A Corte Especial do STJ decidiu, nesta quarta-feira, 7, que multas por descumprimento de decisão judicial não podem ser reduzidas retroativamente.
Por maioria, os ministros seguiram o entendimento do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, para quem a revisão só vale para valores futuros, mantendo o que já foi acumulado.
O caso
Conforme os autos, cliente firmou contrato de financiamento com instituição financeira, mas o faturamento antecipado pela concessionária, antes da aprovação do crédito, dificultou a emissão dos boletos e a inclusão do gravame. A obrigação somente foi concluída após a retificação das informações pela instituição.
Diante do atraso, o cliente ajuizou execução pedindo a aplicação de astreinte no valor de R$ 2 milhões. A financeira contestou, alegando desproporcionalidade, e o juízo de origem acolheu parcialmente o pedido, reduzindo a multa para R$ 97 mil.
No entanto, em razão do descumprimento da obrigação por mais de quatro anos, o juízo majorou a multa diária para R$ 1 mil.
A instituição recorreu ao STJ e, em decisão da 3ª turma, a penalidade foi reduzida para R$ 300 por dia. O colegiado entendeu que o valor total acumulado não seria determinante para aferir a desproporcionalidade, que deve ser avaliada apenas em relação à obrigação principal.
A financeira contestou a decisão, argumentando que, apesar da redução da multa diária para R$ 300, o valor total corrigido da penalidade ultrapassa R$ 1 milhão.
Voto do relator
Nos embargos, o ministro João Otávio de Noronha, relator, reconheceu a divergência e observou que o acórdão embargado contrariava precedentes que permitem a aferição da desproporcionalidade com base no valor final da multa em comparação com a obrigação principal.
Noronha lembrou que, conforme a jurisprudência da Corte, a multa tem caráter coercitivo e deve respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de gerar enriquecimento sem causa.
O relator também afastou a argumentação de que a multa não poderia ser revista por inércia do devedor, destacando que a penalidade deve incentivar o cumprimento da obrigação, e não funcionar como sanção excessiva.
Por fim, Noronha votou para dar provimento aos embargos para fixar a multa total em R$ 200 mil, corrigidos a partir do julgamento até o efetivo pagamento.
Os ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antônio Carlos Ferreira e Sebastião Reis Jr. acompanharam o relator.
Voto divergente
Em voto-vista, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva divergiu do relator e defendeu a manutenção do entendimento da Corte Especial do STJ segundo o qual a multa cominatória (astreinte) só pode ser reduzida em relação às parcelas vincendas, e não às já vencidas.
Segundo o ministro, o precedente firmado há cerca de um ano tem natureza vinculante, nos termos do art. 927 do CPC, e deve ser respeitado para garantir segurança jurídica e coerência jurisprudencial. Para ele, a tentativa de rediscutir o tema sem novos elementos relevantes enfraquece a eficácia das decisões judiciais.
Cueva destacou que a possibilidade de reduzir o valor total acumulado da multa, como pretendido, estimula o descumprimento deliberado de ordens judiciais e favorece o que chamou de “litigância abusiva reversa”, especialmente por grandes devedores que se mantêm inertes e só recorrem para tentar reduzir penalidades.
Ao final, votou por negar provimento aos embargos, reafirmando que a alteração da multa só se justifica quanto às parcelas futuras, preservando a efetividade da sanção e o respeito ao processo judicial.
Os ministros Humberto Martins, Maria Thereza de Assim Moura, Og Fernandes, Benedito Gonçalves, Francisco Falcão e Nancy Andrighi acompanharam o voto divergente.
Voto vogal
Em voto vogal, o ministro Raul Araújo acompanhou o relator no sentido de dar provimento aos embargos de divergência e permitir a revisão do valor das multas cominatórias (astreintes) a qualquer tempo, inclusive de forma retroativa.
O ministro destacou que a Corte já havia enfrentado a mesma questão em julgamento anterior, do qual foi relator, e que naquele precedente também se entendeu que, diante de valores excessivos, a multa pode e deve ser revista com base no princípio da cláusula rebus sic stantibus, que permite a reavaliação de obrigações conforme as circunstâncias concretas.
Raul Araújo enfatizou que manter multas elevadas, desproporcionais ao bem da vida buscado na ação, abre espaço para distorções processuais, inclusive com risco de conluios e práticas indevidas dentro do Judiciário.
Para ele, permitir a revisão das astreintes preserva não apenas os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, mas também a integridade do processo judicial e a confiança na Justiça.
Ao final, o ministro votou por acompanhar integralmente o relator, fixando o valor da multa em R$ 200 mil, corrigidos monetariamente, como medida de justiça processual e adequação ao caso concreto.
Veja o momento:
- Processo: EAREsp 1.479.019