paulo José da Costa Júnior nunca deixará de ser um mestre.

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