O TJ/SP manteve, por unanimidade, a condenação da SPDM – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, gestora do Hospital Municipal Irmã Dulce, ao pagamento de R$ 500 mil de forma solidária com outras empresas, por danos sociais decorrentes da atuação de um falso médico durante a pandemia de covid-19.
A decisão foi proferida pela 35ª câmara de Direito Privado, que reconheceu falhas graves na fiscalização e omissão no dever de verificar a autenticidade dos documentos apresentados pelo suposto profissional.
Entenda
De acordo com a denúncia do MP/SP, Sérgio Raimundo de Oliveira Ribeiro usou documentos falsificados para se passar pelo médico colombiano Henry Cantor Bernal e trabalhou como plantonista no pronto-socorro do hospital de agosto de 2019 a junho de 2020.
Durante a pandemia de covid-19, ele foi transferido para a ala destinada aos casos da doença. Em junho de 2020, foi preso em flagrante.
Ribeiro portava uma carteira falsificada do CREMESP – Conselho Regional de Medicina e se apresentava como neurologista do Hospital Albert Einstein. Segundo testemunha ouvida no processo, após cometer “erros crassos”, ele repassava pacientes para outros médicos “em estado que não tinha mais jeito de resolver”.
A farsa foi descoberta por um policial federal, cuja noiva, médica do hospital, desconfiou da atuação do falso profissional. Após contatar o verdadeiro doutor Henry Bernal, o policial realizou a prisão. Em processo criminal julgado em 2020, Sérgio Ribeiro foi condenado a quatro anos e um mês de prisão.
Para o promotor Marlon Machado da Silva Fernandes, houve “uma sucessão de erros grosseiros e o completo descuido” das empresas na exigência, análise e verificação dos documentos apresentados por Ribeiro, que atendeu a população por meses sem qualquer formação médica.
Segundo os autos, o diploma apresentado por ele não possuía autenticação e trazia indícios de tentativa de fraude no reconhecimento de firmas. Além disso, Ribeiro apresentou uma carteira de habilitação paraguaia em nome diferente do constante no diploma, fato que passou despercebido pelas contratantes.
Negligência
A relatora do caso, desembargadora Flávia Beatriz Gonçalez da Silva, entendeu que a alegada boa-fé das empresas na verificação dos documentos não afasta a responsabilidade pela negligência.
Para ela, a suposta diligência foi insuficiente para evitar a prática ilegal da medicina entre agosto de 2019 e junho de 2020, em um período que exigia ainda mais rigor na contratação de profissionais de saúde.
A relatora afirmou que os documentos apresentados pelo falso médico, embora aparentemente válidos, deveriam ter sido objeto de conferência mais minuciosa, especialmente diante das inconsistências visíveis.
“A ausência de conferências adicionais por outros meios ou o exame detalhado de registros disponíveis configura omissão relevante.”
Diante disso, reconheceu, com base no dever contratual de fiscalização, a responsabilidade subsidiária da Associação.
“Ao assumir a gestão de unidade pública de saúde, a SPDM assumiu também a obrigação de zelar pela qualidade e segurança dos serviços prestados.”
A relatora também entendeu que a indenização fixada em 1ª instância é adequada diante da gravidade da conduta das rés, que expuseram pacientes a riscos concretos, em especial durante a pandemia, comprometendo a confiança no sistema público de saúde.
Por fim, a 35ª câmara manteve a sentença que fixou a condenação solidária das empresas C.A.P. Serviços Médicos Ltda. e UCOT – Unidade Clínica de Ortopedia e Traumatologia ao pagamento de R$ 500 mil por danos sociais, reconhecendo ainda a responsabilidade subsidiária da SPDM – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina.
- Processo: 1009056-69.2020.8.26.0477
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